Now Or Never - O dia em que a Fortaleza parou

O dia em que a fortaleza parou
Meus dias não foram bons depois daquele, o Natal passou como se fosse um dia normal, mesmo que a ceia servida pelo Palácio parecia estar ótima como em um banquete farto e elegante não consegui me portar como o meu eu normal. Fiquei acuado de lado com olhar pensativo enquanto Selena conversava com as outras damas, meus pensamentos estavam voltados a Senhora Alba.
Me perguntava se seu outro filho havia voltado em segurança, como ela estava depois de três dias do acontecido. O luto de uma mãe é eterno.
Fiquei calado por muito tempo e isso me deu a oportunidade de pensar e repensar sobre os fatos ocorridos.
Não estava feliz com a minha nova realidade, antes de convocado para servir ao país estava feliz e sorria para as pessoas não por obrigação como faço agora, mas sim por prazer de poder sorrir.
Mas tudo mudou quando me comprometi a seguir um novo caminho cheio de obstáculos e espinhos. Alguns espinhos cravam tão fundo em sua pele que é capaz de permitir que suas memorias te arruíne. E com isso você entra em seu próprio ápice de loucura extrema se questionando de seus próprios princípios de vida.
É muito mais doloroso os nossos pensamentos do que o que ouvimos da boca dos outros.
Deixando o dia de Natal para trás, passei a observar Selena me questionando sobre o motivo dela ter falado aquelas coisas para o Fuzileiro, insinuando algo que podia muito bem me levar a forca.
A forca.
Ainda me lembrava daquela cena.
Observava Selena brincando com o nosso filho enquanto cozinhava. Ela era tão graciosa em seus movimentos lentos olhando a criança e mexendo com a colher o tempero dentro da panela.
Até mesmo quando sentamos a mesa e ela falava de seu dia com o nosso filho, ficava em silencio ouvindo sua voz imaginando os motivos e os porquês dela olhar estranho para Theo que estava sentado do outro lado da mesa comendo sem prestar atenção.
Acho que isso ainda o preocupa, mesmo que ele não demonstre nitidamente consigo perceber que ele também está atento com o que fala ou faz perto de Selena. Ele me disse que o Fuzileiro lhe aconselhou a ficar quieto sem dar muitas informações a Selena, mas ele só tem ficado trancado dentro do quarto com a desculpa de ter de descansar.
“Selena”, disse chamando a atenção dela que balançava um chocalho na frente do garotinho, Selena me olhou imediatamente surpresa por ter dito a primeira palavra daquele dia bem na hora do jantar, “eu quero o divórcio”.
Coloquei o guardanapo em cima da mesa e me levantei, deu para ver Theo se engasgando antes de eu sair do cômodo e depois ir para a rua. Ele parecia tão chocado quanto ela que ficou paralisada.
Fechei a porta atrás de mim e continuei andando até a frente da casa, como eu odiava aquela casa, não me cabia o ódio que sentia por aquele lugar.
O smart vibrou dentro do meu bolso e eu peguei o pequeno pedaço de vidro que brilhava na ponta de meus dedos. Olhei para trás e Theo saia da casa olhando para o seu smart.
“Uma convocação”, ele disse se aproximando, “mas que conveniente, não é mesmo?”.
“Eu ia ir para um abrigo, mas acho que não será preciso”
“Você não precisa trata-la desta forma”, começou Theo se colocando do meu lado como se quisesse falar mais próximo do que já estava, “acho que pedir o divórcio sem lhe dar uma chance é uma coisa muito precipitada a se fazer”.
Eu o encarei no canto dos olhos e ele olhava para o horizonte como se conseguisse ver através dos muros, através da parte cinza da Fortaleza.
“Mas eu vou lhe dizer o motivo, é a falta de confiança, não posso confiar em alguém que certamente me colocaria em uma forca ou cortaria minha cabeça em uma guilhotina”, Theo me encarou com seus olhos assustados, “ela vai saber exatamente do que estou falando”.
“Se é essa a sua escolha”, ele fez uma pausa e virou para voltar para dentro da casa, “vamos, temos de nos preparar para amanhã”.

Não parecia ser algo grandioso, uma pequena missão talvez. Se fosse como a anterior o Fuzileiro teria nos avisado com antecedência na festa por exemplo. Mas estava preparado para o que viesse, certamente sentiria falta do meu pequenino e um pouco de Selena mesmo que ainda havia raiva dentro de mim.
