Diário de um Príncipe Inventado - Capítulo 1

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Mentira - ato ou efeito de mentir; engano, falsidade, fraude.

Mentira é uma palavra de um único significado, mesmo se derivando em outras palavras conhecidas. Aprendemos ele logo quando criança. Nossos pais ensinam que não se deve mentir, que não é bonito e que o Diabo é o pai da mentira, era o que dizia minha Avó Maria, quando morávamos em Bashville, a menos populosa cidade do Canadá. Conhecida pelo seu frio e nevadas durante os dez meses de doze de um ano. O frio era tanto que minha mãe dizia que eu quase não sobrevivi no meu primeiro inverno. Nasci e passei a maior parte da minha vida lá. Estava no ensino médio e pegava o trem todos os dias para ir à escola que ficava duas estações depois da minha. Ficava olhando pela janela encarando a paisagem montanhosa que se misturavam a casas vitorianas com janelas grandes e colunas torneadas com acabamento de pedra. As casas nesta região eram longes uma das outras, então parecia que o caminho para a escola era ainda mais longo. No total pegava o trem as 6:20 para chegar na estação de decida ás 6:50, eram trinta longos minutos olhando pela janela com a cabeça encostada no vidro enquanto o trem dava solavancos e fazia gruídos abafados pelos meus fones de ouvido que tocavam música no último volume. Minha Avó dizia que ficaria surdo, mas tenho certeza de que o trem com toda sua turbulência sonora se encarregava disso. Já havia passado pela segunda estação então faltava apenas dez minutos até a minha chegada ao meu ponto de desembarque.
“Posso me sentar aqui”, perguntou uma garota alta me olhando com os olhos verdes perdidos na paisagem do lado de fora.
“Claro”, respondi recolhendo meus livros do banco de couro rachado.
Eu os coloquei no colo e voltei a encarar o verde da costa montanhosa que cercava Bashville.
Gostava de morar lá, era calma e havia pouca luz elétrica dando a oportunidade essencial para admiradores do céu noturno como eu. Acho que foi exatamente por isso que minha mãe decidiu ir morar lá com o meu pai que era astrônomo. Ele faleceu quando tinha quatro anos, mas minha mãe insistia que havia uma estrela no céu que ganhará seu nome.
Talvez eu me precipite em dizer que somos felizes, morar com a Vovó Maria, mãe de minha Mãe Marta era legal, como filho único tinha meus privilégios, só não tinha um carro para ir à escola. Algumas vezes imaginava como era ter um irmão, então lembro dos meus poucos amigos do colégio, e agradeço aos céus por ter me livrado de ter de dividir tudo e brigar pelas coisas por motivos atoa.
“Você estuda no Colégio Bashville?”. Perguntou a garota me fazendo tirar um dos fones para lhe ouvir.
“Sim. Até porque é a única escola da cidade”.
“Não sei como uma cidade deste tamanho tem uma linha ferroviária e não tem outra escola”.
“Está atrasada para essa aula de História, mas tenho certeza de que o Professor B. Babão adorara cuspir enquanto conta como a cidade foi formada por pequenos vilarejos ligados a linhas da ferroviárias”.
Voltei o fone no ouvido, não gostava de conversa fiada, e não gostava de garotas que atrapalham o refrão da minha música favorita. Peguei o celular e voltei a música desde o começo. Olhei para a garota e ela ainda me encarava esperando que eu gentilmente a ouvisse falar de como era ruim ter apenas uma escola na cidade. Talvez se ela tivesse feito o dever de casa saberia que nem todo mundo gosta de legal com todo mundo.
Regra simples para se pegar um trem: não fale com estranhos.
Ainda mais se este estranho for eu. Minha Avó Maria me ensinou muito bem que não devia falar com pessoas que eu não conhecia, principalmente nos trens. Levantei do banco e passei quase que arrastando a garota de seios fartos. Sai no corredor e parei diante a porta fechada enquanto o trem usava seus freios barulhentos para uma freada lenta e dolorosa para os trilhos gastos.
Quando o trem parou saltei com rapidez e agilidade, a Diretora Olivia Bailey não se importava com os alunos que atravessava a cidade para chegar a escola.
Ela havia prometido uma conversa com a minha mãe sobre os meus atrasos diários. Então eu corri. Era a uma quadra, mas está era a maior quadra da cidade toda. Parecia que não acabava e quanto mais forte eu segurasse os livros em meus braços, mais eles escorregavam prestes a cair no chão molhado pela neve derretida da noite anterior.
