Em Minha Mente - Afeto


Afeto11

Medo...
Dor...
Angustia...
Raiva...
Angustia... e por último, uma pitada de alivio.
Passei pelos seis estágios e não foi fácil, em um momento estava feliz e prestes a escutar o que faltava. Até estar com uma marca no rosto, ajoelhado no chão desesperado tentando fazer Leandro acordar.
Primeiro senti medo de perde-lo, é estranho esse sentimento, gastar tanto de uma pessoa ao ponto de sentir medo de perde-la, depois senti a dor no peito, uma dor comparada à que senti meses atrás quando perdi meu pai.
Ele não abria os olhos e ou não respondia aos meus estímulos de chacoalha-lo com as duas mãos em seus ombros e aquilo era angustiante. Então eu escutei o que Carol falou, mesmo que ela já estava com a boca fechada há um tempo.
Eu me levantei e esbofeteei seu rosto gritando que ela estava louca.
Foi um tanto irônico, desviei do tijolo que ela arremessou na minha direção antes de cair no chão e eu começar a bater nela com murros e puxões de cabelo. Ela tentou de defender, mas havia tanta raiva dentro de mim.
Tanta raiva do que ela tinha feito. Eu não conseguia me conter, ela gritava alto como efeito sonoro de sirene. Eu vi que ela sangrava pelo nariz e foi neste mesmo momento que ela conseguiu me acertar um murro na cabeça e eu cai paralisado na grama.
Senti Felipe me recolhendo do chão e com os olhos meio abertos vi outros dois enfermeiros fazendo reanimação em Leandro. E eu apaguei.

“É tudo sua culpa”, disse meu pai me olhando nos olhos. Eu estava parado entre a ilha e o armário, olhando de cima, e ele deitado sangrando no chão da cozinha. A faca estava na minha mão e ela estava tremula. “Você me matou”.
“Filho, o que você fez”, era a voz da minha mãe, eu olhei para trás e lá estava ela se aproximando enrolada em seu robe branco.
A faca caiu ligeiramente da minha mão e cambaleou no chão fazendo um barulho alto e ensurdecedor abaixei a cabeça tapando os ouvidos e ainda assim era possível escutar o estrondo continuo que não parava.
Estava tudo em minha mente.
Minha mãe grudou em meus ombros e segurou firme a minha cabeça, “Eu quero que você olhe”, disse ela me fazendo encarar meu pai que já estava morto, “Quero que você olhe o que fez com a nossa família”.
“Eu não fiz nada”, dizia chorando.
“Ficar repetindo isso não vai tirar a sua culpa”, ela segurou o meu queixo e a fez com que eu olhasse em seus olhos, suas unhas quase que cravavam a minha pele, seu gemi e me contorci tentando me desembaraçar de suas mãos fortes.
“Eu não fiz isso”, dizia sem parar em uma tentativa falha de não encontrar seus olhos na meia luz da noite que entrava pela janela da cozinha.
“Você destruiu a nossa família”.

