Now Or Never - Salvação não é para todos


Salvação não é para todos
Olhei em direção a casa de faixada verde, a casa que eu odiava. Olhei para o céu escuro e vi mais dois aviões sobrevoando sobre nossas cabeças e foi em segundos que tudo em seguida aconteceu.
Dei dois passos, estava quase na varanda com deque de madeira quando o telhado afundou estraçalhando a porta de entrada. Fui arremessado com a explosão. Quando cai no chão senti meu corpo formigar como se toda a circulação do meu sangue parasse. Minha visão estava turva, quase sem enxergar lutei com a fraqueza momentânea para levantar, mas foi com a ajuda de Theo que eu consegui.
Me vi sendo arrastado do jardim da casa para o asfalto. Via as chamas tomar  conta da madeira. Senti uma dor inestimável, a vontade descontrolada de chorar e tentei correr, mas meu corpo ainda não me obedecia.
Foi quando a casa se pôs abaixo sendo mais uma vez atingida. Havia muitos homens correndo de seus jardins, via apenas vultos, mas era possível identificar os borrões brancos correndo pela rua.
Theo mais uma vez me fez ficar de pé. Ele me guiou até a esquina, minha visão estava voltando, e eu estava quase cem por cento, quando cai ao lado de um corpo.
Voltei a escutar o que acontecia a minha volta, ouvia a ordem de Theo para que eu me levantasse, ou os gritos, o desespero nas vozes. Haviam crianças no portão alto que separava nós da parte cinza da fortaleza. Eu vi uma mulher clamar pela vida.
E a vi sendo atingida pelo avião que sobrevoava com sua metralhadora de guerra atingindo a todos abaixo dele.
Meu corpo passou a responder meus comandos neste momento então me coloquei de pé e peguei a arma laser que o soldado morto segurava em uma das mãos.
Não pensei duas vezes, apenas sai atirando para cima tentando acertar os inimigos aéreos. Theo também resgatou uma arma do chão e começou a fazer o mesmo enquanto corríamos em direção ao litoral norte, sabíamos que lá era o ponto de evacuação.
Não vou mentir, nós conseguimos, mas eu queria não ter conseguido, queria não ter que passar pelo o que passei depois daquilo.

