Correntes Secretas - Oculto


Oculto

Abri meus olhos e ele ainda estava ali, esse tempo todo me observando dormir com os seus olhos atentos. Lúcio sorriu ao me ver acordando.
Ele estava usando uma regata branca, ainda como na noite anterior, o cabelo bagunçado e os olhos profundos como os de uma noite mal dormida.
– Você é um fofo dormindo – ele disse fazendo-me corar de vergonha.
Me arrumei de forma que me apoiasse no cotovelo, ele fez o mesmo ainda me encarando.
– Você ficou me olhando dormir? – Ele concordou com a cabeça e aquele sorriso de canto de boca novamente surgiu me desconcertando – Não faz isso.
– Não faz o que? – Ele disse baixo, quase como um sussurro – Não estou fazendo nada de errado, me segurei esse tempo todo, Fábio, ainda me seguro para não acabar o que começamos naquele dia.
Corei novamente, me lembrava daquele dia, foi completamente intenso, mas este não era o meu foco.
– Não estou com cabeça para isso, na verdade – Lúcio pegou a minha mão e a puxou para debaixo do lençol, ele colocou minha mão em cima do volume de sua calça moletom fazendo-me sentir sua ereção, isso fez com que eu me calasse.
– Eu quero. Você quer. Qual é o problema? – Ele disse ainda em um tom de voz baixo, como se me seduzisse com o mover de seus lábios.
Puxei minha mão para onde eu pudesse vê-las.
– Não quero – disse convicto – te chamei apenas para passar a noite, se não consegue se controlar, por favor, vá embora.
– E eu passei a noite toda com você, te observando e nem reclamei quando começou a roncar – ele sorriu de canto de lábio – mas você é como um imã, você me puxa para perto – ele se aproximou um pouco mais colocando seu corpo em cima do meu, deitando-me com a cabeça no travesseiro enquanto seus lábios quase tocando os meus – você me enlouquece.
E não posso negar, queria tanto aquilo quando queria da última vez em que quase aconteceu, mas devo manter um foco.
– Obrigado por passar a noite aqui.
– Posso te beijar? – Ele perguntou olhando nos meus olhos, talvez ele nem precisasse de permissão já que nossos lábios estavam tão próximos que podia sentia a macieis da pele dele.
– Não – Sorri me esquivando para o lado levantando da cama deixando ele com aquela grande ereção que ficou encostada na minha perna por um tempo.
– Você me deixa louco – ele arremessou um travesseiro na minha direção e se jogou para trás – por que você é tão fofo?
Sorri um pouco envergonhado. Não entendia isso, poderia apenas ter deixado acontecer, deixar ele me tocar, me beijar, fazer o que quisesse e depois dizer boa noite e cada um seguia para o seu lado.
Mas sinto que não sou assim, prefiro me guardar um pouco mais e quando for para acontecer tenho certeza de que será o melhor momento que poderia ter sido.
– Controle-se – indago caminhando em direção ao banheiro, parei na frente do espelho e digo rápido para que não há controversas – vou a Seita nesta noite.
– Você não pode isso – Lúcio diz surgindo e me assustando – depois do que você fez – ele colocou a máscara prateada em cima da bancada de mármore branco – eles não vão deixar barato.
– Preciso ir, vou negociar você – disse e imediatamente vi os olhos de Lúcio murcharem – eles estão te tratando com um bem.
– Por que é isso que eu sou, Fábio... – ele revirou os olhou e abaixou a ponta de sua calça moletom mostrando-me uma parte de sua marca - ... fui marcado, não tem mais volta. Sabe de uma coisa, isso aqui é só um passeio para mim.
Ele subiu a calça novamente e me olhou nos olhos.
– Não diga isso, não posso ouvir isso de você – me aproximei e segurei seu rosto com uma das mãos – não de você.
– Há qualquer momento alguém entra aqui e me pega a força e ninguém vai poder fazer nada, nem mesmo você.