Ela não saiu do quarto naquela manhã, Theo preparou o café da manhã surpreendendo-me quando cheguei a cozinha. Ele disse que sempre morou só e que sabia fazer muitas coisas, já eu, sempre tive cozinheiras e uma mulher que fazia de tudo.
Comemos rápido e caminhamos uniformizados até o palácio.
Nossos uniformes eram de um camuflado branco dos pés à cabeça, fácil para se sujar com apenas o vento, os sapatos de bico de ferro eram pesados e apertados.
Theo falava baixo sobre sentir saudades de Marcos e que era bom ter alguém para falar sobre isso, tentava não me perder em meus próprios pensamentos para ouvi-lo com clareza. E ele se silenciou quando nos aproximamos do grupo de soldados que esperavam para entrar no Palácio.
Que era um prédio de uns três andares sem janelas, duas colunas firmavam a estrutura da faixada dourada e reluzente. A porta grade de carvalho escuro estava fechada por dentro e o sol que batia nos uniformes brancos parecia estar mais quente naquele dia mesmo que aquela época do ano não fosse apropriada para dias calorentos.
“Um amigo me disse que seremos enviados amanhã para a Itália”, comentou um Soldado com um outro que estava ao seu lado, não pude deixar de ouvir.
“Ai está o meu Salvador”, era Ed se aproximando um sorriso largo no rosto, eu assenti mesmo que não concordasse com o título, “todos fomos convocados, não ficará nenhum soldado aqui na Fortaleza”.
“Seja o que for, deve ser algo grandioso para uma convocação geral”, disse Theo apertando a mão de Ed com toda masculinidade possível que havia dentro dele.
A porta grande de carvalho escuro se abriu e os homens começaram a entrar em uma fila organizada. Nunca estive no Palácio, mas Theo me contou que era como uma igreja católica. E pude ter certeza quando passei pelo quarto branco como nossos uniformes e passei para o salão maior.
Não era possível ver a dimensão daquele lugar do lado de fora como se via do lado de dentro, os afrescos eram magníficos, imagens bíblicas se multiplicavam pelo teto e desciam como ladrilhos nas paredes. O vidro iluminado fantasiava o lugar fazendo-se acreditar que existia janelas altas que iluminasse o lugar por completo. O chão era tomado por um carpete ornamental que se estendia até o púlpito com uma cruz de ouro em seu centro.
O palácio era uma verdadeira igreja em seu lado interno. Os dois cantos do fundo eram redondos e mais altos como se ali formasse-se torres simétricas. Mas quem olhasse do lado de fora com certeza diria que não havia torre alguma.
Nos acomodamos na quinta fileira de bancos, Theo sentou-se de um lado de Ed do outro, os dois balançavam as pernas deixando bem claro o nervosismo e estresse.
Subiu ao púlpito cinco homens com uniformes com assessórios personalizados. Eles eram os comandantes e usavam um broxe com o formato da insígnia da Fortaleza no lado esquerdo do peito.
O Fuzileiro estava entre eles olhando para frente como se estivesse procurando por algo no meio de tantos homens vestidos iguais.
“Soldados”. Todos se levantaram ao ouvir a voz do General Bohn que se colocou à frente do microfone no pedestal, “Convoquei todos vocês aqui para informar que a França se alinhou com a Itália e colocaram em linha de frente seus exércitos contra a Nova Ordem”, meu corpo gelou, desde o início especulava-se que a França era portadora do maior exército tributário do mundo e que se eles estivessem do nosso lado ninguém podia nos derrubar. “Enviaremos todos os nossos soldados para contra-atacar essa retaliação do tratado assinado pelos dois países rebeldes”.
“Soldados”, começou o outro General Hamultzes, “Em meio de tal situação, nomeamos um novo General a pedido da Nova Ordem”. Ele fez uma pausa e o Fuzileiro deu um passo à frente ficando ao seu lado, “O General Mazart irá se juntar a nós nesta linha de frente contra os países rebeldes”, ele se virou e sussurrou algo no ouvido do Fuzileiro e negou com a cabeça, “Estejam prontos para formarem os grupos ás quinze horas, partiremos depois das instruções”. Finalizou o General Hamultzes.
Uma guerra entre os maiores e mais fortes países era tudo o que a Nova Ordem não precisava, abrir fogo contra eles acarretaria em uma possível continuação da Terceira Guerra Mundial que todos clamaram por ter acabado.
