Diário de um Príncipe Inventado - Capítulo 3

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Desdita - Sem dita; ausência de sorte; má sorte, infelicidade, infortúnio.

Levantei e deixei Alice junto a sua nova amiguinha assim que elas começaram a falar de onde Lara veio. Eu não queria saber que sua última casa foi no Michigan e que ela já morou em Paris quando a mãe estava escrevendo um romance. Sentei duas mesas para trás da que estava e enquanto terminada de comer meus cookies e tomar meu leite com achocolatado fiquei observando o assunto fluir entre elas.
Não era ciúmes. Pense o que for, só não gostei daquela garota. Eu nem sabia quem realmente ela era, e o que ela de fato estava fazendo ali.
Hussain podia escolher qualquer pessoa da escola para ser sua melhor amiga, eu não me importaria com sua escolha desde que não fosse Alice.
Sorri. Levantei novamente levando minha bandeja de volta a minha mesa. Sentei ouvindo elas falarem sobre o novo namorado de Alice. Eu já conhecia ele, ele era um dos jogadores do time de Lacrosse.
Não era o mais bonito do time, mas foi o que chamou Alice para o baile que aconteceria na próxima sexta feira. O tão esperado baile anual de inverno, mesmo que aquela cidade estivesse passando pelo inverno desde sua fundação.
Bashville foi fundada por uma família parisiense, eles foram os primeiros moradores da cidade, é o que o professor de História disse quando estudávamos sobre isso. Era uma cidade cheia de datas comemorativas, tinha o Dia da Família Fundadora nas vésperas do dia de ação de graças, Dia Musical que acontecia duas semanas depois da virada do ano, Dia Azul, quando todos os moradores saiam vestidos de azul na rua para um festival de receitas à base de blueberry, que acontecia no início de fevereiro.
Comemorações típicas da cidade pequena. Seus melhores dias eram na chegada do verão. Meus dois meses favoritos, pois é chega a hora de passar o tempo todo em volta do lago, acampando e nadando.
Estava muito feliz, faltava apenas um mês para isso.
Contando nos dedos pelo último dia aula, o baile de inverno e a formatura. Tudo como eu havia planejado desde quando pisei naquela escola.
Sonhar em nunca mais ter de vestir aquele uniforme horrível.
Uma vez cheguei em falar com a Diretora sobre o uniforme, foi então que ela teve a brilhante ideia do pré baile. Na semana do baile poderia ser usado qualquer tipo de roupa dês que não fosse vulgar.
Estava ficando cansado de ouvir sobre como era divertido morar no Texas, a voz daquela garota podia de todas as formas ser mais irritante do que tudo. Mas não podia mostrar minhas garras, não de qualquer forma. Tinha de pensar na melhor forma de derruba-la sem que ela percebesse quem a empurrou. Comecei a sorrir fingindo ouvir tudo o que ela falava sobre Nova York e o Central Parque. E agradeci quando tocou o sinal para o fim do intervalo pela primeira vez.
“Você tem muita sorte de ter conhecido todos esses lugares, Lara. Nunca sai do Canadá, me mudei para cá no fundamental e desde então nunca mais sai”, reclamou Alice levantando.
Lara pegou a bandeja dela e a de Alice e as levou até o balcão junto as outras.
Levei a minha enquanto ela voltava de encontro a Alice para voltar a tagarelar sobre suas diferentes casas.
Caminhamos pelo corredor em direção aos nossos armários, Alice pegou o número do armário de Lara para ajudá-la a se localizar. E adivinhem só, o destino gargalhou bem na minha cara quando encontramos o armário da novata. Era entre o meu e o de Alice.
“Seremos sempre nós três”, disse ela com um sorriso enorme no rosto olhando para Lara que girou a combinação do armário no cadeado. Quando finalmente abriu soltou um gritinho que me fez lançar aquele olhar para ela.
Juro que tentei segurar, na verdade, me segurei durante muito tempo para olhar para ela daquele jeito, mas sinceramente não precisava daquela alegria toda.
“Pode para”, disse pausadamente assim que ela parou de dar saltinhos na ponta dos pés.
Alice deu risada e eu fechei meu armário depois que peguei meu livro da aula de literatura.
“Lara, vou dar uma festinha na minha casa, é uma coisa pequena, para alguns amigos, mas adoraria que você fosse”, assim que Alice abriu a boca para falar a maior besteira de todas balancei a cabeça em negação olhando para de trás da Lara, “sim James”, disse ela me repreendendo e eu abaixei a cabeça, “vou anotar o endereço e depois de passo”.
