Correntes Secretas - Verdade


Verdade

Aconteceu tudo tão rápido, as lagrimas, a chegada da ambulância, ver Jean sendo carregado ás pressas em direção ao hospital, ser impedido de acompanha-lo na ambulância, ver todos os rostos espantados e por fim ver Lúcio ser levado pela polícia depois de Iris Gabriela dar a sua versão do crime.
Mas eu sabia a verdade, embora minha mente trabalhava para que tudo voltasse como uma flecha de fogo em direção a Lúcio, eu sabia a verdade e tinha uma ponta de certeza de que talvez tudo não passasse de um plano de Iris Gabriela para ter Lúcio para si. É claro que isso eu não contei para o Detetive encarregado que me fez perguntas querendo saber sobre todos os convidados da festa.

– Eu preciso sair daqui você precisa me ajudar a sair daqui – Lúcio disse em desespero andando de um lado para o outro dentro do quarto, mais cedo naquela noite.
– Se você não me explicar o que está acontecendo, não vou conseguir entender – Lúcio pareceu não me entender, então eu o segurei nos ombros fazendo-o parar – Lúcio, o que está acontecendo, é a minha Tia, ela disse alguma coisa?
– Meu pai é um dos convidados do jantar, Iris Gabriela também, tem pelo menos meia dúzia de pessoas na lista de convidados que não podem me ver vivo.
Soltei seu ombro e o encarei curioso.
– Acho que está na hora de você me dizer a verdade – disse tentando fazer a minha mente trabalhar para entender o alvoroço dele.
– Eles não são quem você pensa, Iris Gabriela principalmente, ela é a mais perigosa de todas – ele me encarou nos olhos por alguns segundos em silencio e continuou – estou fugindo deles.
– Deles quem?
– A Seita.
– Um grupo religioso, sério que Iris Gabriela é de um grupo fanático religioso?
– Não, ela comanda um quartel de tráfico humano, chamada A Seita – eu fiquei pasmo no mesmo instante, não era assim que eu via Iris Gabriela.
Não mesmo, ela sempre esteve presente na família, nunca imaginaria isso sobre ela.
– Lúcio, você disse que eles não podem te ver vivo?
Ele olhou para a porta e me puxou para o centro do quarto sentando na cama e fazendo-me sentar de frete para ele.
– Eu não me orgulho disso, eu juro, mas se é disso que eu preciso para que você me tire daqui – ele respirou fundo – meu pai, Roberto Weasly, me vendeu para Iris Gabriela, como um pagamento de dívida, uma dívida antiga que eles tinham. No seu aniversário, antes dos seus pais falecerem eles me levaram, tem essa mansão no sul da cidade, fica bem afastada, lá é aonde funciona tudo, a faixada engana, quando você entra se depara com jovens presos em gaiolas que são obrigados a fazerem sexo pela sobrevivência.
– Você?
Ele abaixou a cabeça como se estivesse lá.
– Tem o braço direito dela lá dentro, ele me odeia, é um homem mascarado, ele racionava minha comida e banho apenas por diversão, os brutamontes açoitavam minha pele e ele assistia como se sentisse prazer com aquilo.
– Eu sinto muito, Lúcio – ele segurou a minha mão – como você conseguiu sair?
– Tinha um amigo lá dentro, o único com quem conversava, ele era novato, quando foi marcado escutei seus gritos na sala ao lado. Ele era apenas um garoto quando foi desejado pela primeira vez. Tínhamos um plano...
Três batidas na porta e Lúcio saltou da cama assustado.
– Senhor – disse Jeferson do outro lado da porta – chegou alguns convidados, pode descer quando estiver pronto.
– Obrigado, Jeferson – disse em voz alta para que ele ouvisse – só vou terminar de trocar e já desço para cumprimentar todos – fiquei em silencio ouvindo os passos leves de Jeferson se afastar pelo corredor.
– Tínhamos um plano – Lúcio continuou – depois de assistir Iris Gabriela ordenar uma morte decidimos que era a hora certa de nos rebelar – ele fez uma pausa – quando vimos o fogo era mais alto que nós, eu não sei se ele sobreviveu, na explosão uma das paredes cederam e foi por ela que eu passei, corri, sem olhar para trás.
  Como me descobriu?
– Não me orgulho em dizer, mas para sobreviver tive de fazer um último programa, quando estava no quarto com um velho qualquer eu o roubei e vi no quarto do hotel uma foto sua em um jornal, foi assim que vim parar aqui.
– Todo esse tempo, Lúcio – eu o abracei, o abracei forte como se resolvesse algo o conforto de meus braços – eu nem sei o que dizer...
– Apenas me tire daqui – ele disse – me tire de um jeito que ninguém me veja.
Eu o encarei tentando pensar em algo, eu o puxei até a porta e com cautela olhei para os dois lados do corredor, ainda o puxando com passos apressados caminhei até a biblioteca.
Fechei a porta e caminhei pela passarela olhando para baixo, me certificando que não havia ninguém no primeiro andar, acenei para que ele se aproximasse, como uma maçaneta invisível puxei o livro Redemption, de capa de couro preto e escrita dourada, disfarçado entre outros livros, uma passagem se abriu na parede revelando uma escada em um espaço de pouca luz.
– Desça os dois lances de escada, segue o corredor, você vai sair nos fundos do terreno, me espere lá, eu vou até você.
Lúcio me abraçou forte.
– Obrigado – ele sorriu entrando na escuridão – eu sabia que podia contar com você – ele desceu a escada com passos rápidos e eu fechei a passagem voltando o livro em seu lugar.