A Sra. Bailey estava na entrada do estacionamento quando passei por ela com passos apressados. Ela sorriu e assentiu com a cabeça para mim. Mal sabia ela a falta de ar que estava sentindo pelo tanto que corri.
Perturbada.
O sinal tocou alto quando cheguei no meu armário. Guardei os livros dentro dele e peguei um outro de geometria, as duas primeiras aulas eram com a Sta. Collins, a mais adorável de todas as professoras. Caminhei com um sorriso no rosto até a terceira porta do corredor quase vazio. Não estava sorrindo por causa da professora, estava feliz por causa da minha parceira de turma. Alice Roy. Ela era a minha melhor amiga, nossa amizade ultrapassava os portões da escola. Frequentávamos um a casa do outro, lanchávamos juntos e trocávamos mensagens de texto durante as aulas que não fazíamos junto.
Conheci Alice no fundamental, quando ela se mudou para Bashville, a pequenina bochechuda não mudara muita coisa até o terceiro ano do ensino médio. Continuava bochechuda e baixinha.
Sorri para ela quando a vi sentada no nosso lugar. Era a terceira cadeira da segunda fileira de mesas duplas.
“A Sra. Bailey perguntou por você quando passei por ela, disse que te daria uma suspenção se chegasse atrasado”. Ela deu uma breve e deliciosa risada.
Era isso que me fez adora-la. Sua risada, Alice era tão fofa e risonha que me dava vontade de aperta-la como se faz com ursos de pelúcia.
“Corri a quadra do supermercado toda para não chamarem a minha mãe”.
“Ainda bem que correu, acho que ela deixa o número da sua mãe discado no telefone só para ter o prazer de ligar e começar a falar sem parar”.
A Sta. Collins parou na porta e todos os alunos se aquietaram em seus lugares.
Ela assentiu a sua esquerda e a garota que estava no trem entrou na sala na sua frente.
“Bom dia, pessoal”, disse ela como sempre fazia em todas as manhas de segunda-feira, “Está é a nova colega de classe de vocês, apresente-se para a turma”.
Ela sorriu para a garota como se já a conhecesse há anos.
“Meu nome é Lara Hussain”.
A turma reagiu de forma aleatória, alguns a cumprimentaram com um oi, outros olá. Mas ninguém fez nada a mais do que isso.
“James Patel”, a Sta. Collins disse meu nome e eu a encarei temendo pela minha vida, chegar atrasado eu não cheguei e para ela falar meu nome completo só podia ser coisa da Diretora. “Quero que Lara seja sua nova dupla”.
O QUE? Pensei gritando comigo mesmo. Eu a encarei como se fosse queima-la com os meus olhos, como se fosse me transformar há qualquer momento em um monstro sugador de sangue como as lendas da cidade dizia existir.
“Alice, querida, junte-se a Melissa, tenho certeza de que ela adorará sua companhia”.
Alice pegou seu livro de geometria sem pestanejar, ela não falou nada, nem reclamou como de costume. Estava quase saltando da minha cadeira e grudando em suas pernas implorando para que ela não fosse para o outro lado da sala.
A cadeira ao lado.
“Mas Sta. Collins, Melissa já estava sozinha, porque não coloca a garota com ela?”. Perguntei tentando não aparentar estar furioso com a situação toda.
“Melissa está na turma há três meses e Michael voltará apenas daqui três semanas. Escolhi você para ser dupla da Sta. Hussain porque conhece bem o colégio, e Sra. Bailey pediu para que você mostrasse o prédio para a nossa querida Lara”.
Lara Hussain. Como que se pronuncia esse sobrenome, Deus? Aquilo tinha que ser obra da Diretora e provavelmente reclamaria para ela no final do dia.
Hussain sentou-se sem jeito do meu lado, ela estava tão desconfortável que poderia apontar o dedo indicador para ela enquanto gargalhava só para envergonha-la.
Destinado, fadado e obrigado a mostrar para ela o prédio escolar. Levantei da cadeira com desanimo quando soou o segundo sinal do termino da aula de geometria. Lara parecia esperançosa de que eu mostrasse cada detalhe do prédio para ela, mas foi mais ou menos assim.