“Pode deixar que eu vou”.
“Vai ser no sábado”.
Respirei fundo e voltei com o meu sorriso mais falso no rosto. Lara disse algo sobre ter duas aulas seguidas de matemática, mas a ignorei enquanto puxava Alice para o lado oposto do dela.
“Você está ficando louca, ou só fez isso para me irritar mesmo?”. Perguntei dando um leve belisco no braço de Alice que gemeu baixo enquanto caminhávamos pelo corredor cheio de alunos barulhentos. “Convidar ela para a sua festa foi a maior bola fora que você já deu, e não estou nem comparando com aquela vez que você tentou jogar futebol”.
“Você tem que reconhecer que a Lara é uma menina legal, você precisa dar uma chance a ela, não pode simplesmente...”.
“Sim, eu posso jugar ela, sim eu posso”.
“Temos literatura agora. Já preparou seu personagem?”. Perguntou Alice mudando de assunto.
Ganhei.
“Sim, ele se chama Ethan”.
Entramos na sala de aula, a sala mais colorida da escola, cheia de cartazes e cores do arco-íris nas paredes. A janela era do chão ao teto com vista ao BashLake o lago que ficava entre os bairros.
O Sr. Bailey além de filho da Diretora era namorado da Sta. Collins. Um estilo jovial e alternativo. Ele era o tipo de adulto que era amigo dos adolescentes e falava gírias para se enturmar.
Ele cumprimentava os garotos do time com apertos e giros de mãos, e assoviava para que parassem de fazer barulho, um dos poucos professores que assistiam aos jogos de Lacrosse.
Ele cumprimentou Alice com uma jogadinha de mão para trás um pouco afeminada e me fitou lançando o queixo para cima como uma intimidação. Um verdadeiro palhaço da turma de professores.
Ele era bonito, tinha uma barba desenhada em seu rosto de queixo quadrado. Seus olhos eram azuis escuros como a água do BashLake. Ele era alto de ombros largos e braços musculosos.
Alice sentou do meu lado e deu uma bufada agradecida por ter aula com ele.
“Eu não sei de aonde ele é, mas espero que tenha mais homens assim”, disse ela somente para que eu a ouvisse.
“Ele nem é tudo isso, vocês garotas tem um fogo”. Brinquei olhando para ela com um sorriso enorme no rosto.
“Nossa ele sorri”.
“Só não na presença da idolatrada por você, Lara alguma coisa”, revirei os olhos.
Ela deu uma breve risada antes do Sr. Bailey fechar a porta e chamar por seu nome.
“Sta. Roy, você fez a lição de casa?”. Ele a olhou pelo canto dos olhos virando o rosto para a direita, “Espero que sim”, continuou.
“Sim, eu fiz”. Alice respondeu corando as bochechas gordas.
“Apresente seu personagem para a turma”.
Alice assentiu e se levantou, ela tirou do meio do seu livro de literatura uma folha e caminhou até o quadro negro abrindo seu desenho para a turma.
Uma coisa eu tenho que admitir, Alice era ótima em desenhar, seus desenhos eram lindos e detalhados como se ela mesma tivesse desenhado as montanhas por todo o Canadá.
“Meu personagem se chama Marcelo Roy, ele é um pai de família que vive no Missouri. Ele também é contador e dançarino aos fins de semana”.
“Que história você contaria sobre ele em um livro?”. Perguntou o Sr. Bailey, já que era essa pergunta o verdadeiro trabalho.
“Sua história”, Alice ficou em silencio, ela estava pensando, passou tanto tempo criando a imagem de seu personagem que não pensou em o que colocar em um livro sobre ele, pobre Alice. “Bom, sua história seria sobre ele realizar seu sonho de ser finalista em uma competição nacional de dança, ele passaria por muitos processos  seletivos e teria de trabalhar com muitas pessoas de diferentes caráteres”, ela fez silencio novamente.
“Foi só isso que você preparou, querida Alice?”.
Alice baixou a cabeça voltando para o seu lugar ao meu lado.
O Sr. Bailey suspirou fundo e Alice logo percebeu que isso não era bom, de longe o que ela fez na frente da turma toda fora bom para alguma coisa. A não ser pelo seu magnifico desenho que esquecera de tirar do quadro negro.
“Patel, sua vez”. Anunciou o Professor.
