Em Minha Mente - Intocável


Intocável 8

Eu juro que tentei me conter. Mas minha mente já estava trabalhando em hipóteses quase impossíveis de acontecer.
Quem era essa visita?
Primeiro, minha mente trabalhou em um diálogo perfeito se por acaso fosse a minha mãe, bom eu caminharia até o meu quarto/chalé suíço e abriria a porta, ela provavelmente estaria sentada na minha cama acariciando o lençol. Provavelmente eu entraria e a encararia nos olhos esperando ela quebrar o silencio mortal que nos separaria no quarto. Ela diria um olá sinistro e eu sorriria como um cumprimento, ela iria perguntar o que eu havia feito naquela semana e eu contaria de forma estratégica e resumida, não iria querer que ela soubesse que tenho uma quedinha pelo meu enfermeiro lindo e que era muito amigo de um ninfomaníaco. Falaria apenas as coisas necessárias.
Segundo, de forma aleatória imaginei que fosse Valerie quem estava no meu quarto, então eu entraria e ela estaria examinando o quarto com seus olhos pequenos de braços cruzados parada bem no centro do chalé.
Ela sorriria primeiro e perguntaria como estava indo, falaria de forma medica que estava com saudades e que sentia a minha falta em seu consultório. Ela me chamaria para sentar e se sentaria na cadeira e não na cama ao meu lado. Ela me iria me perguntar como estavam indo as coisas e eu contaria tudo, desde o momento que vi Felipe e seus olhos castanhos pela primeira vez até o momento em que eu comecei a gostar de Leandro que estava sendo uma das pessoas mais adoráveis que eu já havia conhecido.
Mas tem essas coisas, nossa mente é maravilhosa e cria vários diálogos que nunca iriam existir. Eu já estava sorrindo sem perceber ao caminhar pelo jardim, o sol já estava alto, mas ainda assim eu sentia um pouco de frio, por isso estava usando uma blusa de manga longa cinza. Meus chinelos afundavam na grama úmida e meus passos estavam cada vez mais rápidos em direção ao chalé.
Felipe se colocou na minha frente assim que chegamos diante a porta. Ele ficou me fitando e eu só pensava em empurra-lo para entrar logo naquele chalé.
– Existem algumas regras, Enzo, regras que não podem ser quebradas, por isso ficarei lá dentro com você. Normalmente não autorizo esses tipos de visitas, mas consegui convencer a Sra. Thomaz que seria bom para você.
– Por favor, vamos logo com isso – implorei olhando em seus olhos castanhos.
Ele deixou eu passar deslizando com seus pés para a esquerda, dei um passo à frente e girei a maçaneta da porta abrindo-a.
Ele estava de costas e com o barulho da porta se abrindo ele se virou e olhou nos meus olhos. Eu sorri, era uma surpresa ter a presença dele ali.
– Você sumiu, não consegui falar com você – disse Miguel caminhando na minha direção, eu estava tão pasmo com a presença dele que não consegui ter outra reação quando ele me abraçou.
Felipe bateu a porta atrás de mim.
– Você não escutou as regras jovem Miguel? – Ele advertiu separando-nos.
– Desculpa – ele me soltou – foi apenas...
– É eu sei, o momento – ele o interrompeu.
Eu ainda não conseguia falar.
– Você está... – ele tentou pensar na melhor palavra para usar – ... bem – ele não pensou muito.
A palavra certa era magro, talvez esquelético. A maça do meu rosto tão a mostra quanto a minha espinha. Meus braços estavam cada vez mais finos e talvez até uma rajada forte de vento pudesse me quebrar.
– Obrigado – eu disse finalmente.
– Eu senti tanto a sua falta – ele disse baixo – estive do seu lado durante todos os dias que você esteve no hospital.
– Me lembro disso – eu sorri sem jeito.
Miguel mordeu os lábios e fechou os olhos sem conseguir conter as lagrimas de escorrerem pelo seu rosto.
– Por que você fez isso? – Ele desabou de joelhos no chão colocando as mãos sobre o rosto.
Felipe deu um passo à frente, mas eu o impedi de se aproximar colocando a mão em seu caminho. Me aproximei de Miguel e me abaixei bem na sua frente. Miguel sempre foi um tanto mais sentimental, era isso que eu gostava nele, nunca reprimia sentimentos.