Entrei no hospital, olhei para os lados e lá estava o pai de Jean, George Carlos, conversando com o médico. Iris Gabriela e Roberto estavam sentados na sala de espera, assim que ela me viu levantou-se e caminhou em minha direção.
Sabendo da verdade eu não poderia demostrar a minha repulsa, não poderia correr o risco.
– Eu sinto muito, querido – ela disse me abraçando enquanto meu corpo se reprimia – Ingrid – ela me soltou e caminhou até a minha Tia que acabará de entrar – que tragédia, em um dia tão especial...
As duas ficaram conversando e eu caminhei até a cadeira me sentando.
– Eu sinto muito, por isso – disse Roberto com a sua voz calma e baixa, eu sorri sem olhar para ele – Lúcio nunca foi um bom garoto – eu o encarei – esqueci de mencionar que sou o pai dele – ele sorriu envergonhado.
– Eu não sabia – menti, não me lembrava de Roberto na casa de Eduardo, meu amigo de infância e irmão mais novo de Lúcio, me lembrava apenas de sua mãe, Sheila, mas não de Roberto Weasly – Weasly?
– Nome de solteiro, casamento infeliz, eu me lembro de você, conheci seus pais quando você ainda era um bebezinho – ele fez uma pausa – sinto muito.
Me endireitei na cadeira e vi o médico andar rápido em direção aos quartos, olhei para os lados e Tia Ingrid estava sozinha, Iris Gabriela voltava pelo corredor e George caminhava em minha direção.
– Senhor Carlos – disse levantando-me – o que o médico disse?
– Eles estão fazendo de tudo para salva-lo – George me olhou nos olhos – ele é meu único filho, eu ainda não consegui contar para a minha esposa que estou aqui no hospital porque nosso filho foi baleado – ele começou a chorar.
– Eu sinto muito.
– Não foi culpa sua – ele limpou o rosto – vou fazer de tudo para que o culpado apodreça atrás das grades – ele olhou diretamente nos olhos de Roberto que se contraiu na cadeira com os olhos assustados – o seu filho...
– Por favor, Senhor Carlos – começou Iris Gabriela – você tem que se acalmar, vamos lá fora, todos precisamos respirar um pouco – ela já estava próxima segurando em seus ombros tentando puxa-lo para fora e evitar escândalos.
– Eu vou tentar falar com a minha esposa – ele disse pegando o telefone celular no bolso e caminhando para fora.
Sentei novamente olhando para Roberto, eles nem imaginavam que eu sabia a verdade, eu sabia o que eles fizeram.
Levantei e caminhei até Tia Ingrid.
– Preciso de um favor, e preciso que você confie em mim – disse ele logo me olhou atenta, sentei ao seu lado – acione um advogado, o melhor, por favor.
– Não vou arrumar briga com os Weasly, não vou mesmo, Fábio.
– Tia, eu não quero isso, mas eu vou passar por cima de você se for preciso – disse olhando nos olhos dela – eu não vou deixar ele preso, não vou fazer isso com ele, diga o que quiser, mas eu não vou ouvi-la...
– Senhor Carlos – disse o médico procurando pela sala, todos se levantaram quando George entrou na sala de espera.
Ele se aproximou com os passos lentos.
– Sim, Doutor.
– Eu sinto muito...
Eu sentei, minhas pernas não aguentaram o peso que senti no coração, eu não aguentei ver o homem adulto de cabelo grisalho chorar a morte do filho, apenas sentei com os meus olhos estralados em um transe compassivo.
Talvez Lúcio fosse de fato um assassino, teria de perguntar pessoalmente para ele, tinha que entender tudo aqui.
Peguei as minhas ultimas forças levantei caminhando para fora do prédio, precisava respirar, o meu peito estava pesado demais e já me faltava ar.
Olhei para o céu nublado e respirei fundo puxando todo o ar possível, fechei os olhos deixando as lagrimas escaparem, foi mais forte do que eu, senti a dor, eu havia perdido.
Ele era o meu noivo, mesmo que por um dia, eu não tinha certeza sobre meus sentimentos naquele momento, não sabia exatamente em quem confiar.
Mas, eu sabia que a partir dali eu comecei a fazer parte de algo novo, de um segredo, comecei a fazer parte do que eu mais temia.
Abri os olhos e um homem de capuz estava me olhando do outro lado do estacionamento, seu rosto estava coberto por uma máscara prateada, meu corpo enrijeceu no mesmo instante, ele começou a caminhar na minha direção e eu não fugi.
Me mantive em pé, mesmo com medo do pior.
Mesmo que tudo em minha mente, todos os meus pensamentos mais sombrios implorassem para que eu corresse.
– Fábio Laguna – o homem estendeu o braço revelando sua mão de pele morena e nela um envelope preto com um selo em cera prata.4
Peguei o envelope com a ponta dos dedos e o fitei em silêncio, voltei a encarar o mascarado e ele não estava mais ali.

