Correntes Secretas - Quente


Quente

Seus olhos me encaram durante o jantar.

Subi para o meu quarto depois de pedir para Jeferson providenciar algumas peças de roupas para Lúcio que não tinha bagagem alguma. Fiquei observando-o pela janela do meu quarto, enquanto ele caminhava pelo jardim, perambulando entre os arbustos de petúnias vermelhas.
Ele caminhava pensativo, como se seu único passa tempo fosse aquele. E o meu fosse observá-lo.
Ao anoitecer recebi uma ligação da Tia Ingrid, contando sobre sua viagem, ela disse que estava adorando todo o conhecimento que estava absorvendo. Não consegui falar para ela sobre Lúcio, ela não me deixava espaço para um múltiplo dialogo, nem mesmo em suas pausas para respirar.
Ela finalizou a ligação anunciando que estaria de volta em menos de dois dias.
Nem me deixou se despedir. Olhei novamente pela janela e vi o sol começando a se pôr, Jeferson entrou no quarto depois de duas batidas na porta.
– Senhor Laguna – ele chamou a minha atenção – vinte minutos para servimos o jantar, devo convidar o hospede para participar, ou lhe sirvo no quarto?
– O nome dele é Lúcio, e sim, convide-o para se juntar a mim.
Jeferson assentiu concordando, neste ponto ele entendeu que não acataria nenhum tipo de insubordinação, até mesmo se de alguma forma algum dos outros empregas destratassem Lúcio. Jeferson era o funcionário mais antigo da casa, e muito rigoroso, dificilmente trombava com os outros empregados pela casa, eu não sei o nome de pelo menos três deles. Isso é coisa do Jeferson.
Que com muita cautela coordena toda a grade de vinte e sete empregados. Ele fechou a porta e saiu.
Me levantei da cadeira onde fiquei horas falando com a Tia Ingrid e entrei no banheiro passando pelo closet.
Quinze minutos, foi o que levei entre tomar um banho, me vestir e descer até a sala de jantar.
Passei pela sala de jantar admirando a moldura dourada da lareira, e mais um pouco até a sala de jantar que estendia uma mesa curta de oito lugares, nela estava disposto o jogo de taças, talheres de prata, pratos de porcelana e um banquete que eu não sabia nem por onde desfrutar.
– É sempre assim? – Perguntou Lúcio saindo do banheiro a minha direita – Ou isso é só porquê estou aqui?
Ele sorriu fazendo-me perder em seu encanto por alguns segundos.
– Apenas desfrute de uma boa refeição – respondi puxando a cadeira da ponta e me sentando a mesa.
Lúcio sentou-se a minha direita sem tirar os olhos dos meus olhos, isso me incomodou um pouco, não pelo seu olhar atendo, mas por que eu não sabia o que ele estava pensando enquanto em olhava.
– Você está diferente – ele finalmente disse quebrando silencio.
Dois empregados entraram servindo o jantar, com pratos montados e prontos.
– Você também está diferente.
– Espero que seja para melhor – ele era um tremendo cafajeste e eu já sabia disso, ele estava louco para que eu fizesse um elogio a sua forma física que ele deixava claro ter, músculos marcados em seu peitoral em baixo da camisa branca que vestia.
– Isso depende de você, Lúcio – respondi desviando o meu olhar para o meu prato, comecei a comer em silencio.
– Eu acho que você mudou para melhor, seus olhos brilham mais, você cresceu...
– Como está o seu irmão? – Perguntei interrompendo-o – Faz um tempo que não tenho notícias dele.
– Não tenho contato com a minha família há alguns anos – ele respondeu ríspido – então você namora o seu professor, você realmente gosta de homens m ais velhos.
Ele estava com um sorriso de canto nos lábios quando o olhei envergonhado.
– Do que você está fugindo? – Perguntei encarando-o.
– Do meu passado – ele sorriu – são muitas perguntas sem respostas, vamos deixar essa também sem resposta.
