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O que nunca tive

Sempre achei que a melhor das soluções era se afastar daquilo que te az sofrer, se manter com a mente ocupada, qualquer coisa que te faça parar de remoer sentimentos.

S. Tondick, este é meu nome, é incrível como minha família conseguiu carregar este sobrenome durante tanto tempo, não sei como eles conseguiram. Minha família é composta por pessoas fracas. Meu pai é um cretino que nunca está em casa, faz o tipo que visita a família aos fins de semana só para dizer aos amigos que esteve com o filho, e este é o fim de semana onde a empresa dele patrocina um encontro entre pais e filhos. Minha mãe insistiu para ir e ele acabou cedendo era a oportunidade dela não desmaiar sozinha em casa após uns dois litros de whisky.
Estávamos sentados no parque da empresa, era um lugar cheio de arvores e crianças correndo de um lado para outro, O encontro deste ano tinha um tema, “piquenique”.
Então a quantidade de toalhas xadrez vermelha e branca e cestas de piqueniques espalhadas pelo gramado abaixo de um sol quente era grande.
Sentei ao lado do meu pai tentando não o xingas por estar vestindo terno e gravata naquele dia de calor.
“Depois daqui eu quero falar com você”, disse ele quase que em um sussurro, muitas vezes o que mais falávamos era os nossos defeitos um para o outro.
Não suportava o fato dele fazer minha mãe sofrer e mesmo assim continuava ao seu lado, pois uma família é isso, temos os altos e baixos do dia.
Meu smartphone vibrou no bolso da calça jeans clara, tentei ignorar, mas o fato é: quando o smartphone da pessoa vibra com certeza é uma mensagem de alguém e ela precisa urgentemente ver essa mensagem, pois nos segundos seguintes eu só iria pensar naquilo. Desbloqueie a tela, era uma mensagem do banco. Abri e ela informava o total de saldo na minha conta bancaria. Olhei para o meu pai e ele fez cara de quem não sabia de nada. A mesma que faz quando chega tarde do escritório.
Não consegui pensar em nada a não ser a mensagem durante o piquenique. Depois que minha mãe sobriamente guardou as coisas na cesta de palha feitos artesanalmente, levantamos do gramado verde e meu pai começou a cumprimentar seus amigos do escritório. Era como um dia de folga para ele.
Estive fora da cidade por um tempo, tentando reorganizar meus pensamentos em questão ao amor. Me apaixonei por um garoto chamado L. Sulmen e ele encantadoramente roubou meu coração por um tempo. Me abstive da cidade para fotografar em Sam Diego como parte da segunda fase da prova do curso de fotografia. Por fim me formei como fotografo e voltei há três dias.
Sinto-me afastado dos meus amigos, nem avisei que voltei a Nova York. Y. e J. Oclen não me ligaram para saber como estava o que deu a entender que eles estavam ocupados demais para se preocupar comigo.
Agora a única coisa que queria era arrumar um emprego e parar de depender do dinheiro que meu pai conseguiu. Quero ser alguém por conta própria sem depender de um legado familiar.
Usei a tela do smartphone como espelho para ver o cabelo. Ele estava incrivelmente branco e dividido ao meio. Seguimos até o carro, enquanto esperávamos pela minha mãe que tentava se despedir de todas as suas “colegas de piquenique”, olhava pela janela do carro preto. O motorista que permanecia calado jogava um jogo no smartphone. Meu pai entrou no carro e sentou ao meu lado no banco de trás.
“S. Tondick, filho querido”, começou ele com a bajulação, “Eu tenho uma outra família agora”, o encarei imediatamente pasmo com tal informação, “e os amo da mesma forma que amo você, meu casamento com a sua mãe já está gasto e não existe nenhum tipo de amor entre nós dois, estou me divorciando dela, já dei entrada nos documentos” ...
“E por que está me contando isso, se é para ela que tem de dar explicações?”.
“Por que um dia terá de conhecer seu irmão, ele vai fazer aniversario em alguns dias e gostaria que você o conhecesse”.
Adquiri a informação de forma leviana.
“IRMÃO”, gritei dentro do carro, foi possível ver o motorista no banco da frente pular de susto, “não te pedi nada, o que fez foi trair a mamãe durante todos esses anos de casamento, você foi um cretino que sempre chegou embriagado das noitadas com seus amigos, e foi numa dessas que conheceu essa vagabunda com quem começou uma nova família”.
O desabafo foi como um frio na barriga, longo e ao mesmo tempo delicioso.
“Entendo que esteja assim, é muitas coisas para se dar conta, eu sei, mas estou disposto a te recompensar com tudo isso, fiz um deposito na sua conta bancaria de um milhão de dólares é parte da sua herança e quero que use para sua vida, abra uma agencia de fotografias e faça o que sempre sonhou”.
“Vou distribuir esse dinheiro aos pobres”.
“Eu acredito em você e sei que pode fazer o que for para ser feliz, eu te amo, filho”.
Virei o rosto para a janela e fixei o olhar numa arvore distante no parque. Fiquei em silencio até mesmo quando minha mãe entrou no carro e o motorista nos levou para nosso apartamento.

Entrei no meu quarto e tentei abafar o som da discussão de meus pais na sala com os fones de ouvido, que tocava Heaven... no fundo do meu coração eu sabia que não queria perde-lo, seria isso que iria acontecer, perderia o pai que nunca tive. O que é estranho perder quando nunca se teve.

Quando acordei o apartamento estava em silencio, levantei da cama e fiquei parado encarando-me de frente ao espelho. Que garoto fraco, pensei encarando o reflexo do garoto de cabelo branco. Eu posso, eu consigo.
Há muito tempo não citava essas palavras para mim mesmo. As considerava com um mantra para a vida, no ensino médio eu as repetia todos os dias de manhã para encarar os garotos que faziam bullying comigo na escola.
Minha vida seria a mesma sem um pai, a única coisa que seria diferente é que depois do divórcio minha mãe não precisaria ficar na sala até tarde da noite esperando ele chegar de onde estivesse.
Sai do quarto e a vi sentada no sofá encarando o nada.
“Como você está?”. Perguntei e assim vi que ela havia chorado, sua maquiagem estava borrada abaixo dos olhos e o batom estava todo espalhado em suas bochechas.
“Estou bem”, ela fez uma pausa, “acho que será bom para nós dois, eu assinei os papeis, fiquei com uma boa parte de tudo o que é dele. O apartamento, algumas casas e a mansão em um condomínio não muito longe daqui que nem sabia sobre sua existência, abri mão da minha porcentagem na empresa dele para você, então você tem quarenta e cinco por cento de tudo o que é dele”.
“Eu não ligo para isso, mãe”, ela se levantou e me abraçou.
Me desembaracei de teus braços e fui para o meu quarto.
A tela do meu smartphone estava brilhando e mostrava uma ligação perdida a trinta minutos.
L. Sulmen, a quanto tempo não falava com ele, a última coisa que me lembrava dele era seus lábios tocando os meus. Cliquei em RETORNAR LIGAÇÃO.
“Oi, você queria falar comigo, sou eu, S. Tondick”, escutava sua respiração do outro lado da linha, diga alguma coisa, por favor, pensei.
“Oi, queria te ver, você pode me encontrar agora”, ele parecia triste quando falava as palavras pausadamente.
“Posso”, disse rapidamente, pensei num lugar “Pode ser na Madison Square Park?”.
“Chego em vinte minutos”.

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