Duas semanas depois

Hoje faz duas semanas que fomos invadidos, perdemos familiares e fomos resgatados por submarinos.
Duas semanas sem ter notícias de sobreviventes, eu só queria saber sobre a minha esposa e meu filho. Já Theo que parece ter passado pelo luto só quer saber aonde Marcus está.
Agora sento na cadeira almofadada em uma sala escondida em uma cidade cromada subterrânea. Foi estranho ser recebido por um povo do qual nunca ouvimos falar. Havia um pouco de todas as nacionalidades naquele lugar, as leis constituintes eram as mesmas, mas o lugar todo era diferente.
As paredes e o céu em um único tom brilhando em cromado, como se estivéssemos sidos embalados em um papel alumínio, não sabíamos exatamente a nossa posição no mapa mundial, porem ali embaixo era frio, o ar que passava pelos tubos de ventilação era frio. Tudo era tão mórbido.
A única parede simetricamente reta era a única entrada e saída daquele lugar. Até o que sabíamos, um lugar comandado pelo Major Superior Jon’s Kenner, o qual nunca havia visto.
A não ser pela aquela noite, onde os refugiados foram convocados para uma assembleia pela primeira vez.
Um homem arranhou a garganta na frente do microfone, a acústica do lugar arredondado fazia com que tudo ali fosse falado fosse ampliado.
O teto era como ondas prateadas em nossas cabeças, como uma grossa camada de aço maciço. Uma bela estrutura aos meus olhos. Todos os olhos fixaram no homem de uniforme vermelho e o silencio alinhou-se por completo.
“Boa noite, Senhores da Região 2”, era assim que éramos chamados, “é uma honra tê-los aqui, baseando-se na Bíblia Sagrada um sábio homem certa vez disse: ‘ajudai-vos para que colha bons frutos’, e é isso que buscamos, colher bons frutos”.
O homem falante era alto e magro como se passasse horas em um jejum religioso, ele falava como se não precisasse respirar, com uma indolência de sabedoria, parecia não olhar para nenhum de nós.
Olhei para Theo que parecia estar hipnotizado pelo homem a sete fileira de cadeira a nossa frente.
“Darei a palavra ao Major Superior Jon’s Kenner”. Um jovem vestido da mesma forma se aproximou rapidamente e disse algo no ouvido do homem que sorriu e voltou ao microfone. “Eu sinto muito, mas quem vai recebe-los será Gabriel Kenner”.
Gabriel Kenner, esse era o nome do jovem com postura de um superior, com o cabelo levemente jogado para trás ele deu um passo à frente e segurou com suas mãos largas o microfone no pedestal.
“Olá, meu nome é Gabriel Kenner, agradeço a todos por virem aqui nesta noite, está é uma assembleia de conhecimento de todos, e tudo aqui dito está sentando transcrito aos autos do palácio”, ele fez uma pausa e varreu o salão com um olhar atento como se buscasse entre nós as palavras que devia dizer, “Quero que se sintam bem vindos a Região 4, saibam que a partir desta noite serão encaminhados para sua residência, peço perdão pela demora, mas também fomos pegos de surpresa ao recebe-los”, ele fez mais uma pausa e continuou, “Foram selecionando cem soldados da Região 2 para começar os trabalhos nesta fortaleza. Agradeço desde já a colaboração de todos, e assim que haver novos trabalhos serão informados”.
A Gabriel foi entregue envelope vermelho, dado por um soldado de uniforme cinza.
“Obrigado, Ezra”, Gabriel assentiu, “Antes de ler os nomes selecionados tenho de lhe trazer más notícias, contatos externos informaram-nos nesta manhã que a Região 2 foi extinta, sem nenhum sobrevivente restante”.
Meu coração pesou no peito, o ar faltou em meus pulmões. Palavras nunca tiveram um significado tão mordaz como naquele momento.
Ainda havia esperança, era a única coisa que me restava, mas com este anuncio repentino toda ela se foi. Eu só podia esperar que a imagem de Selena e de meu filho desaparecesse das minhas memorias com o tempo.
Como doí perder, poderia eu estar me sentindo como a mulher atingida por cinco tiros nas costas implorando para que salvassem o filho nos portões da fortaleza.
“Soldado Braska”, Theo se levantou, já estavam fazendo a chamada, era estranho ser condecorado com uma função em um momento como aquele, mas depois de uns minutos ouvi meu nome e tive de seguir como se em meu coração não houvesse nada além da vontade de chorar.
“Soldado Endlen”.
Caminhando pelo corredor entre os bancos, em direção a uma pequena porta na lateral do palco olhei a minha volta, havia muitos homens em luto, tendo o direito de chorar pela perca arrancados de si.
É doloroso ter algo arrancado de si, ainda mais algo que é teu por direito. Eu consegui segurar as lagrimas e eu vi que todos outros também. Estávamos ali por ter sido fortes, estávamos ali por que não fomos fortes o suficiente para desistir há duas semanas atrás.
É uma lastima a salvação não ser para todos, é lamentável ter que seguir em frente com o rosto sem expressão alguma de dor, sem poder transparecer a dor.
Por um outro homem de uniforme branco como o que eu vestia me foi entregue um crachá com o meu sobrenome, ele assentiu e colocou a mão no peito, aquilo significava que ele lamentava a minha perda. Engoli seco o que quer que fosse acontecer, acredito que as lagrimas secaram em meus olhos antes mesmo de deixa-las escorrerem pelo meu rosto.
Em uma fila alinhada eu e os outros noventa e nove homens voltamos a caminhar pelo corredor cromado até chegarmos a uma sala e em um ritmo organizado ficamos em fileiras todos olhando para a bandeira da fortaleza, nas cores vermelha e branca, onde duas linhas em zig zag se cruzavam no centro dividindo a forma do continente.
Essa sala era diferente, o chão era de madeira, e o ar a nossa volta era mais quente, em sua lateral esquerda se estendia uma escada para um segundo andar, um púlpito no canto e uma cruz dourada, foi o único objeto que vi dourado até aquele momento.
Então um homem, chamado Ezra, entrou usando seu uniforme vermelho, destacando-se entre nos. Ele nos fitou com seus olhos atentos, como se buscasse alguém entre esses sobreviventes.
“Olá, Soldados”. Ele assentiu com a cabeça em forma de um cumprimento e neste exato momento outros cincos sargentos de uniformes verdes surgiram no alto da escada e se aproximaram de Ezra. “Meu nome é Ezra Gurkin, sou Marechal do Exército desta Fortaleza, é importante vocês serem informados que todos nesta sala foram elevados a Sargento”. Ele fez mais uma pausa e olhou para os cinco homens parador em fila parados, e continuou, “esses homens assim como vocês foram acolhidos pela nossa região, se alguém tiver dúvidas sobre as novas moradias ou algo do tipo, eles foram instruídos a ajudar a vocês, fora devo dizer que sinto muito por suas perdas, e é uma pena que a salvação não seja para todos, mas que vocês tenham um ótimo recomeço”.
O Marechal Ezra Gurkin saiu como se estivesse animado para algo, muitos dos sargentos foram fazer perguntas sobre a Fortaleza, mas eu e Theo apenas ignoramos e seguimos até o posto de distribuição das residências, fui resignado a dividir a residência com outro sargento, depois de uma longa conversa consegui convencer a ser trocado de lugar para que ficasse com Theo que ajudou com os termos estabelecidos.
Eu não queria morar com um estranho. Mas como   o próprio Marechal disse, este é um recomeço.


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