Em Minha Mente - Noturno
Noturno
9
Querido
diário, acredito que tudo a partir deste ponto foi o que me levou a
autodestruição. Cada ato, cada movimento e respiração. Tudo acarretou para a
minha destruição.
Fiquei
confuso, com medo. Assustado. Fazia um tempo desde que eu não me sentia assim.
Estava tão seguro do que sentia, a felicidade corria pelas minhas veias e nada
poderia me afetar. Pelo menos era assim que eu pensava até sentir o toque leve
de Felipe deslizando sua mão pelo meu braço em uma caricia intima e desgostosa.
Me
virei olhando para ele que ficou em silencio depois da pergunta que fiz. Era
estranho encara-lo, ele estava com um olhar frio e um sorriso no rosto
completamente estranho como se fosse saltar no meu pescoço há qualquer momento.
–
Eu te fiz uma pergunta – indaguei com a garganta seca.
Ele
se manteve calado, deu um passo para trás e caminhou até a porta saindo do
quarto. Esperei que ele voltasse, esperei que talvez ele voltasse com uma
lamina pronto para me cortar, mas logo percebi que estava colocando a minha
sanidade em teste, imaginar que Felipe pudesse fazer algo para me ferir.
Eu
não sei por que minha mente foi tão longe.
O
dia seguinte foi normal, como se nada tivesse acontecido, ele me acordou pela
manhã, tomei o café da manhã junto aos outros na sala da mesa longa dentro da
casa principal. Leandro caminhou comigo pelo jardim e fomos fazer a reunião em
grupo. Descobri um pouco mais sobre Jordine, uma garota nova que contou como
que foi parar ali. Aparentemente ela estava no lugar errado na hora errada e
isso acarretou em todos os delitos cometidos a seguir.
–
Está quase na hora de terminamos a reunião de hoje, alguém gostaria de falar
mais alguma coisa? – Perguntou Alba olhando diretamente para mim.
Abaixei
a cabeça evitando encara-la. Ela então deu fim a conversa levantando-se e
liberando a nossa saída. Levantei logo quando quase todos já haviam saído.
Leandro estava à minha espera na porta, Alba se aproximou e com um sorriso no
rosto disse:
–
Estou muito feliz por você – ela fez uma pausa enquanto eu tentava entender
sobre o que se tratava – tem feito muitos avanços desde que chegou, já está se
alimentando e junto aos outros, devo dizer que estou orgulhosa.
Sorri
envergonhado, não sabia ter outra reação a não ser esta diante de um elogio
sincero.
–
Isso é mérito de vocês – disse referindo-me ao quão confortável me sentia
dentro daqueles muros de tijolos vermelhos.
–
Mas é você quem está querendo melhorar a sua vida. Continue assim, Enzo.
Ela
sorriu e eu sai da sala com o mesmo sorriso bobo ao lado de Leandro. Caminhamos
pelo corredor em direção a saída. Leandro parou no meio do corredor e me olhou.
–
Logo você vai me deixar.
–
Não é o que eu quero – disse sem pensar.
Ele
abriu a porta a nossa esquerda e entrou no banheiro, eu entrei logo atrás dele.
Fiquei
olhando em seus olhos castanhos claros enquanto ele fazia o mesmo a dois palmos
de distância. Ele se aproximou um pouco mais fazendo com que as minhas costas
encostassem na parede fria do banheiro em meia luz.
Seu
corpo estava colado ao meu, eu não tentei escapar da emboscada, eu nem pensei
em fazê-lo. Pois queria que ele me tocasse daquela forma, queria sentir os
lábios de Leandro tocar os meus e beija-lo. Ele segurou a minha cintura com
suas mãos pressionando seu corpo ainda mais ao meu, minha pele estava arrepiada
e eu já não sabia o que fazer, eu nunca soube, eu nem sei porque aquele momento
foi tão importante para mim.
Eu
sentia seu hálito, doce como cereja, eu sentia seu corpo, músculos rígidos de
pura tensão.
Levei
minha mão esquerda lentamente para a sua nuca acariciando os pequenos fios de
cabelo. Aproximei meu rosto um pouco mais do seu e o beijei, ele segurou minha
cintura colando ainda mais nossos corpos e continuou o beijo de forma quente.
Não consegui me segurar e logo a minha ereção se mostrou dentro da minha calça
cinza moletom.
Leandro
parou imediatamente de me beijar e se afastou me encarando dos pés à cabeça.
–
Não – ele colocou as mãos na cabeça balançando-a freneticamente – não – ele
gritou desta vez desesperado. Ele correu em minha direção e parou diante de
meus olhos.
–
Não – ele disse, desta vez me encarando nos olhos.
Ele
estava apavorado e assustado. Ele abriu a porta ao meu lado e saiu do banheiro.
Estava
muito assustado para perceber o erro que acabará de cometer, estava muito assustado
para perceber que Leandro estava ali na clínica para se tratar de um problema
pessoal que envolve sexo, e eu basicamente propus isso a ele.