Abri os olhos e vi o teto de madeira, logo reconheci, estava no meu quarto. Felipe se colocou na minha visão e viu meus olhos abertos.
– Que bom que acordou – disse ele saindo do meu periférico, eu o ouvi abrindo a porta e logo depois ouvi passos se aproximando de mim.
A Sra. Thomaz arranhou a garganta fazendo com que eu virasse a cabeça para vê-la.
– Você agrediu uma paciente, Lorenzo – ela começou com o seu tom de voz mais autoritário possível – eu preciso saber o porquê disso, antes de entrar em contato com a sua responsável.
– Ótimo, vamos ver se pelo menos assim ela consegue vir aqui...
Cuspi as palavras sem pensar. Era exatamente o que eu pensava.
– Ela ainda está desacordada – ela inspirou fundo – temos três pessoas feridas, uma por que levou uma tijolada e eu juro que não sei de onde ela tirou aquele tijolo, outra foi espancada e você com esse arranhão no rosto.
– Eu não quero falar agora – disse e continuei – quero que saia daqui.
– Não, eu não posso simplesmente sair daqui, Lorenzo, talvez seu amigo nem acorde, então eu preciso saber o que aconteceu, pois, pelo o que parece ninguém viu ao certo.
Talvez seu amigo nem acorde... foi a única coisa que consegui ouvir então afundei a cabeça no travesseiro e comecei a chorar, a Sra. Thomaz pareceu não se importar, pois eu consegui ouvi-la se levantar e sair do quarto.
Eu consegui destruir tudo novamente.
E eu só estava no meio de um percurso para um desfecho. E nem imaginava isso.
Levantei da cama e caminhei até o banheiro, olhei no espelho em cima da pia de louça e realmente havia uma marca no meu rosto, uma linha reta e avermelhada do conto do olho direito até o queixo.
Sai do banheiro e caminhei até a porta, eu precisava ver como a Carol estava, estava mal pelo o que fiz e a vi sangrar. Nunca fui tão violento, nem sabia que tinha forças para isso.
Talvez seu amigo nem acorde... a voz da Sra. Thomaz voltou a ecoar na minha cabeça. Abri a porta e sai, Felipe não estava ali por perto, nem uma outra pessoa que tivesse autoridade para me manter no quarto. Caminhando por trás dos chalés consegui chegar ao quarto da Carol. Estava na janela prestes a caminhar até a porta quando escutei a voz de Felipe vindo de dentro do quarto.
– Querida, Carol – ele dizia baixo, então olhei pela janela e vi que ele estava sentado na cama dela de costas para mim – não estava nos meus planos você sair ferida. Te dei o tijolo para jogar na cabeça do Enzo e não do ninfomaníaco.
E novamente a raiva. A raiva fez com que eu fechasse os olhos e imaginasse Felipe ferido, algo como uma faca no peito dele, algo como eu estar segurando a faca que acabou de sair de seu peito.
– O que faz aqui, Senhor Perigo? - Olhei para trás assustado encarando os olhos furiosos de Polly a enfermeira de Carol – Vou ter que pedir para sair da minha frente? Não quero que chegue perto dela.
Essas foram as palavras que ouvi, então uma ideia veio na minha cabeça e eu estava decidido em coloca-la em pratica.
Eu não queria mais estar ali, eu não queria olhar na cara de Felipe, não queria ficar mais naquele lugar.
Me endireitei e comecei a caminhar em direção a casa principal.
Assim que estava na porta consegui ouvir Felipe gritar o meu nome, olhei para trás e ele estava correndo na minha direção. Ele me segurou pelo braço fazendo-me parar.
– Leandro acordou, acabei de receber uma ligação da Sra. Thomaz – ele disse tentando recuperar o folego – ela disse que ele quer te ver.
Eu estava mesmo indo falar com a Sra. Thomaz, estava decidido que iria fazer aquilo, falar a verdade sobre Felipe e tudo mais. Então olhei nos olhos castanhos de Felipe e assenti, ele tomou a frente caminhando em direção ao outro lado do jardim, enquanto ele andava o sol refletia em seu cabelo loiro escuro e dava um tom avermelhado aos seus fios, ele dava passos pesados e apressados como se estivesse fugindo de algo. Ele parou diante a porta de um dos chalés de telhado íngreme e girou a maçaneta abrindo a porta, eu tomei a frente entrando no quarto.
Encarei a Sra. Thomaz por alguns segundos e meus olhos foram abraçados pelos de Leandro que estava deitado na cama coberto por uma manta cinza.
– Isso não o que costumo fazer aqui, Enzo – disse a Diretora passando do meu lado para sair do quarto.
Esperei que ela saísse e fechasse a porta para me aproximar mais de Leandro, me sentei ao seu lado na cama e acariciei o seu rosto.
– Como você está? – Perguntei sentindo como se alguém segurasse o meu coração e o apertasse.
– Melhor agora – ele respondeu com a voz baixa – o que foi isso? – Ele sorriu.
– Só mais um ataque de controle de Caroline – eu sorri deixando-me levar pelo sorriso luminoso dele – estou muito feliz que você esteja bem.
– Você sabe que o que estamos fazendo é errado – ele cuspiu as palavras na minha cara sem pudor – temos que parar enquanto ainda há tempo. Eu sou uma pessoa doente, minha mente é doente.
– Olha bem para quem está falando, eu me atirei na frente de automóvel – disse ainda com um sorriso no rosto.
– Isso é diferente, a Sra. Thomaz disse que você vai sair logo daqui ela disse que você vai seguir em frente...
– Com você – eu o interrompi.
– Sozinho, eu ainda tenho que parar de pensar como um louco em sexo – meu sorriso desapareceu e ele continuou com o seu discurso – assim que você sentou na cama eu fiquei duro, estou falando com você enquanto eu só penso no quanto quero te rasgar ao meio enquanto te enforco, eu escuto você gemer agora, mesmo que esteja em silencio.
– Eu sei que isso é só você tentando me afastar.
Eu me levantei e vi que sob a manta cinza ele movimentava a mão em um vai e vem rápido e despretensioso.
– Eu sou doente, Enzo.
– Leandro para – disse com os lábios trêmulos – por favor para.
– É tudo culpa sua, você me causa isso.
A manta começou a se manchar de um liquido de tom escuro. Ele estava se machucando enquanto forçava uma masturbação.
– SOCORRO – Eu gritei e imediatamente as lagrimas começaram a cair.
Fui de joelhos no chão chorando e gritando para que ele parasse, mas mesmo que ele sangrasse ele não parava, a porta do chalé se abriu e três enfermeiros entraram junto a Sra. Thomaz. Um deles me levantou enquanto a Diretora conduzia os outros dois para pararem Leandro que estava me olhando com um olhar vazio como se ele não estivesse mais ali.
Fui carregado para fora do quarto e vi Felipe parado na porta, ele estava com um sorriso maldoso no rosto, ele estava gostando de ver tudo aquilo, era exatamente o que ele queria.

