Correntes Secretas - Culpado

Culpado

– Eu sei que o Senhor ainda está muito abalado, mas eu preciso fazer algumas perguntas, tudo bem – eu assenti concordando com a cabeça, o frio ainda percorria por entre minhas veias – um dos empregados da casa disse que mais cedo você teve uma discussão com o...
– Sim, foi por uma coisa boba – disse logo interrompendo-o.
– E aonde o Senhor estava durante o ocorrido? – O policial perguntou fazendo uma anotação em um bloco de notas segurando a caneta prateada em uma das mãos sem ao menos me olhar nos olhos.

Naquela manhã

A cortina do quarto se abriu iluminando o meu rosto com a claridade do sol, revirei os olhos com raiva, não queria ser acordado de desta forma, era o meu aniversário e tudo o que eu queria era poder dormir um pouco mais.
– Feliz aniversário – a voz de Lúcio ecoou em meu ouvido, ele estava curvado em cima da minha cabeça, e então ele sussurrou – acorda dorminhoco.
Eu abri os olhos encarando-o, ele se endireitou e sorriu mostrando em suas mãos a bandeja de café da manhã que estava carregando.
Sentei na cama passando a ponta dos dedos embaixo dos olhos, meu cabeço estava todo bagunçado e meu corpo de certa forma um pouco dolorido. Lúcio com passos lentos se aproximou e colocou a bandeja em cima do suporte depois ele colocou este em cima das minhas pernas.
– Quis me adiantar, é claro que não foi eu quem fez este café todo, pedi para Martha prepara-lo para mim.
– Obrigado, Lúcio, mas não deveria se importar com isto – Lúcio sentou-se na beirada da cama e tocou em minha mão com a ponta de seus dedos – por favor, não vamos insistir nisto.
Ele olhou na minha mão e viu a aliança em meu dedo.
– Isso é uma novidade – ele disse como se debochasse.
– Aconteceu ontem – respondi sem me apegar aos detalhes, ele ainda tocava a minha mão fazendo caricia deslizando o dedo da ponta do dedo indicador até as costas da minha mão – obrigado pelo café na cama – eu disse e puxei a mão para longe da sua – agora preciso que saia, tenho que me vestir.
Lúcio se levantou e me olhou novamente.
– Eu vou sair agora, mas retorno antes do jantar.
– Tudo bem, tomei a liberdade de pedir ao Jeferson que providenciasse um traje de gala para a ocasião.
Lúcio assentiu, deu um breve sorriso e saiu do quarto fechando a porta.

Dentro do escritório eu fechei a pasta suspensa e a entreguei na mão de Oliver, um dos funcionários das Empresas Laguna, passei duas horas assinando e lendo documentos em nome da empresa, questões de gestão e integração de novos negócios e associados, coisas chatas que um CEO tem de responder.
É o que eu faço, não preciso estar no escritório todos os dias, apenas quando solicitam, olhei para fora pelo vidro e todos estavam sorrindo e alegres e só depois de alguns segundos que eu pude ver o motivo.
– Tia Ingrid – disse assim que abriu a porta dupla de vidro entrando na minha sala.
Levantei da cadeira e deia a volta na mesa de madeira, me abraçou forte e apertado.
– Liguei em casa, Jeferson disse que você estaria aqui, é claro que tinha que te ver primeiro – ela se afastou e me olhou nos olhos um sorriso esplendido no rosto – Feliz aniversário, Fábio, te desejo toda a felicidade do mundo...
– Acredito que já tenho muitos motivos para felicidade – disse mostrando para ela a aliança em minha mão – aconteceu ontem.
– Quando conversamos pelo telefone ontem você não me disse nada, nossa isso é muito fofo - Ela examinava a aliança dourada com muita atenção – ela é banhada a ouro, porém tenho certeza de que foi com muito amor.
– Sim, com certeza foi – eu sorri – aconteceu depois que falei com você, por isso não lhe disse nada.
Tia Ingrid segurou as minhas duas mãos e eu vi seus olhos se encherem de lagrimas.
– Estou muito orgulhosa de você – ela olhou para Oliver que ainda estava parado ao nosso lado segurando todos os papeis que eu havia assinado – já posso levar meu filho embora, Oliver?
– É claro – ele respondeu e então saiu da sala.

