Correntes Secretas - Queda
É estranho
pensar em todas as coisas que me fizeram chegar até aqui, saber que todo esse
mundo sempre existiu debaixo do meu nariz me faz querer entender o sentido de
tudo isso.
Mas não era exatamente
nisto que estava pensando enquanto caminhava pelo caminho de pedras até a porta
dupla, tentei não encarar os dois seguranças altos sem expressão alguma no
rosto, mas eles me olharam nos olhos assim que abriram a porta para que eu
passasse.
Então estava
dentro de uma sala com laterais que parecia ser dois aquários enormes, dentro
desses aquários em meio aos peixes manequins com máscaras. A minha frente uma
jovem seminua também mascarada, em suas mãos ela segurava a máscara que me
entregou.
Tentei não
me aterrorizar, talvez o que estivesse atrás daquela segunda porta fosse pior,
talvez eu devesse voltar para o carro junto a Jeferson.
Mas se eu
tivesse feito isso, se por um a caso tivesse recuado, talvez por alguns
segundos pensando comigo mesmo, nada teria acontecido depois daquele dia,
ninguém teria se ferido.
Cheguei até
aqui, não podia simplesmente recuar. Coloquei a máscara em meu rosto e está
cobria apenas do nariz para cima, deixando meus lábios rosados a mostra, como
se fosse apenas mais um adereço para aquela noite.
A jovem
seminua abriu a porta e que revelou aos meus olhos a entrada de um palácio em
preto e branco.
Dei dois
passos à frente capitando cada pequeno detalhe, desde as gaiolas presa ao teto
com garotos nus dançando sensualmente até o andar de baixo, onde outros garotos
dançavam em pedestais para que os homens mascarados pudessem apreciar.
Um garoto
mascarado e um homem que podia ter reconhecido de algum lugar passou atrás de
mim. Foi mais forte que eu não encarar, então os acompanhei com os olhos até
que eles entraram em um cômodo por uma das portas azuis do corredor largo com
tapete vermelho.
Respirei fundo...
tentei não imaginar o que iria acontecer atrás daquela porta... caminhei
deslizando minha mão pelo para peito de outro branco, a música vinha do andar
de baixo, um pequeno palco onde um jovem rapaz cantava a melodia lenta de jazz,
conhecia aquela música, mas ele a cantava de uma forma tão sexy, quase como um
sussurro.
Como se
quisesse captar toda a atenção para ele, e uma detalhe me chamou a atenção, seu
corpo estava nu, porem coberto de tinta, um terno totalmente desenhado a tinha.
Dobrei o mezanino
caminhando ainda olhando para baixo, consegui ver que havia um outro espaço na
lateral esquerda, um espaço mais escuro, talvez privativo, em alguns momentos
as gaiolas com dançarinos nus subia e descia. Talvez esses que desciam até o
piso eram escolhidos pelos homens mascarados.
Enfim,
cheguei a escada em curva sinuosa, corrimões seguiam os padrões de outro
branco, os degraus em mármore.
Percebi que
alguns homens me encaravam, então pareceu que eu havia desaprendido a andar,
minhas pernas tremiam e o ar parecia mais pesado para respirar.
O cheiro de
charutos começou a fazer meu estomago se comprimir, nunca gostei de charutos. Mas
ainda assim me mantive caminhando em meio a aquele carnaval.
Os garotos
nus passavam por mim me encarando com os olhares intimidadores, como se
quisessem algo de mim... embora eu soubesse que era apenas um pedido de
socorro.
Caminhei por
ali, tentando me concentrar, não estava procurando por nada, não poderia
encontrar ali um rosto amigo, mesmo com medo, minha curiosidade estava em seu ápice,
tinha que descobrir algo a mais sobre aquele lugar.
Mais uma
gaiola descendo e tocando o chão, com cordialidade o mascarado estende a mão
para o jovem nu e ele a segura, então os dois caminham em direção ao espaço
lateral.
Comecei a
seguir seus passos lentos, aquele espaço tina cheiro de velas aromáticas, algo
como rosas, podia sentir o cheiro da flor no ar, sofás e biombos espalhados
pelo piso de mármore branco.
Meus olhos encontraram
os olhos de um outro garoto, este estava com pequenas assas de anjo preso com
alças em suas costas, ele usava uma cueca branca como se fosse especial e
diferente dos outros, só então percebi que naquele lugar havia mais desses
garotos.
O jovem se
aproximou com passos lentos quase se movendo no ritmo da música até seu corpo
estar próximo demais do meu.
– Olá – ele disse se aproximando do
meu ouvido, sussurrando baixo – o Senhor deveria esconder um pouco mais a
surpresa, andou o tempo todo de boca aberta.