Ele passou o restante do jantar quieto, não me olhou, apenas comeu, levantou e assentiu com a cabeça ao sair da sala. Eu não sabia nada sobre ele.
Estava curioso e nervoso por isso. Queria saber mais sobre quem abrigava na minha casa.
Levantei e caminhei rápido, eu o vi passar por cima sala, então subi a escada, eu o vi fechar a porta do seu quarto. Caminhei um pouco mais e bati na porta duas vezes.
– Entre – ele respondeu e eu abri a porta.
Ele estava de costas para porta terminando de enrolar a toalha na cintura, eu o encarei dos pés à cabeça e parecia que eu estava dentro das minhas memorias. Ele se virou e me encarou com aquele sorriso de canto de boca.
– Eu ia tomar um banho antes de dormir, em que posso te ajudar? – Ele olhou para a amarração da toalha em sua cintura e depois me encarou.
Fiquei obsoleto de lhe dar uma resposta, pois todas as coisas que passou na minha cabeça naquele momento faz com que eu me perdesse. Era estranho sentir aquilo depois de tanto tempo. Era estranho me sentir daquela forma, o desejo, o calor correndo pelas minhas veias, o coração batendo cada vez mais forte quando ele sorri ou me encarada.
Lúcio estava de fato mais forte, os músculos em seu tronco eram marcados, sua pele estava morena como se ele tivesse acabado de voltar de um fim de semana na praia.
– Quero a verdade – disse finalmente voltando ao dilema – você chega na minha vida, traz mistérios, sem bagagens, sem uma desculpa...
– É sobre isso que se trata? Sobre aquele dia?
– Não...
– Eu acho que sim – ele se aproximou segurando a amarração da toalha com uma das mãos – Sei que tivemos uma conexão naquele dia, só não sabia que foi tão especial para você, Fabio – ele passou seus finos dedos no meu rosto como um carinho agradável.
Dei um passo para traz revirando os olhos.
– Não deboche de mim.
– Não é um deboche – ele sorri se aproximando ainda mais – éramos jovens, adolescentes dentro de um cômodo escuro, foi bom com certeza, mas...
– Não é sobre isso, Lúcio – eu o interrompi sentido todo meu corpo arrepiar – é sobre você voltar para a minha vida sem...
– Eu sinto muito – ele disse desta vez me interrompendo – eu queria muito ter procurado por você no dia seguinte, mas tive que sair da cidade por um tempo.
– Seu aniversário foi na semana seguinte, Eduardo me falou sabre isso.
– Eu sei, eu também não o vejo desde então. Aquela foi a minha última noite perto da minha família – ele parecia estar falando a verdade, eu conseguia ver isso nos seus olhos cinzentos – eu só não quero ficar falando disso agora – ele se afastou dando dois passos para trás – talvez amanhã?
– Tudo bem – disse, segurei a maçaneta da porta e a fechei perdendo-o atrás dela.
Respirei fundo, ele me causava isso, aquela exasperação, uma falta de ar, calafrios. Lúcio era o meu colapso, como um impulso rebelde.
Quando acordei no dia seguinte olhei pela janela e ele estava lá, caminhando pensativo pelo jardim. Era estranho vê-lo, ainda não havia me acostumado com a sua presença.
Era como se ele tivesse dado play na minha vida.
Depois de me trocar desci para a sala. Jeferson me aguardava aos pés da escada.
– Senhor Laguna – ele começou com um tom de voz de desaprovação – Lúcio pediu para que servíssemos o café da manhã no jardim, disse que o Senhor não aprova...
– Isso é uma ótima ideia – disse interrompendo ele, caminhei passando pela primeira sala de jantar e depois pela sala de jantar principal onde se entendia uma mesa longa de trinta lugares, olhei pela parede de vidro e Lúcio já estava sentado à mesa, abri a porta dupla e respirei fundo sentindo o ar frio da manhã de julho entrar pelos meus pulmões.
Ele sorriu ao me ver. Me aproximei e sentei na cadeira da ponta ao seu lado.