Lúcio segurou minha mão em seu rosto e beijou delicadamente, ele soltou minha mão e saiu do banheiro, encarei meu reflexo e ouvi a porta do quarto bater com a sua saída.
Á quem estávamos enganando, se a Seita era isso mesmo, eles realmente poderiam entrar há qualquer momento e leva-lo de volta.
Alguns minutos no banheiro, perdido em meus pensamentos e devaneios e estava pronto para voltar à rotina, desci a escada tia Ingrid estava sentada na poltrona se aquecendo nas chamas da lareira.
– Esfriou nesta noite – ela disse ao olhar para trás e me ver – estou bem, nem precisa perguntar, mas pelo jeito você não. Está de pé antes das oito horas.
Bufei com o sarcasmo dela.
– Toma café da manhã comigo? – Perguntei e ela se levantou me seguindo até o jardim dos fundos.
A mesa estava posta embaixo de um grande sombreiro, Jeferson se aproximou assim que nos sentamos.
– Estou apenas acompanhando – disse Tia Ingrid ao ver que Jeferson a serviria um copo de suco de laranja.
O deixei me servir e vi que Lúcio se aproximava usando um calção de banho com estampa florida e uma regata azul. Seu cabelo estava penteado e ele com um sorriso carismático no rosto.
– Bom dia – disse ao se sentar à mesa – por favor, Jeferson, pode deixar que me sirvo – ele pediu ao ver Jeferson se aproximar.
– Que bom vê-lo nesta manhã, Lúcio – Tia Ingrid era intragável com o seu tom notável de ironia e arrogância, tudo de uma vez só.
– Bom dia, Fábio – disse Lúcio sem olhar para mim enquanto despejava xarope em cima de duas panquecas em seu prato.
– Para que a formalidade, se vocês passaram a noite juntos.
Olhei com os olhos arregalados para Tia Ingrid e Lúcio estremeceu na cadeira. Vi seu rosto corar de vergonha da mesma forma que ele evitava ver o meu fazer o mesmo.
– Por favor, Tia Ingrid – implorei em voz baixa.
– O que foi? Pensei que não era segredo para ninguém, já que vocês se pegam na frente dos empregados.
Lúcio bateu a mão na mesa e se levantou.
– Desculpe-me, mas não dá, entendo que não goste de mim...
– Senta aí garoto e cale a boca – isso fez com que Lúcio se calasse imediatamente, ele sentou-se e ficou encarando a panqueca com calda brilhante em silencio – pouco me importa a relação de vocês, só quero proteger o Fábio.
– Não é dele que tenho medo – Tia Ingrid me calou com seu olhar.
– Sei de onde você fugiu, sei de tudo o que passou e sei bem quem está correndo e movendo tudo o que pode para tê-lo de volta, e isso só significa uma coisa, você é muito especial para ela.
Lúcio expirou fundo ainda olhando para suas panquecas.
– Não sei como fazer a pessoa sofrer o inferno na terra a faz se sentir especial.
– Tenho uma ideia do que você pode ser para ela – Tia Ingrid olhou bem para Lúcio – vamos, coma, e esqueça o que disse, você é bem-vindo para ficar.
Tia Ingrid levantou-se e entrou para dentro.
– O que foi isso? – Perguntou Lúcio se inclinando para frente com os olhos espantados.
– Isso eu não sei, mas sei de alguém que está fazendo fofocas para ela – olhei diretamente para Jeferson que ficou desconfortável, ele sabia exatamente do que o que estava falando – espero que não se repita.
– Tem um motivo pelo qual Iris Gabriela não entra aqui para me tomar de volta – Lúcio sorriu com malicia – sua tia, ela sabe de muitas coisas, ela só não quer falar, mas ela sabe. Tenho certeza de que ele guarda muitos segredos.
Lúcio tinha razão. Tia Ingrid era o verdadeiro motivo de estarmos seguros e ela poderia me ajudar a continuar assim e tirar ele dessa maldição que carrega.
Na tarde daquele dia, logo após o almoço sem alfinetadas segui Tia Ingrid até seu escritório ao lado da biblioteca, bati duas vezes na porta e esperei que ela desse permissão para minha entrada.