Tia Ingrid odiava ter que esperar por motoristas para leva-la de um lado para o outro, então ela mesma dirigia seu próprio carro, certa vez eu a vi com o capo aberto mexendo com ferramentas e as mãos sujas de graxa, esta era Tia Ingrid, uma mulher um pouco acima do peso com o cabelo cacheado em um tom castanho escuro, ela adorava usar roupas caras e esbanjar luxuria com suas joias como uma exibição de artes.
Ela estacionou o Camaro preto na frente da mansão de faixada branca com largas listras em um cinza azulado, descemos do carro e pela entrada principal passamos.
Jeferson estava a nossa espera no hall, ele cumprimentou Tia Ingrid com um aperto de mão, mas ela não contente se atirou em seus braços constrangendo-o.
– Seja bem-vinda a casa, Senhora Laguna – Ele disse assim que esticou sua vestimenta após ser amassado.
Deixei os dois conversando na sala, subi a escada e caminhei ainda olhando para os dois que falavam baixo como se arquitetassem um plano, que de todas as formas daria errado.
Caminhei pelo largo corredor até seu fim e entrei no meu quarto, Lúcio estava sentado na minha cama olhando um retrato, na fotografia estava a minha família, era uma foto antiga de pelo menos uns três anos atrás.
– O que faz aqui? – Perguntei fechando a porta atrás de mim.
– Queria falar com você, mas não queria atrapalhar o retorno da sua Tia.
– O que é tão importante que não pode esperar?
Lúcio voltou o retrato em cima do criado mudo e se levantou, ele caminhou na minha direção e ficou me encarando com os seus olhos cinzentos.
– Antes de eu ir – ele fez uma pausa como se esperasse que eu fizesse algo. Ele ficou em silencio fitando-me, ele abaixou a cabeça e caminhou em direção a porta abrindo-a e fechando-a após deixar o quarto.
Fiquei sem entender nada, minha mente trabalhava tentando obter resposta para aquele comportamento, mas eu não conseguia, era impossível entende-lo.
Não tinha como. Tivemos um breve momento no passado, então ele retorna buscando abrigo, mas todas as suas atitudes em seguida só me confundem e não fazem mais nada.
Ele não disse mais nada, apenas foi.
Mais tarde naquele mesmo dia, enquanto arrumava a gola da camisa branca que usaria no jantar ouvi duas batidas na porta do quarto e sai do closet para ir ver quem era. Tia Ingrid estava parada na frente da porta fechada com o rosto vermelho em fúria.
– Eu não acredito que você fez isso, Fábio – ela disse caminhando na minha direção batendo os pés com raiva – eu nem sei o que falar para você.
Eu a encarei tentando entender sobre o que se tratava aquela raiva que ela tentava colocar para fora de sua melhor forma, mas ainda assim depois de alguns segundos em silencio observando-a não consegui entender.
– Você não vai falar nada, só vai ficar me olhando com esse olhar de... – ela respirou fundo e virou o rosto encarando a janela para a sacada – você não deveria ter dado abrigo para aquele rapaz.
– Lúcio? – Ela me encarou como se concordasse – Ele vai embora amanhã, foi um acordo que fiz com o Jean Carlos.
– Jean o viu perambulando pela casa? – Tia Ingrid perguntou indignada, ela não estava com raiva e sim preocupada.
– Eu não entendo porque tanta implicância com Lúcio, ele é membro de uma das famílias do concelho, por que ele não é bem-vindo?
Tia Ingrid me encarou por alguns segundos e então saiu do quarto sem dar uma resposta, aparentemente todo mundo decidiu ignorar as minhas perguntas neste dia.
Assim que ela fechou a porta Lúcio a abriu sem se anunciar.
Seus olhos estavam espantados e seus ombros tensos, ele mostrava o terror em seus pequenos detalhes.
– Eu preciso sair daqui você precisa me ajudar a sair daqui.
Ele disse em desespero andando de um lado para o outro dentro do quarto.
– Se você não me explicar o que está acontecendo, não vou conseguir entender – Lúcio pareceu não me entender, então eu o segurei nos ombros fazendo-o parar – Lúcio, o que está acontecendo, é a minha Tia, ela disse alguma coisa?
– Meu pai é um dos convidados do jantar, Iris Gabriela também, tem pelo menos meia dúzia de pessoas na lista de convidados que não podem me ver vivo.
Soltei seu ombro e o encarei curioso.
– Acho que está na hora de você me dizer a verdade.
***
Estava pronto para descer a escada, tinha um plano a ser seguido e todos me esperavam para se juntarem a mesa na sala de jantar. Quando desci os degraus fui recepcionado por Jean Carlos que me deu um beijo no rosto e um abraço.
– Feliz aniversário querido – ele disse no abraço, varri a sala procurando entre os vinte e sete convidados Iris Gabriela, uma antiga amiga da família e possivelmente o meu novo problema.
– Fábio Laguna – disse um homem de barba rala grisalha estendendo a mão direita para um cumprimento educado, eu apertei sua mão – sou George Carlos, pai de Jean.
– Perdoe-me, é um prazer conhece-lo, Senhor.
– Fico feliz que tenha aceitado o pedido de meu filho – disse ele olhando na minha mão a aliança que brilhava – não imagina como eu e minha esposa ficamos felizes.
– Finalmente conhecerei a família toda? – Disse agraciado olhando para Jean que balançou a cabeça em negação.