– Bom dia – ele disse – Jeferson tentou me convencer de que não era uma boa ideia trazer o café da manhã para fora, mas acho que ele estava errado.
– Mudanças de última hora me irritam um pouco, mas eu gostei da ideia – sorri olhando para Jeferson que assentir e no mesmo momento dois empregados saíram pelas portas duplas carregando duas bandejas para servirem o café.
Comi panqueca com uma calda de framboesa e Lúcio optou por ovos e bacon. Dei alguns goles no suco de laranja fresca.
Acho que podemos dar uma volta pelo jardim – sugeriu Lúcio levantando-se – é claro, se você não tiver outra coisa para fazer.
Eu o encarei com um sorriso bobo nos lábios, levantei e me aproximei dele com passos lentos.
– Vamos – disse eu, passando na sua frente. Ele me seguiu com os passos apressados para me alcançar, caminhamos juntos, lado a lado. Pisando no caminho de pedras rusticas.
– Você está muito deferente – eu o encarei assim que seu comentário saiu de sua boca – digo isso de uma forma positiva, gosto da forma que cresceu.
Ele olhou a quadra de basquete e sorriu.
– Lembro do dia que te conheci, todo pequenino.
– Vamos esquecer o passado.
Lúcio sorriu de canto de boca e correu em direção ao pergolado de bolas de basquete, ele pegou uma e saltou fazendo uma cesta certeira.
– Não tem como esquecer o passado, é impossível – ele pegou a bola novamente e a quicou pela quadra, me olhando diretamente nos olhos como se estivesse me chamando para uma partida – eu sei que você gosta de esportes.
– Gostava, a minha vida é outra agora.
Ele caminhou em minha direção ainda quicando a bola na quadra de piso brilhante. Lúcio se esquivou rápido e ficou atrás de mim.
– Não minta – ele disse no meu ouvido.
– Não estou mentindo – disse virando para fita-lo, mas ele se transportou para o outro lado me impedindo – é muita energia contida, você não acha?
Ele parou segundo a bola com as duas mãos.
– Obrigado – ele disse me olhando nos olhos – sou muito grato por ter me recebido na sua casa.
Ele caminhou até o pergolado e deixou a bola lá, com passos lentos ele caminhou em direção a mansão e entrou pela sala de jantar.
Não sei porque, mas eu fiquei parado vendo-o entrar para dentro, e em um pequeno lapso de devaneio uma memória distante voltou batendo, nesta eu o vi chorando parado diante da porta do elevador. Lembro dele me encarar antes da porta abrir e ele entrar no elevador limpando o rosto molhado.
O dia estava quente, o calor estava me matando, nunca fui fã do calor, sempre gostei do dia frio, com o vento gelado, o inverno me fascina, a neve cai e eu a observo pela janela do meu quarto, mas ainda estávamos em junho e a temperatura estava provavelmente acima de uns trinta graus célsius, um dia muito quente para mim.
Foi então que sentado olhando para o jardim na varanda, eu olhei para trás e praticamente senti a água da piscina me refrescar.
Entrei para dentro e caminhei pelo corredor largo até meu quarto, o atravessei e entrei no closet, abri o armário de roupas procurando nas gavetas algo que fosse leve para nadar, encontrei minha sunga azul escura, logo me despi e a vesti. Peguei a primeira toalha que vi, uma branca de puro algodão e a enrolei na cintura. Caminhei de volta pelo correr dos quartos e desci a escada para a sala principal, abri a porta da área da piscina.
– O Senhor vai entrar na água – Perguntou Jeferson surgindo de algum lugar e com um susto me surpreendeu com a sua voz grossa e rouca – Perdoe-me, não era a minha intenção assusta-lo.
– Vou sim – disse esperando que ele saísse para que eu com a minha vergonha tirasse a toalha da cintura e mergulhasse.
Olhei para o teto de vidro e vi Lúcio passar no andar acima, ele sorriu e assentiu com a cabeça.