Levantei e fiquei de frente para a classe encarando um por um. Criei uma história e um personagem.

“É um romance, James?”. Perguntou o Sr. Bailey interrompendo meu conto e fazendo com que todos da sala dispersassem seus olhos de mim.
A classe aplaudiu. E o Sr. Bailey deu um sorriso largo aprovando o meu conto.
“Transforme isso em um livro que eu comprarei um exemplar para você autografar”, disse o Professor.
Na verdade, não tinha criado nada, eu menti. Tanto para Alice quanto para o professor quando me pediu o trabalho por escrito, disse que iria corrigir algumas coisas e inserir de última hora Marcelo Roy, tudo o que disse tinha acabado de inventar, não podia de forma alguma ficar sem nota na aula de literatura por causa de um trabalho tonto como esse.
Os outros alunos contaram sobre seus personagens, mas nenhum deles conseguiram um sorriso tão largo do Sr. Bailey quanto o que ele deu com o meu conto. Estava quase pensando seriamente que meu destino seria ser autor de livros, até cogitei o sonho de ter um best-seller nas vitrines de todas as livrarias de grande nome.
Alice me agradeceu durante a aula toda por ter dado ao seu personagem uma história de romance com o meu.
A aula acabou tão rápido que não percebi o toque do sinal sem que Alice me chamasse para acompanha-la até o banheiro.
Peguei nossos livros e a acompanhei, os corredores estavam cheios de cartazes anunciando o baile de inverno, as vendas dos ingressos tinha começado há semanas e eu acabei comprando dois logo de cara, um meu e outro para Alice. Mas Alice foi convidada para ir com o jogador, que agora era seu namorado que mal falava com ela pelos corredores da escola.
Minha mãe insistiu em alugar um terno para eu ir ao baile sozinho há dois dias a trás. Comentei isso com Alice assim que ocorreu, mas ela não ligou muito, apenas deixou bem claro que eu ficaria um gato vestindo um terno. Paramos na frente da porta do banheiro e ela entrou enquanto eu ficava esperando-a sair com os livros nas mãos.
Sabrina Cote, ela era a líder de torcida mais cobiçada de todas as outras, ela era linda. Sua pele era branca como porcelana, a maça de seu rosto era arqueada e simétricas, seus olhos eram negros como a escuridão, ela tinha uma certa leveza em seu andar e estava caminhando na minha direção lentamente, ou talvez eu só estivesse vendo tudo em câmera lenta depois que a vi virar o corredor.
Sabrina se aproximou um pouco mais e parou na minha frente as maças de seu rosto coradas em um tom claro de rosa.
“Oi”, disse ela com sua voz delicada, “você”, ela olhou nos meus olhos e fez uma pequena pausa, “você quer ir ao baile?”.
Eu a encarei com olhar espantado, meus olhos iriam saltar para fora do meu rosto, minhas mãos estavam úmidas e faziam com que os livros escorregassem delas.
“Comigo?”. Ela terminou sua frase e continuou me encarando.
“Eu não sei se vou ao baile, tenho um compromisso na sexta-feira”. Disse mentindo descaradamente.
Ela pegou uma das minhas mãos e colocou um pedaço de papel entre os meus dedos molhados pelo suor.
“É o meu número, me avise se quiser ir”. Ela se afastou com seu andar lento e sumiu ao dobrar o corredor.
Alice saiu do banheiro como se estivesse esperando pelo fim daquele momento para surgir e me olhar com as sobrancelhas arqueadas perguntando-se o que havia acontecido para si mesma.
“Patel”, disse ela fazendo focar meus olhos nos seus, “Hey, vamos, temos educação física. Na verdade, os outros têm, nós vamos ficar sentados olhando todo mundo”.
Queria ter todos os horários ao lado de Alice, assim poderia contar detalhadamente o que havia acabado de acontecer, mas quando finalmente consegui descongelar meu cérebro para contar tudo, ela começou a falar sobre seu namorado e como ele era perfeito e maravilhoso, disse que havia passado a noite toda com ele. E eu fui parando de ouvir aos poucos. Não me interessava.
Talvez só talvez. Não estou dizendo que faria, mas só talvez deveria ter dito sim para Sabrina, deveria ter beijado ela imediatamente ali mesmo no corredor.
Porque quando aconteceria aquilo novamente? O menino magricela sendo chamado para o baile de inverno pela líder de torcida mais linda da escola.
Isso só poderia ser uma mera mentira.
Uma das bem grandes.

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