Banheiro, Banheiro que você pode usar sem levar uma surra das gangster, Biblioteca, Pátio e enfim o refeitório.
Eu a deixei assim que vi Alice que correu para um abraço apertando.
“Pensei que mostraria grama por grama para ela do campo de Lacrosse”.
“Se eu mostrasse não me chamaria James Patel”, dei risada caminhando ao lado de Alice até a fila da cantina, “Sta. Vuarez, que bom que retornou”, disse á cozinheira.
“Meu atestado falso foi descoberto, Patel, tenho que arrumar outro jeito de descansar desses vinte anos trabalhados nesta escola”, ela sorriu e me entregou a bandeja com uma maça, cookies e uma caixinha de leite com achocolatado, “essa é especial”.
“Eu quero uma também, Sta. Vuarez”, contestou Alice com um sorriso enorme no rosto.
A Sta. Vuarez que na verdade era uma senhora de uns sessenta anos de idade lhe entregou a bandeja igual a minha, mas sem a maça e sim com uma pera.
“Muito obrigada”.
Nossos lugares sempre eram os mesmos. A mesa do canto, ninguém sentava lá a não ser a gente. Mas por incrível que pareça ninguém avisou a garota nova que ali era os nossos lugares.
Respirei fundo e sentei do outro lado da mesa encarando ela da mesma forma que fiz na sala de aula ao receber aquela péssima notícia.
“Estava com saudades da Sta. Vuarez”, disse Alice sentando-se ao lado de Hussain.
Olhei para a bandeja da novata e revirei os olhos, ela olhou para minha e percebi que ela se engasgou com o que queria falar.
Sim, nossas bandejas eram especiais, por isso amávamos a Sta. Vuarez, ela sempre deu lanches diferenciados dos outros. E naquela manhã fria era leite puro com torradas e uma maça.
Peguei um cookie e o mordi provocando-a, eu queria que ela falasse alguma coisa, eu queria que ela insinuasse apenas o que era verdade. Tudo bem, eu sei. Não devia acontecer isso, eu era um chato, insuportável e arrogante garoto de dezessete anos.
Mas a vida é assim, nem tudo pode ser como a outra pessoa quer, e sim como eu queria.
Pelo menos é assim que se pensa antes da vida adulta te pegar pelos cabelos e te jogar para todos os lados abrindo feridas e jogando sal nelas até que você se acostuma e para de reclamar.
Mas por enquanto, era um adolescente mimado e muito chato ao ponto de parar de mordiscar meu cookie e encara-la de forma que ela percebesse meu incomodo.
“Essa mesa é minha, novata”.
“Patel”, começou Alice como se implorasse para que parasse de implicar com a novata.
“Desculpe, eu não sabia”.
“Você se desculpa por tudo? Nossa como você é irritante garota, do trem até aqui?”. Fiz uma pausa e não havia lagrimas, já tinha magoado pessoas com mais facilidade, mas ela era uma verdadeira guerreira, “O que foi? Porque está me olhando ainda?”.
Ela me encarava com seus olhos verdes como a relva na encosta das montanhas do lado de fora.
“Patel, não seja ruim, ela precisa se enturmar”, Alice pegou o rosto da garota e virou para ela fazendo-a olhar em seus olhos e adoravelmente sorriu, “Oi, meu nome é Alice Roy, não leve em consideração o que esse sem coração fala, no fundinho, bem no fundinho ele é uma boa pessoa”.
“Eu não ligo, descobri isso quando lhe fiz uma pergunta quando estávamos no trem, ele é arrogante e impertinente, mas nem por isso vou estragar meu dia”.
“Gente, gostei dela”, Alice deu uma breve e gostosa risada.
“Muito saidinha, chegou hoje e já está dando uma de Rainha das trevas”.
“É James, né?”, assenti concordando, “O mesmo tanto que paga para estar aqui nesta escola eu pago, então se quiser sentar sozinho sente-se no chão, tenho certeza de que ninguém vai querer sentar com você”.
Pensa James, pense. Estava falando comigo mesmo enquanto a encarava sem palavras, ninguém nunca ousou me encarar de frente, ninguém nunca teve a eficácia de me encarar nos olhos e dizer o que ela disse.
Quem era Lara Hussain?
Porque ela estava ali?
Para quê?
O que eu devia fazer quanto a isso?
Hussain, o que mesmo?

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