Lembro de acordar depois de ouvir vidro se quebrando, lembro de tirar o cobertor de cima do meu corpo e olhar para a janela, a chuva caia do lado de fora. Era uma tempestade forte e provavelmente ela mesma teria acabado de quebrar algo no andar de baixo. Levantei a caminhei com os pés descalços até a porta, olhei pela brecha tentando achar algo no corredor dos quartos e vi que a porta do quarto dos meus pais estava aberta, abri um pouco mais a porta e vi o relâmpago iluminar toda a casa.

Abri os olhos encarando o teto de madeira do chalé, me perguntei como teria conseguido dormir depois de uma tarde turbulenta como aquela, então senti uma pequena pontada no ombro esquerdo e me lembrei de ter sido sedado.
Olhei para o relógio e eram exatamente 3 horas da manhã, olhei pela janela e vi as estrelas no céu. Me sentei na cama tocando os pés descalços no chão gelado e respirei fundo. Foi piscar o olho apenas uma vez a partir disto que a imagem de Leandro sangrando voltou a me assombrar. Eu me levantei e caminhei até a porta, segurei a maçaneta e percebi que a porta estava trancada.
Dei um passo para trás, desistindo de sair para tomar um ar quando escutei a chave girar no trinco, a porta se abriu e um enfermeiro estranho colocou a cabeça para dentro do quarto.
– Precisa de alguma coisa? – Ele perguntou me encarando com seus olhos escuros, mas eu fiquei calado por conta do susto e não lhe respondi – Se não quer nada, volte a dormir.
Minha cabeça doeu forte e eu fechei os olhos apertando-os, cambaleei para o lado e logo o estranho enfermeiro entrou me apoiando em seu tronco.
 Lembro de acordar depois de ouvir vidro se quebrando, lembro de tirar o cobertor de cima do meu corpo e olhar para a janela, a chuva caia do lado de fora. Era uma tempestade forte e provavelmente ela mesma teria acabado de quebrar algo no andar de baixo.
Ele me sentou na cama e ficou me encarando nos olhos esperando que eu reagisse de alguma forma.
Levantei a caminhei com os pés descalços até a porta, olhei pela brecha tentando achar algo no corredor dos quartos e vi que a porta do quarto dos meus pais estava aberta, abri um pouco mais a porta e vi o relâmpago iluminar toda a casa. Eu abri a porta do quarto e caminhei lentamente pelo corredor, com passos leves eu desci a escada, encarei a porta branca da sala que estava aberta, o vento gelado que passou por ali fez o meu corpo congelar e arrepiar. Ouvi um gemido baixo e caminhei sem medo até a cozinha. Foi então que eu o vi caído no chão tentando conter o sangramento em seu peito.
Meu pai segurava a faca da cozinha com força enquanto sua camiseta cinza ia se manchando cada vez mais.
“Filho sai daqui”, ele disse em um sussurro.
Eu me aproximei abaixando-me, minhas pernas, eu não as sentia mais, minhas mãos tremiam tentando fazer pressão no ferimento e de alguma forma aquilo tudo só piorava, estava cada vez mais molhado e vermelho escarlate.
Mais um relâmpago iluminou a sala e eu vi próximo ao armário o par de botas de couro preto.
“Corre”, meu pai disse tentando não perder a consciência.
Levantei a cabeça lentamente fazendo o mesmo com o resto do corpo, era impossível não olhar para o homem parado na minha frente. Outro homem, sem ser o meu pai que ia fechando os olhos com cada movimento lento que eu fazia. Eu vi a calça preta, eu vi a camiseta preta dentro da jaqueta de couro, eu vi a mão de pele branca parada na frente do corpo como se de alguma forma estranha o homem tentasse se esconder para não ser visto.
E em meio a escuridão eu vi seu rosto, um relâmpago iluminou a ainda mais, de forma rápida e inteligente, a cozinha foi tomada pelo brilho e eu vi o rosto dele.
“Lorenzo”, escutei a voz da minha mãe descendo as escadas e por impulso olhei para trás, e foi neste segundo que senti uma dor forte na cabeça que me fez cair deixando o caminho livre para Felipe fugir pela janela.
Deixando ali no chão eu perdendo a consciência ao ver a minha mãe se aproximar e meu pai morto há alguns segundos.
– Foi ele – eu disse com a respiração afobada.
– Você precisa dormir – disse o enfermeiro de olhos escuros – seu enfermeiro vai chegar daqui a pouco.
– Não, ele não – disse fugir das mãos habilidosas do enfermeiro – foi o Felipe, eu vi ele...

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