Dei
uns quatro passos para frente ficando em frente ao meu reflexo no grande
espelho sobre a pia colado na parede.
Meus
olhos não se conterão e me pus a chorar como um garoto chora ao derrubar seu
pirulito no chão e vê ele quebrar. Pois foi exatamente o que aconteceu. Com um
susto Felipe entrou no banheiro de azulejos brancos ele me encarou dos pés à
cabeça e se aproximou me abraçando forte, não me contive.
Era
uma forma dele mostrar que se importava comigo, era uma forma de ele me mostrar
o carinho que ele sentia por mim. Então me joguei em seus braços me envolvendo
ainda mais no calor do seu corpo.
Felipe
cheirava a pêssegos em seu melhor ponto. Ele me apertou ainda mais e as
lagrimas foram caindo de meus olhos, e era como se eu chorasse sem saber o
porquê de estar chorando.
–
Vai ficar tudo bem – Ele disse começando a acariciar minha cabeça que estava
colada em seu peito.
Fui
levado para o meu quarto. Os pensamentos ruins voltaram a me atacar em massa.
Eu os escutava sem parar, era sufocante.
Os
pensamentos deixavam claro que eu era uma pessoa fraca, e que meu pai se matou
por desgosto. Os pensamentos diziam que minha mãe me odiava e que me deixaria
ali para morrer e que eu podia morrer que ninguém se importaria comigo.
Nada
e nem ninguém se importava comigo.
Lembro
de estar deitado e lembro de abrir os olhos, lembro que vi o teto da cozinha e
de que estava no chão ao lado do armário, entre ele e o fogão na ilha. Lembro
de ver o relâmpago iluminar rapidamente o espaço revelando uma sobra ao meu
lado. Me levantei apoiando as mãos no chão e senti ela se molhar em algo
quente. Olhei para o lado assustado e lá estava ele, o meu pai. Ele me encarava
nos olhos com a faca cravada em seu peito.
Com
uma das mãos ele segurava a faca e a outra ele levou até o meu rosto, manchando
a minha pele pálida com o seu sangue.
“Você
me matou, Lorenzo”. Ele disse em um sussurro lento. Seus lábios estavam
rachados e sua pele tão pálida quanto a minha. Os meus lábios tremiam, eu
queria dizer algo, eu queria me desculpar, eu queria pedir perdão por tudo. Mas
meus lábios só tremiam sem dizer nenhuma palavra.
“Você
é um fraco. Manipulável. Você é sujo e degradante”, meu pai continuou
fazendo-me chorar, “Você é idiota de acreditar que todos te amam, mesmo vocês
sendo um pecador da carne”.
Meu
pai começou a se levantar, lentamente, um relâmpago iluminou a sala seguido de
um trovão denso e barulhento.
Meu
pai puxou a faca de seu peito e continuou olhando em meus olhos.
“Você
é a desgraça da nossa família”, ele disse começando a apertar o meu braço, “sua
mãe te odeia, seus amigos te odeiam, todos te odeiam, eu te odeio, Lorenzo”.
Ele
levantou a faca no alto e em um movimento rápido a cravou em meu peito com seus
olhos cheios de raiva.
Acordei
assustado. Com um pulo na cama, me faltava ar e era como se eu realmente
estivesse sentindo a faca em meu peito.
–
Hey, está tudo bem – Felipe disse acalmando-me, ele estava sentado em uma
cadeira ao lado da cama, olhei pela janela e já estava escuro, era noite do
lado de fora.
Ele
se levantou e serviu um copo d’agua que estava em cima do criado-mudo, eu a
tomei acalmando minha respiração.
–
Você teve um pesadelo. Acho que precisa falar sobre isso. Com quem estava
sonhando?
Fiquei
em silencio encarando a porta do guarda-roupa. Não queria falar sobre isso.
–
Tudo bem – ele disse ao perceber minha hesitação – você precisa se distrair com
alguma coisa.
–
Vou dar uma volta no jardim – disse levantando-me.
–
Tive uma ideia melhor.
Eu
sabia que iria me arrepender mais tarde naquela noite de ter saído do meu
quarto para uma aventura que provavelmente acabaria comigo com a cabeça
afundada no travesseiro enquanto as lagrimas escorreriam pelos meus olhos.
Eu
sei.
Mas
mesmo assim, vesti um casaco moletom cinza claro, e sai ao lado de Felipe se
esgueirando pelo jardim até a casa principal, por onde passei pela porta de
saída e caminhei pelo estacionamento de cabeça abaixada, apenas seguindo os
passos apressados de Felipe que balançava em uma das mãos um conjunto de chaves
metálicas. Ele destravou a porta do C4 prata e abriu a porta para que eu
entrasse do lado do passageiro. Ele bateu a porta fechando-a e entrou do lado
do motorista, ligando o carro e acelerando para longe da clínica.