– Minha esposa estava indisposta, uma gripe a atrapalhou vir, sinto muito – um dos empregados se aproximou uma bandeja com taças de champanhe, nós três pegamos uma taça – mas estamos felizes pelo convite.
– Eu quem fico agradecido por vir – sorri para Jean que soltou sua mão de minha cintura – vou cumprimentar os outros convidados, volto já.
Caminhei pela sala sorrindo enquanto fazia a minha busca, os sorrisos eram falsos e de certa forma interesseiros, todos que estavam ali nem mesmo me conheciam direito, estava na lista por puro nome nobre entre a elite das empresas Laguna.
Alguns rostos conhecidos, mas nada que me animasse. Até vê-la entre as outras duas mulheres segurando suas tacas de champanhe, a jovem mulher de cabelos escuro armado com um afro belíssimo, ela trajava um vestido vermelho justo que acentuava suas curvas exóticas, sobre um salto alto Iris Gabriela me olhou e caminhou na minha direção deixando as outras duas mulheres sozinhas.
– Meu querido – ela disse com seus lábios tingidos pelo batom vermelho – Fábio Laguna.
– O nome me persegui – disse com um sorriso no rosto.
– Isso é uma dadiva – ela me abraçou – Feliz aniversário – ela me soltou e me encarou nos olhos – minha equipe preparou um jantar maravilhoso para você.
Iris Gabriela não era apenas uma das pessoas mais importantes do comitê das empresas lagunas, ela também era a dona do buffet mais conhecido de Nova York, ela sabia o que era o melhor de cada festa, sem contar que também, segundo alguns associados, mesmo depois de sair, pela porta da frente, da empresa ela se manteve no comitê de associados.
– Fico agradecido por ter confirmado a presença mesmo tão em cima da hora.
– Cancelei alguns compromissos, você sabe o quanto é importante para mim - sorri lembrando do que Lúcio havia me contado há alguns minutos atrás – Me conte, ouvi um dos convidados se gabar por você.
Estendi a mão para que ela visse a aliança.
– Ganhei ontem, já estamos pensando em uma data, é provável que seja em quatro de junho.
– Um ano? Vamos começar a fazer os preparativos – ela disse sorridente.
– Iris Gabriela – disse um homem que se aproximou de repente.
– Oh, deixe-me te apresentar, este é Roberto Weasly, ele é um novo representante da minha marca e meu acompanhante desta noite.
Apertei sua mão educadamente e ele assentiu.
– É um prazer conhece-lo Senhor Laguna.
– Fábio, por favor – disse corrigindo-o – Senhor parece ser tão velho, ou apenas um capricho.
Jeferson se aproximou entre os convidados.
– O jantar está pronto para ser servido – ele disse em voz baixa no meu ouvido.
Ele se afastou e eu puxei a manga do terno para olhar as horas no meu relógio de pulso, quase vinte horas.
Três timbradas em uma taça e todos começaram a caminhar em direção a sala de jantar principal onde se estendia uma mesa de trinta lugares.
Tia Ingrid uma taça de vinho em uma das mãos, foi assim que eu a vi quando me aproximei para sentar ao seu lado na mesa. Todos estavam preparados em seus lugares antecipadamente organizados, estava faltando apenas Jean que deveria sentar-se ao meu lado a mesa.
–  Boa noite – começou Tia Ingrid que ainda segurava a taça de vinho tinto – é um prazer recebe-los em nossa casa, hoje para parabenizar o meu sobrinho, Fábio Laguna em seu aniversário, mais do que especial, pois agora ele se torna independente de meus cuidados.
Olhei para Iris Gabriela que estava a duas cadeiras a minha esquerda.
Tia Ingrid assentiu para que eu continuasse.
 – Obrigado – comecei agradecendo-a – estou muito feliz e grato por chegar até aqui, há alguns anos estava entre a vida e a morte, fui o único sobrevivente em um acidente que levou os meus pais, mas estou aqui não para lembrar de coisas ruins e sim para parabenizar a vida - peguei a taça de vinho sobre a mesa e a levantei, os outros convidados fizeram o mesmo – um brinde a vida e que eu possa junto com vocês vive-la durante muitos anos.
Todos brindaram com sorrisos e acenos sínicos como se todos se conhecessem, me inclinei para Tia Ingrid.
– Aonde está o Jean? – Perguntei e virei para o lado.
Iris Gabriela estava saindo da sala de jantar em direção a sala principal.
– Ele disse que tinha nova surpresa para você – respondeu Tia Ingrid em um sussurro baixo – estou muito ansiosa, não sei o que esperar mais depois desta aliança.
Um som alto e forte ecoou da sala fazendo com que todos se assustassem, alguns talheres foram ao chão, Tia Ingrid me olhou assustada e logo se colocou na minha frente como se estivesse me protegendo de algo.
Escutei um grito de pânico e corri antes que conseguissem me impedir, quando cheguei na sala vi Iris Gabriela parada diante do corpo caído de Jean Carlos, que sangrava em cima do tapete.
Meu corpo gelou por completo.
– Foi ele – disse Iris Gabriela apontando em direção a escada.
Lúcio me olhou nos olhos como se aquilo fosse um pedido de socorro e eu o ignorei correndo em direção a Jean que se desfazia com soluços baixos de dor.

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