E era verdade, estava de boca aberta,
então a fechei imediatamente encarando os olhos do garoto, ele piscava
lentamente com seus cílios longos.
O jovem era como todos os outros,
corpo malhado e músculos a mostra, lábios rosados, cabelo de um jeito arrumado
e ao mesmo tempo bagunçado, eles chamavam a atenção por sua beleza e havia de
todas as cores, tamanhos, como em um catalogo de roupas.
Mas não estava buscando por diversão e
sim por respostas.
Me aproximei de seu ouvido e
sussurrei baixo com ele havia feito antes.
– Lúcio – ele deu um passo para trás
e me encarou com seus olhos verdes assustados, seus olhos fugiram dos meus como
se ele estivesse procurando por alguém em meio a aqueles homens.
Então ele segurou minha mão e
caminhou me puxando em meio aos sofás, namoradeiras e otomanas.
Ele se virou voltando a me encarar
nos olhos, então com um empurro me fez sentar em um dos sofás de couro
vermelho, ao meu lado o pavio da vela negra queimava emanando o seu cheiro de
rosas.
O garoto começou a dançar, com movimentos
lentos e sensuais, sem tirar seus olhos dos meus, a música segue os movimentos
de seu corpo, como se todo aquele momento tivesse sido ensaiado para me
impressionar.
Conseguiu me impressionar ainda mais
quando ele jogou o pé em minha direção e o parou ao meu lado apoiando a perna
no sofá.
Seu rosto se aproximou do meu e ele
disse em voz baixa:
– Tente aproveitar – ele segurou a
minha mão com uma de suas mãos e a colocou em sua perna fazendo-me acaricia-lo –
quem é Lúcio para você? – Ele perguntou em um sussurro quando se aproximou
novamente.
Eu o puxei fazendo-o sentar no meu
colo e acariciando o seu rosto me aproximei de seu ouvido e sussurrei.
– Ele fugiu deste lugar – uma de
minhas mãos deslizava pelo seu corpo – eu o acolhi na minha casa, você o
conhece?
O garoto se levantou e de costas
sentou no meu colo, com um movimento rápido ele se levantou novamente e
sentou-se inclinando-se sobre o meu rosto enquanto rebolava no meu colo.
– Você precisa sair daqui... Lúcio é
muito precioso para este lugar, ele não é quem você pensa e talvez nem ele
mesmo saiba disso - O garoto se afastou e segurou o meu queixo levantando a
minha cabeça – você deve estar muito apaixonado para correr tanto risco.
Ele se levantou e se afastou, tentei
acompanha-lo com os meus olhos para ver aonde ele iria, mas o perdi na
escuridão.
Levantei, não queria que mais ninguém
se esfregasse em mim. Não mais.
Na verdade, nunca quis, mas há coisas
que temos que fazer para conseguir aquilo que queremos. Caminhei de volta ao
salão principal procurando o melhor caminho para chegar a escada e sair daquele
lugar.
Olhei para o topo da escada e lá
estava ele, e não tinha como não o reconhece, a máscara era a mesma, esculpida
genuinamente, prateada... e ele me viu também, por mais que eu não conseguia
ver seus olhos, sei que ele me enxergou no meio daquele carnaval.
Não consegui, por mais que tentasse
meus olhos estava nele como um imã fica no metal, caminhei em direção a escada,
talvez tenha esbarrado em alguém, mas não percebi, era como se estivesse sendo
guiado pelo ódio.
Todos aqueles garotos, todos eles
ali, contra sua vontade, aprisionados para fazer parte desta festa onde eles
são apenas parte do cardápio.
Comecei a subir os degraus com os passos
mais pesados e quando estava prestes a ficar de frente com Christian de trás
dele surgiu Iris Gabriela pousando a mão sobre seu ombro esquerdo.
Ela não escondia seu rosto atrás de
uma máscara, ela não tinha medo de ser vista. E com um sorriso no rosto me
cumprimentou com um acenar de cabeça.
– Fico feliz em ver que aproveitou um
pouco de sua visita – disse Christian com ironia – embora a minha visita a sua
casa tenha sido interrompida, não farei o mesmo.
Iris Gabriela continuava me encarando
em silencio.
– Foi um impulso, apenas queria ver
com quem estava lidando, mas vejo que há alguém a cima de você – encarei Iris
Gabriela – boa noite.
– Boa noite, Senhor Laguna, gostaria
de convida-lo para um drink em uma área mais reservada – ela abriu espaço para
que passasse – podemos?
Concordei com a cabeça, embora todos
os meus pensamentos mandassem eu ir embora correndo.