Ela o fez e eu entrei fechando a porta pesada de madeira atrás de mim.
– Precisa de alguma coisa? – Ela perguntou enquanto folheava alguns papeis sentada a sua mesa, sem tirar os olhos deles.
– Respostas – ela me olhou e sorriu como se caçoasse de mim – talvez possa me dar...
– Talvez não.
Caminhei em sua direção e sentei na cadeira de veludo a sua frente.
– Quero saber um pouco sobre a Seita, e sei que você sabe sobre o assunto – ela voltou a encarar as pequenas letras impressas no papel cartão.
Fiquei em silencio esperando que ela dissesse algo, mas ela só ficava folheando os papeis, fazendo anotações a caneta, algumas vezes até fazia breves anotações em um bloco de notas amarelinho.
– É só isso? – Ela perguntou.
– Você não me disse nada... só ficou aí calada trabalhando – argumentei com raiva.
– E você quer que eu faça o que? O que sei sobre a Seita é o que você já sabe – fiquei em silencio encarando-a então cruzei os braços como se dissesse que não sairia dali tão cedo – tudo bem, conheço esse olhar. Por onde quer começar?
– Por onde quiser – afirmei ainda estar interessado.
Embora na minha cabeça, que trabalhava de forma rápida e astuta, já tivesse preparado mil perguntas e extensas outras perguntas.
– Iris Gabriela é a fundadora dessa Seleção Secreta, este é a nome verdadeiro da Seita...
A Seleção Secreta nasceu de uma ideia de negócios, onde ela dirigiria secretamente uma casa para homens e mulheres, onde eles pudessem ser o que eles quisessem ser. Começou com um seleto grupo de assessores e investidores. Dois anos foi o que demorou até chegar um convite para o Senhor Laguna, seu Avô, ele se tornou um cliente licito e um alto investidor também, todos os jovens garotos que entravam passavam por ele primeiro. E isso é uma verdadeira vergonha para família. Ter um predador sexual, pedófilo e agressor na família é uma extrema vergonha. Até seu pai tomar o controle das Fabricas, Escritórios e Prédios Laguna. Logo quando você chegou na família. Meu querido irmão se tornou um homem naquele momento. Em meio aos papeis ele encontrou os documentos de posse de uma mansão, todos com o título de S.E.D.E. Foi investigando que ele acabou entrando em uma das noites dermáticas do que eles chamam de Desejos. Ele ficou transtornada, enojado por te visto tudo aquilo, e vocês se mudaram daqui, foram para longe.
Meu faleceu e finalmente o seu pai pode acabar com tudo aquilo, foi quando ouve o desmembramento, as empresas foram separadas e seguiram sem nenhum vínculo, um ano depois o acidente de carro. Nada tira da minha cabeça que Iris Gabriela foi a responsável sobre aquilo. Mas tenho que manter as aparências, não posso simplesmente acusa-la ou ataca-la publicamente, devo me controlar.
– ... por isso é estritamente perigoso manter distância dessa mulher. Tenho medo do que ela pode fazer.
– Você sabe como que é lá dentro?
– Não – ela olhou para a porta que se abriu revelando Lúcio que entrou de cabeça baixa.
– Eu sei – ele se aproximou e sentou-se ao meu lado – desculpa ter escutado atrás da porta, mas vocês estavam falando sobre algo que eu entendo.
– Você não tem que fazer isso, Lúcio – disse Tia Ingrid olhando nos olhos dele – só temos que arrumar um jeito de tirar você daqui, e sumir por um tempo.
– Não vou ficar fugindo eternamente...