Era verdade, tudo o que Lúcio me contou era verdade, entrei na mansão com os passos apressados subindo as escadas, vi Jeferson me encarar de baixo como se perguntasse o que estava acontecendo, caminhei um pouco mais e entrei no meu quarto fechando a porta atrás de mim.
Encarei o envelope preto em minhas mãos, ainda não havia tido coragem de abri-lo, e no caminho de taxi entre o hospital para a minha casa eu só pensava em Lúcio. Liguei para a minha secretaria e logo acionei um advogado, ele disse que conseguiria fiança para Lúcio ao amanhecer, então tudo o que eu precisava fazer era tentar dormir, sem pensar em Lúcio sendo preso por homicídio e a morte Jean que ainda sondava a minha cabeça.
Era tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, e agora este envelope em minhas mãos e o meu medo de abri-lo.

– E aonde o Senhor estava durante o ocorrido? – O Detetive perguntou fazendo uma anotação em um bloco de notas segurando a caneta prateada em uma das mãos sem ao menos me olhar nos olhos.
Contei, evitei alguns fatos, não queria parecer louco, então omiti o que eu sabia, revelando apenas alguns passos da noite anterior.
Meu estomago roncou, estava faminto, não dormir durante a noite, que logo quando amanheceu Jeferson disse que deveria comparecer para esta averiguação.
– Ontem falei com uns funcionários – o Detetive começou – o Chefe de segurança comentou que a casa é monitorada por câmeras de segurança, há alguma chance de haver câmeras internas?
– Senhor?
– Detetive Capaldi, Dave Capaldi.
– Detetive Capaldi, eu posso verificar com a minha Tia Ingrid, ela vai saber informar se há gravações internas.
Ele olhou para o Senhor Lewis, o advogado, que estava sentado ao meu lado e assentiu.
– Obrigado pela cooperação, Senhor Laguna, -ele sorriu – fui informado de que Lúcio Marcchior foi liberado sob fiança, e que o Senhor que a pagou, tem algum motivo?
– Acredito que já acabamos, Detetive Capaldi – disse o Senhor Lewis levantando-se rapidamente.
Eu me levantei e sorri assentindo com a cabeça em uma despedida.
O Detetive Capaldi ficou me encarando sair e me acompanhou com seus olhos atentos ao passar pela janela de vidro do corredor.
Caminhei rápido para sair do prédio da delegacia, o Senhor Lewis com seus braços curtos e cabelo cheio de gel dirigiu até a mansão.
Estava ansioso para chegar, logo quando entrei fui recepcionado por Jeferson e balançou a cabeça.
A lareira estava acesa aquecendo a sala, Tia Ingrid estava sentada olhando diretamente nos meus olhos, Lúcio virou apenas a cabeça e sorriu com seus olhos cheios de brilho.
– Eu desaprovo este seu comportamento, Fábio Laguna – disse Tia Ingrid levantando e caminhando em minha direção, vi Lúcio se levantar e vi a mão de Tia Ingrid voar no meu rosto me acertando em um tapa ardido.

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