Meus passos estavam firmados em novos caminhos e sem Selena para pensar, estaria longe em apenas algumas horas e tudo o que se passava na minha cabeça era a raiva súbita que sentia pela mulher que já amei.
“Espero que gostem, coloquei o nome de vocês na minha equipe”, disse o General Mazart com um sorriso no rosto enquanto olhava diretamente nos olhos brilhantes de Theo, “disse que vocês fariam da equipe algo melhor se estivessem juntos e o comissário aprovou”.
“Fico feliz que tenha se tornado General, Senhor”, comentou Theo tentando se conter mesmo que por dentro ele estivesse saltitando de vontade de agarrar o Fuzileiro e beija-lo na frente de todos. Talvez ele até imaginasse essa cena acontecendo em sua cabeça pequena.
“Temos de ir, Theo”. Eu o chamei antes que o fizesse.
Ele concordou com a cabeça sem tirar os olhos de Marcus e o puxei pelo braço para me seguir. Seguimos pela rua em direção a minha casa, lembro de ter deixado Selena na cama mesmo sem toca-la, lembro de ter dado um beijo na testa do meu filho que estava deitado no berço antes de partir. Mas agora precisava encarar os fatos de que deveria, sem dúvidas, falar cara a cara com Selena e tirar tudo aquilo que pesava em meu peito.
Theo me seguiu tagarelando sobre como quase caiu na tentação de se entregar aos braços do Fuzileiro, pelo menos, tive a certeza de que não era coisa da minha cabeça.
“Theo”, comecei olhando para ele assim que pisamos na entrado do jardim da minha casa, “você pode esperar um pouco? Vou conversar com a Selena.
Theo assentiu concordando com a cabeça e parou imediatamente na varanda. Empurrei a porta com a ponta dos dedos e vi Selena sentada no sofá olhando para o nada na parede.
Eu a chamava de ‘céu’ antes de tudo aquilo acontecer, eu a tratava como minha rainha, como o meu porto seguro antes de ter o nosso filho. Ainda sentia tudo aquilo, ainda a queria por perto por que ela foi a única família que me restou.
Estive preso ao meu passado, preso aos meus pensamentos por tanto tempo que não tinha percebido que todas aquelas lembranças do passado não passariam de lembranças e que estava perdendo o meu maravilhoso, mas nem tanto, presente.
“Céu”, disse me aproximando depois de fechar a porta, “quero conversar com você”, ela abaixou a cabeça e me deu espaço para que sentasse ao seu lado, eu o fiz e olhei em seus olhos, “desculpe-me, não queria dizer aquilo, não mesmo”.
“Tudo bem”.
“Não, não está tudo bem, Selena você quase mandou um homem inocente para a forca por causa de ciúmes, foi por isso que disse aquilo, não mereço ser enforcado, nem o Theo merece isso”.
“Então você sabia, esse tempo todo, por isso não falava comigo, por isso não me tocou desde que chegou”.
Ela me encarou com seus olhos molhados prestes a se derramar em lagrimas.
“O que você não sabia quando fez o que fez, é que Marcus é meu amigo e mais amigo do Theo”, ela me encarou surpresa e balançou a cabeça em negação como se não estivesse acreditando no que estava falando, “imagine se nós já sofremos quando não podíamos namorar, seu pai nunca me aceitou, Selena, e você sabe disso, nos casamos escondidos”.
“Eu sinto muito”, ela começou a chorar.
“Eles têm seus próprios dilemas, Céu, eles não podem assumir o romance deles para o mundo por causa de uma lei vigorosa que os punem por amar. Olhe ao nosso redor, não podemos amar”.
Selena caiu em meus braços me apertando firme contra o seu corpo quente.
“Me perdoe, querido, eu juro que não era isso que eu queria”. Ela me soltou e me olhou nos olhos, “Não me perdoaria se alguma coisa acontecesse com os seus amigos”.
“Daniel”, escutei o grito de Theo vindo de fora. Junto ao grito senti o chão tremer. O eco de uma explosão distante fez meu coração acelerar. Temi por nossas vidas.
Corri o mais rápido que pude abrindo a porta e olhando para o céu que era rasgado por um avião de artilharia que sobrevoava baixo como se estivessem observando todo o perímetro.
“Esse não é um avião da nossa frota, Theo”, disse ainda encarando o céu nublado.
Logo a sirene soou alto dos muros, a sirene só podia significar uma coisa.
Estávamos sob ataque.

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