– Vou aquecer a água para você – disse Jeferson.
– Não precisa – eu o impedi antes dele sair – quero a água fria mesmo.
O sol atravessava a parede de vidro que dava visão panorâmica de todo o jardim, então a água não estaria de toda forma fria, e sim natural.
– Tudo bem, como queira – Jeferson assentiu e caminhou saindo e fechando a porta atrás de si.
Eu o segui com os olhos até que o visse sumir atrás de alguma parede solida. Com cautela olhei para os lados, não sei porque, mas tinha uma certa vergonha do meu corpo magro e pálido. Sem ninguém a vista tirei a toalha da cintura e a coloquei em cima de uma das cadeiras brancas à beira da piscina.
Estava me preparando para colocar meus pés na pequena escada metálica quando uma enxurrada de água fria me molhou dos pés à cabeça, por impulso olhei para trás e vi uma outra toalha caída no chão, olhei de volta para a piscina e vi Lúcio puxando seus fios de cabelo castanhos para trás gargalhando de tanto rir.
– Você nem me convidou para vir? – Ele disse entre as gargalhadas.
– Não precisava fazer isso – então eu saltei imergindo meu corpo na piscina e realmente a água estava fria – que frio – reclamei, tirando somente a cabeça para fora da água.
– Está melhor do que lá fora.
Lúcio, bateu os braços espirrando água no meu rosto novamente, rapidamente virei e o empurrei.
Ele nadou de um lado para o outro e parou na beira olhando para o jardim atrás dos grandes painéis de vidro.
– Este é um dos jardins mais lindos que eu já vi – ele comentou, me aproximei e apoiei uma das minhas mãos em seu ombro, depois na pedra que emoldurava a piscina.
Ele me encarou.
  Minha Tia faz questão de que quatro jardineiros cuidem do jardim toda semana – disse eu tirando minha mão de seu ombro – desculpe – mergulhei a cabeça novamente e a subi.
Lúcio estava próximo de mais, seus lábios quase tocando os meus.
– Sinto muito – ele disse se afastando.
Eu o observei nadar até a outra ponta da piscina, ele parou e eu me aproximei.
– Eu só aceito a verdade, Lúcio – disse cercando-o com os meus braços, apoiei minhas mãos na pedra da moldura e ele se contraindo como se estivesse evitando o meu toque.
– Que verdade?
– Por que está aqui? – Disse direto sem rodeios.
Senti uma de suas mãos segurar na minha cintura, ele a apertou em meu corpo e eu me arrepiei instantemente, logo a outra mão segurou minha cintura também e ele reverteu nossas posições me colocando entre ele e o limite da piscina.
– Você vai insistir sempre nisso, neste assunto – ele disse cerrando os dentes como se rosnasse em cada palavra – eu fugindo...
  Da polícia? – Perguntei indagando-o com um leve puxão tentando me soltar de suas mãos que ainda pressionavam a minha cintura.
– Não, estou fugindo do meu passado – franzi o cenho desconfiado e ele sorriu de canto de boca – Estive preso, Fábio, e não era em uma cadeia convencional, muito menos pela polícia, pessoas perigosas me mantiveram preso por meses e meses, me fizeram fazer coisas horríveis para a minha sobrevivência, eu tive que machucar pessoas – cerrei os lábios fazendo-os ficarem em uma linha reta, não era medo, estava sentindo compaixão – eu agradeço muito por ter me recebido neste momento da minha vida, mas não o quero bisbilhotando o meu passado, será que assim você entende?
– Sim – disse balançando a cabeça.
Ele foi rápido e astuto, me agarrou e beijou no canto da minha boca.
– Obrigado, por entender ele se afastou e olhou acima da minha cabeça – Olá – disse ele com um sorriso travesso no rosto.
Olhei para trás me virando e vi Jean parado entre as cadeiras.
Ele assentiu e se virou deixando-me gritar pelo seu nome enquanto corria para sair da piscina.

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