Na Seita vivia fugindo, dos brutamontes, era assim que chamávamos os guardas. Eles abusavam de todos, como o seu poder de tortura, não precisava nem ser físico, eles podiam apenas proibir de servir alguma refeição ou todas durante a semana. Ninguém saberia. Quando entrei fui mantido em uma sela, sendo alimentado com ração, como um cachorro, depois fui levado ao tatuador e quando acordei já estava marcado. Banho de mangueira era constante, durante o dia deveríamos descansar para a noite estarmos dispostos. Os primeiros meses fui colocado em gaiolas que ficam penduradas no teto, tinha que dançar e sensualizar se a minha gaiola descesse tinha que atender o desejo de quem me solicitou. Já fui espancado, queimado por vela, teve um que só queria conversar e aquela foi a minha melhor noite ali. Éramos divididos em classes, A, B e C. estava sempre na B, nunca na A. meus benefícios eram banho de sol por duas horas no dia, uma refeição a mais e poder escolher o meu posto dentro da mansão. Preferia sempre estar perto da escada, pois ali ficava os melhores, aqueles que eram rápidos e sem esquisitice, atendia de sete a dez desejos por noite. Mas sabia que no dia seguinte teria a minha refeição melhor, uma cama para dormir. O medo é o que toma conta daquele lugar, todos têm medo, perdi a conta de quantas pessoas vi morrer, Iris Gabriela acenou cabeça para atirar um novato e ele caiu aos meus pés, do alto aos meus pés. Isso era de longe o melhor que podia acontecer a qualquer um que estivesse ali. Quantas vezes implorei mentalmente para morrer, mas um jovem muito altruísta me incentivou a fugir e buscar por ajuda...
– Por isso não posso fugir, prometi que ajudaria tirar todos eles de lá, ela não pode ter controle para sempre.
– Não ela não pode – disse com os olhos escorrendo lagrimas.
Lúcio também chorou e quando olhei para minha tia vi que ela também estava emocionada.
– Não sei o quanto sou especial para Iris Gabriela, mas quero vê-la morta.
Tia Ingrid pegou um lenço de papel de dentro da gaveta de sua mesa e limpou o rosto lacrimejado.
– Eu vou te ajudar – ela disse finalmente – isso chegou até aqui por causa do meu pai, ninguém mais queria investir na ideia maluca de Iris Gabriela, ainda mais quando ela decidiu proibir a entrada das mulheres. Minha família tem uma dívida com todos os jovens como você que passaram por lá.
– Iris Gabriela é a culpada e ela aí pagar de alguma forma ela vai.

***

Já estava decidido, tinha que fazer isso, com a ajuda e a discrição de Jeferson, sai da mansão Laguna entre os arbustos da entrada secundaria, fiz ele prometer segredo sobre iriamos fazer e ele prometeu por sua vida. Talvez ele estivesse com mais medo ou curioso do que eu. Seguimos pela estrada em direção ao endereço escrito no envelope que recebi, Jeferson dirigia o carro com os faróis baixos pela estrada de terra escura.
De longe consegui ver a reluzente e iluminada mansão da Seleção Secreta, ou a Seita.
– Pare um pouco antes – Jeferson o fez estacionando o carro poucos metros antes da entrada onde dois guardas cuidavam do portão de ferro alto.
– O Senhor tem certeza de que vai fazer isso?
– Sim, Jeferson, e preciso que cumpra com a sua parte, espere aqui até que eu saia.
– Mas e se o Senhor demorar?
– Você vai saber se algo acontecer, a mansão vai estar pegando fogo, muita correria e gritos – olhei pela janela novamente – tem certeza de que o lugar é esse?
– Sim, é o que está no convite.
Abri a porta do carro e desci batendo a mão no sobretudo preto que vestia, embaixo dele um terno Oxford preto.
Expirei e inspirei, repeti isso umas quatro vezes e segui em direção ao portão de ferro preto. Assim que os dois guardas me viram pararam na minha frente.
– Senha? – Perguntou o guarda de barba desenhada e grisalha enquanto o outro me fitava dos pés à cabeça.
– Oculto – disse a senha em voz alta e eles abriram espaço para que eu passasse.
O portão de ferro preto se abriu assim que me coloquei diante dele e eu provavelmente não estava pronto para o fosso ver lá dentro.
Mas continuei em frente pelo caminho de pedras, tinha um foco, só tinha que manter o meu foco.

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