Uma vez ele disse que não importava quantas coisas ruins acontecessem em nossas vidas ele sempre estaria ao meu lado, e ele não mentiu. Ele estava ali.
Mesmo que ajoelhado no acoalho de madeira chorando, mesmo naquela situação emocional ele estava comigo.
– Eu não entendi nada, Enzo – ele disse entre o choro áspero – na noite do funeral do seu pai você pediu um tempo e te dei este tempo – ele tirou a mão do rosto e abriu os olhos encarando-me – eu te dei este tempo.
– Eu sinto muito.
– Não... por que você não pediu ajuda? Você precisa de ajuda. Eu sei que poderia ter impedido tudo isso, mas eu ainda não entendo o porquê de você não ter pedido ajuda.
Eu seguirei suas mãos úmidas e tentei não desviar os meus olhos de seu olhar.
– Não foi a sua culpa. Eu não quero que se sinta assim.
– Senti tanto a sua falta.
– Eu também, e assim que eu sair daqui vamos poder conversar melhor e eu finalmente poderei ter a parte feliz da minha vida. É tudo o que penso nesses últimos dias.
– Algumas coisas não acontecem em vão – ele sorriu limpando as lagrimas de seu rosto.
Felipe saiu do quarto deixando-nos sós.
– Sonhei com você na última noite – Miguel sentou no piso de madeira segurando as minhas mãos e eu o acompanhei ficando mais confortável – estávamos na formatura e eu lembro que te beijei na frente do meu pai... sim... ele aplaudiu e tudo. Parecia que eu estava sentindo o seu toque. Foi quando procurei a sua mãe no hospital, aonde ele trabalha, ela quem me disse que você estava aqui.
– Fico feliz que tenha vindo.
– Como que é aqui?
– Eu pensei que seria péssimo, mas está me fazendo bem, é diferente dos filmes essa coisa de clínica de reabilitação, ao todo está me fazendo muito bem.
– Lili se sente culpada pelo ocorrido, ela não...
– Tudo o que ela falou era verdade – eu consegui dizer em voz alta – diga para ela não se sentir culpada, ela tentou ajudar, não da forma certa, mas tentou.
Felipe entrou segurando em suas mãos uma das bandejas da sala de jantar.
– Gostaria de aproveitar a sua presença aqui Miguel para você ver a primeira vez que o Enzo vai comer depois de uma semana.
– Você não está se alimentando? – Perguntou Miguel levantando-se assustando.
– Ele entrou em distúrbio alimentar durante o processo de perda do ente querido – explicou Felipe.
– Como bulimia?
– Não. Os psicólogos afirmar que a dor pode nos causar mais de diversas variações de reações o nosso amigo teve distúrbio alimentar. Mas estamos prestes a acabar com ele.
Sorri. Desconfortável, é claro. Não sabia se estava preparado o suficiente para isso. Levantei e caminhei até a cama sentando-me, Felipe colocou a bandeja do meu lado e ficou me fitando ao lado de Miguel.
Fiquei olhando para a bandeja que tinha um copo de suco de laranja com dois cubos de gelos, um sanduiche de peito de peru e uma maça.
– Hey – Miguel se aproximou sentando-se ao meu lado – estou aqui, como prometi várias e várias vezes, eu acredito que você consegue e você acredita em você mesmo?
Ele disse olhando em meus olhos, eu estava confiante e cheio de coragem, meses atrás estava vomitando no drive-in do Mc Donald’s. Minha mãe estava furiosa comigo. Ela não acreditaria nem se contassem que eu fiz aquilo.
Peguei o sanduiche cheio de confiança de que tudo daria certo, eu olhei para Miguel e ele sorriu como se estivesse sentindo a mesma coisa que eu, orgulho. Orgulho de poder ver o futuro, um futuro bom e diferente do meu presente.
Mordi o sanduiche sentindo o sabor, meses há atrás eu já teria jogado tudo da boca para fora, mas naquele momento eu parecia uma criança faminta.
Eu estava faminto. Em menos de cinco minutos terminei o sanduiche e a maça finalizando com um copo grande e saboroso de suco de laranja natural.
– Tem como você aparecer amanhã? – Felipe perguntou com um sorriso largo no rosto – Precisamos fazer ele comer assim todos os dias.
– Sempre que você precisar.
Nos despedimos e eu vi Miguel indo embora com um sorriso no rosto, ambos estávamos orgulhosos do meu progresso.