Eu
nem olhei para trás, respirei aliviado por ninguém ter pegado nós em uma fuga,
e era provável que isso aconteceria mais tarde. Mas eu nem me importei.
Estava
pronto para aquela aventura. Parecia ter borboletas na minha barriga.
Passei
o caminho de quinze minutos em silencio. Olhando as luzes amareladas das ruas
pela qual passava. Era tão bom estar do lado de fora dos muros da clínica.
Lembro
de ele estacionar o carro em uma rua deserta e descer para abrir a porta para
mim. Olhei o prédio de tijolos vermelhos, poderia ter uns seis andares, ou
menos. Ele sorriu e abriu um pequeno portão na lateral, a escada mal iluminada levava
para cima, entramos no corredor apertado, ele trancou a porta e nos subimos
dois andares.
Era
estranho, estava silencioso, eu só ouvia uma goteira, que provavelmente vinha
de um vazamento qualquer. Ele parou diante de uma porá escura, e a luz do
corredor longo se acendeu automaticamente.
Felipe
girou uma outra chave na tranca e abriu a porta, revelando uma sala de visitas
pequena e bagunçada.
–
Desculpe-me a bagunça – ele disse fechando a porta atrás de mim, assim que
entramos – não recebo muitas visitas e fico pouco tempo aqui.
A
sala tinha um sofá, nele estava estendido uma manta azul-claro. Um tapete
peludo ficava entre ele e o raque que dava suporte a uma televisão e um
aparelho DVD. Tinhas algumas revistas na raque, mas antes que pudesse ver, Felipe
acendeu a luz da cozinha que era separada da sala apenas por um balcão.
–
Quer comer alguma coisa? – Ele perguntou lavando as mãos na pia.
As
paredes do cômodo em geral eram encardidas, o piso líneo um pouco empoeirado.
–
Posso usar o banheiro? – Perguntei. Não estava com vontade de nada, mas foi a única
coisa que pensei.
–
Fica no quarto – ele apontou para a porta de madeira escura com um sorriso
imprudente no rosto, um arrepio correu pela minha espinha e eu senti vontade de
correr.
Caminhei
até o quarto e entrei, era o único lugar limpo e organizado, passei por ele e
entrei em uma outra porta, me virei e a tranquei acendendo a luz.
Me
encarei no espelho e minha mente me disse nitidamente. Por que o medo, ele é
seu enfermeiro. Você deve confiar nele.
Abri
a torneira e me curvei lavando o rosto na água fria. Peguei a toalha que estava
pendurada em um suporte e seguei meu rosto, depois a devolvi no lugar. Três
batidas na porta me meu coração voltou a acelerar novamente com o susto.
–
Está tudo bem? – Era a voz de Felipe do outro lado da porta.
–
Sim – disse abrindo-a e sorrindo para ele.
Felipe
sorriu educadamente.
–
Coloquei um filme para vermos – Ele caminhou em direção a sala e parou voltando
a me encarar – Você quer assistir comigo, né?
Eu
o segui, ele sentou no sofá e eu me sentei ao seu lado. O filme era em preto e
branco, e mostrava um homem de andar engraçado que usava um chapéu coco.
–
Gosto de filmes antigos – ele comentou me olhando nos olhos.
–
Nunca assisti a um filme em preto e branco – sorri – é diferente e engraçado.
Ele
voltou a olhar atentamente para a tela da televisão e eu fiquei fitando-o com
os olhos atentos.
Ele
se esticou no sofá e se aproximou um pouco mais. Felipe me olhou e sorriu. E novamente
havia borboletas em meu estomago. Mordi o lábio inferior, não sei porque,
apenas o fiz.
Ele
se aproximou um pouco mais do meu rosto e eu percebi o que ele estava prestes a
fazer, e antes de eu ter uma reação, senti seus lábios tocarem os meus.
Eu
o empurrei e me levantei com um salto do sofá.
–
Quero ir embora – disse autoritário.
–
Me perdoe – Ele se levantou e tentou tocar o meu ombro, mas eu me esquivei para
o lado caminhando em direção a porta – sinto muito, eu perdi a cabeça...
–
Eu disse que quero ir embora – disse novamente com um tom de voz mais firme.
Felipe
apertou os olhos e caminhou na minha direção, eu lhe dei espaço para ele abrir
a porta e sai do pequeno apartamento, desci rapidamente as escadas enquanto ele
me seguia. Esperei ele destravar a porta e entrei no carro em silencio.
Fiquei
apenas olhando o caminho de volta pela Luther E. Gibson Fwy.
Ele
estacionou no carro e ficou me olhando.
–
Faça silencio quando entrar – ele ordenou e abriu a porta saindo do carro.
Eu
o fiz, quando entrei na casa principal, fiz enquanto caminhava pelo jardim pelas
sombras e fiz quando entrei no meu chalé.
Deitei
na cama e chorei.
E
eu não sei por que. Apenas chorei, assim como esperava que aquela noite
acabasse.
Comentários
Postar um comentário