Iris Gabriela e Christian seguiram na
frente caminhando por um corredor com portas azuis e carpete vermelho, eu os
seguia com o meu olhar observador, atrás de nós dois seguranças altos e
musculosos, eles com certeza poderiam me parar por qualquer movimento que
fizesse.
Christian abriu a última porta do
corredor e entrou na sala.
Conseguia ver o jardim pelas janelas
redondas, a sala era como um escritório e uma adega juntos, prateleiras com
barris e garravas de vinho a esquerda, dois sofás e uma poltrona de couro preto
no centro e uma mesa com papeis e abajur a direita.
Assoalho de madeira deixa o ambiente
mais confortável e ele se unia perfeitamente com os painéis de madeira na
parede.
– Fique à vontade – disse Iris
Gabriela sentando-se na poltrona enquanto Christian se acomodava em um dos sofás.
Me sentei no sofá de costas para a
porta que se fechou quando o segurança nos deixou sozinhos.
– Espero que tenha visto como são
nossas acomodações, gostou do que viu? – Perguntou Christian cruzando as
pernas.
– É diferente do que imaginei.
– O que fazemos é isso, Senhor Laguna,
acomodamos esses rapazes e trabalhamos com prazer – Iris Gabriela se levantou e
caminhou até a mesa do bar, ela se serviu de whisky dizendo – todos podemos
ganhar com isso, sabe? A intenção de traze-lo até aqui no início era apenas por
causa do que roubou de mim, mas vejo uma grande oportunidade de negócios no
meio disso tudo.
Ela voltou a se sentar segurando o
seu copo de whisky com três pedras de gelo que tintilava dentro dele.
– Quando fui a sua maravilhosa mansão
– começou Christian curvando o corpo para frente com se quisesse olhar a fundo
nos meus olhos – pude te conhecer um pouco, sei que está assustado agora, sei
que logo responderá pela empresa da sua família e também sei que você não tem
medo de se arriscar.
– Vocês sabem de muitas coisas, mas
por enquanto tudo o que sei é que vocês aprisionam esses jovens...
– Ah, por favor – Iris Gabriela me interrompeu
e bebeu todo o whisky de seu copo – nos poupe desse seu discurso sobre os
direitos desses jovens, eles me procuraram, sabiam dos riscos desde o início,
para a sua surpresa, não obrigo ninguém a fazer sexo com os convidados, eles
fazem por que também querem prazer.
– A Seleção, é apenas uma casa
de massagem, e nada mais que isso, não podemos controlar o que acontece dentro
das cabines, é tudo legitimo.
– Claro que é, agora vamos direto ao
ponto, o que querem?
– Meu Deus, olha os meus modos –
disse Iris Gabriela com um sorriso no rosto ao se levantar – você aceita alguma
bebida?
– Não – disse com um sorriso
desdenhoso.
Iris Gabriela deixou seu copo vazio
na mesa do bar e voltou a se sentar.
Não tinha como descrever ela, seu cinismo,
em cada passo, cada olhar... a forma como ela afagava o cabelo cacheado, ou
alisava o vestido de seda. Iris Gabriela tinha todos os traços que alguém ruim
poderia ter e eu nunca havia percebido.
– Primeiro, temos uma oferta a fazer
para que nos devolva o que é meu – ela começou e então sorriu sadicamente me
encarando nos olhos, adorando aquele momento – fazendo isso, queremos que você volte
com o nosso contrato.
– Uhmm – disse apenas.
– Isso é muito maior que você Fábio,
e você sabe disso, poderia apenas ir lá e tirar tudo de você, mas estou te
dando essa chance... não quero...
– Não queremos tomar nenhuma atitude
assustadora – Christian a interrompeu e lhe lançou um olhar de desaprovação –
queremos que isso tudo acabe, sem ninguém sair queimado.
Iris Gabriela levantou-se junto a
Christian e eu me senti obrigado a fazer o mesmo, eu os encarei na mesma
altura, não podia deixar eles pensarem que estava sentindo medo ou qualquer
coisa do tipo.
– É claro, essa decisão não precisa
ser tomada agora, setenta e duas horas, Senhor Laguna, este é o meu prazo –
disse Iris Gabriela.
Ela assentiu então a porta se abriu
atrás de mim. Os dois seguranças entraram rápido e me agarraram de repente,
senti algo atravessando a minha pele, fino e nada delicado.
Em segundos estava caindo e minha
visão escurecendo. A última coisa que vi foi o rosto de Iris Gabriela com o seu
sorriso sarcástico e o rosto de Lúcio se inclinando na minha frente.
Não estava nada bem...
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