Querido Diário, hoje eu consegui, estou me sentindo tão bem. E voltei a escrever. Tem acontecido tantas coisas na minha vida que mudou por completo. Não me sinto vazio e estranho. Estou feliz e tudo por apena um motivo, ontem recebi a melhor pessoa aqui no meu quarto, mesmo cheio de regras eu amei tê-lo por perto. Na noite de ontem Leandro veio até o meu quarto assim que voltei da biblioteca ele me entregou uma rosa, como tem feito durante todos esses dias.
Ele foi doce ao me desejar um boa noite seguido por um beijo na testa.
É normal se sentir assim? Seguro?

Quando fechei o meu caderno já era tarde. Nem percebi e já estava na hora de sair do quarto e caminhar pelo jardim.
Três batidas na porta e ela se abriu. Leandro surgiu com um sorriso no rosto e fechou a porta atrás de si caminhando na minha direção.
Aonde está aquele homem sério que fica vinte e quatro horas atrás de você? – Ele perguntou com ironia.
Virei endireitando-me na cadeira da escrivaninha para encara-lo.
– Uma rápida ida ao banheiro. Acredito que você não deveria estar aqui sem a presença dele.
– Eu também deveria estar no meu quarto, mas não estou, o que é mais uma regra quebrada?
Levantei vestindo um casaco, todos do lado de fora estavam usando então deduzi que estivesse frio para uma caminhada lenta entre os bancos do jardim amplo e colorido. Virei-me e Leandro estava ainda mais próximo.
Desconfortável, era como estava me sentindo.
– Está frio lá fora – ele disse deixando o seu hálito de menta dissipar no meu rosto.
– E você não está agasalhado – disse reparando que usava apenas uma camiseta preta lisa como todas as suas outras.
– Talvez eu esteja quente – ele se aproximou um pouco mais encostando seu peito no meu, nossos lábios estavam a menos de cinco centímetros de distância.
Eu conseguia sentir seu colar e seu corpo. Era estranho, ele nunca esteve tão próximo e eu nunca me senti tão vulnerável a cometer um novo erro.
– Você...
– Não diga nada – ele pediu com um sorri bobo no rosto – não estamos fazendo nada demais. Eu só queria tê-lo por perto.
Fechei os olhou, meu corpo não estava mais se segurando. Ele se aproximou um pouco mais encostando sua cintura na minha, mas recuou quando sentiu a minha ereção apontando para frente na calça moletom cinza.
– Sinto muito – disse envergonhado ainda sem me mover.
– Acontece com todo mundo.
Eu senti gana por beija-lo. E no mesmo momento que me coloquei um pouco mais para frente para fazê-lo a porta se abriu e eu me virei afastando-me daquele momento tentando esconder a ereção na minha calça.
– O que vocês estavam fazendo? – Perguntou Felipe com um olhar atento caminhando em nossa direção.
– Vim chamar Enzo para dar uma volta no jardim, ele ficou preso aqui com você a manhã inteira – disparou Leandro sem tremer a voz, ao contrário da forma que eu responderia se não estivesse tão envergonhado de olhar para a cara de Felipe – ele merece uma folga dessa sua cara feia – Ele estendeu a mão para frente na minha direção – vamos, Enzo.
Fiquei em silencio tentando me recompor.
– Está tudo bem, Enzo? – Perguntou Felipe com se quisesse que eu confessasse um ato criminal.
– Sim – disse soltando o que havia sobrado da ereção em minha calça. Caminhei até a porta passando por Leandro sem toca-lo e sai do quarto.
O passeio foi como qualquer outro, passamos pelo rosário de rosas brancas e cintilante e depois pela horta que estava sendo plantada por um novo projeto. Leandro não falou nada sobre o que havia acontecido, foi como se tivéssemos nos encontrado ali mesmo, no jardim. Ele contava sobre seus dias no ensino fundamental na pequena cidade aonde morava e com risos eu me divertia com o que mais parecia ser fabulas de comedia.
Duas voltas lentas foi o que demorou para escurecer e me fazer pensar no tempo que passamos juntos. Voltei para o quarto e fiquei olhando para ele parado diante da porta em silencio.
– Tenho que entrar – disse sem jeito – te vejo amanhã.
– Não vou há lugar nenhum – ele sorriu e estendeu a mão.
Segurei ela educadamente em um cumprimento e parei de balança-la assim que a senti. Segurei a mão dele e abri. Ela estava cheia de feridas ainda recentes que com pouco custo poderiam voltar a sangrar.
– O que é isso, Leandro? – Perguntei e ela a puxou de volta com os olhas arregalados, ele ficou em silencio me fitando – Isso é por causa das rosas que você tem me dado?
Leandro abaixou a cabeça e saiu andando em direção a casa grande. Respirei fundo e entrei no quarto fechando a porta.
– Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Felipe sentado na cadeira de frente a cama, caminhei até o armário de roupas e o abri – Enzo.
Ele estava atrás de mim. Em pé.
Sentia sua respiração em meu pescoço.
Ele pousou a mão no meu ombro e desceu deslizando-a pelo meu braço.
Me virei para encara-lo.
  O que você está fazendo?

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