Now Or Never - Passagem Pela Terra
Passagem
pela Terra
Voltei
em questão de segundo, e foi como se tudo a minha volta estivesse acontecendo
em câmera lenta novamente. Segurei Ed pelo braço e o levantei puxando-o o mais
rápido possível. Estava a um minuto de perder o prazo quando senti meu braço
queimar ao ser atingido por uma bala.
Meu
sangue quente escorreu rápido e dolorido. Empurrei Ed na frente e ele subiu os
degraus para entrar no avião. Os terrestres estavam perto quando entrei e o
avião começou a acelerar pela pista. Ainda conseguindo ver todos eles tão perto
e enfurecidos. Nossos smarts começaram a ter mensagens de alerta.
No
mesmo instante ouvi uma bomba explodir. Foi como um empurrão. O avião deu um
solavanco para frente levantando sua traseira, um empurrão como se estivéssemos
sendo levantado no ar com tamanha leveza. Levantamos voo. Todos os soldados
estavam no chão dentro do avião. Olhei para fora e consegui ver os corpos
caídos e outros se multiplicando em pedaços no ar. Explodindo em pequenos
estilhaços de vidro de uma janela qualquer. Todos aqueles homens, todas s
mulheres. Uma imagem terrível para se ter em minha lembrança. Eles estavam
apenas completando sua breve passagem na terra.
Alivio
foi o que senti quando sentei no chão do avião encostando as costas no banco
estofado. Os soldados abordo me encaravam com sorrisos no rosto. Ed cambaleou
na minha direção e me abraçou. Me abraçou forte como um filhote abraça a mãe.
__
Obrigado, Soldado – disse ele.
Todos
os homens começaram a aplaudir, eles gritavam e assoviavam alto em um brado de
vitória.
Vi
Theo me encarar dois bancos atrás do meu. Ele sorriu assentindo a cabeça. Ele
estava praticamente dizendo em voz baixa que estava orgulhoso de mim. E mesmo
que minha missão de salvar os terrestres tinha falhado em alta escala de erro,
fiquei feliz em ter salvo pelo menos uma vida de uma morte dolorosa.
Fechei
os olhos e por alguns segundos privei meus pulmões de ar enquanto tentava
manter meus pensamentos em ordem, eram muitas imagens para se esquecer daquele
pais, em meu treinamento ouvi dizer que se você quer esquecer algo precisa
apenas querer esquecer a merda toda. Estava tentando fazer aquilo, estava tentando
esquecer do soldado morto por um tiro na cabeça bem do meu lado e as pessoas se
despedaçando aos poucos no país que deixaria para trás. Voltei a respirar.
Nosso
destino era a Nova Fortaleza, que ficava ao sul da Alemanha. Minha mulher e meu
filho estariam lá no abrigo, seguros e felizes. Queria muito vê-la, e o
Fuzileiro disse que poderíamos fazer isso antes de ir para o nosso outro
destino, as missões ainda não tinham acabado. E o meu grupo foi o único que se
dissipou da missão sem completa-la.
Não
salvamos ninguém a não ser nós mesmos. Até abandonamos outros grupos que agora
estavam em pedaços em uma terra perdida.
Não
existia mais Brasil, não mais. Todo o lugar havia sido aniquilado e quando a
Nova Ordem projetasse o novo Mapa Mundial o Brasil não estaria mais nele.
Os
moradores não quiseram ser salvos. Eles queriam lutar com algo muito maior que
eles, criaram um gigante tão pequeno quanto seus pensamentos como há alguns
anos atrás. Sempre estiveram fadados a esse destino.
Dormi
rápido depois do susto, quando acordei eles estavam distribuindo barra de
cereais e água.
Foi
o que restou, não sentia gosto de fruta na boca bem antes de deixar a Alemanha.
As frutas ficaram escassas com o tempo, com as bombas veio consequentemente o
desaparecimento de muitos seres vivos. As abelhas ainda fazem falta, quão bom
era seu mel. Alguns insetos que antes eram indesejáveis hoje fazem parte de
muitas refeições, tivemos que adotar alguns costumes que para muitos eram
estranhos. Mas com a chegada do que sobrou da população do mundo nos arredores
da Alemanha tivemos que nos acostumar com a superlotação.
Nos
supermercados não havia comida o suficiente para todos e os remédios começaram
a faltar. A população reduziu pela metade no primeiro ano de guerra. Não havia
lugar para tantos corpos então começaram a incinerar nossos parentes ao invés
de enterrá-los com dignidade.
Confesso,
não gosto da atual situação, a política por sua vez acabou com nossas vidas,
como sempre fez e a Nova Ordem que deveria ajudar como disse que iria ser feito
acabou por prejudicar a todos.
Os
mais ricos sobrevivam.
Acho
que essa era a verdadeira ‘ordem’, a sobrevivência dos mais afortunados. Era o
verdadeiro plano que saiu perfeitamente planejado, fazer com que os líderes se
contra-atacassem.
Consegui
ver a muralha erguida pela janela do avião. Era mais alta do que da última vez
que a vi, não sei se foi porque estava em uma fotografia e não na minha frente
como agora. Era uma muralha erguida de concreto no meio do mar. Tão alta quanto
as nuvens que se misturavam em seu tom cinzento.
Consegui
ver o aeroporto construído para esses tipos de serviços, meu corpo gelou
instantaneamente quando começamos o trabalho de pouso. Meu corpo tremeu quando
tocamos a pista. Era possível ver a fumaça cinza das novas fabricas rasgando os
céus. O avião parou e os soldados começaram a se levantar, observei todos
andando até a saída com sorriso no rosto mesmo usando aquele uniforme militar
pesado, alguns deles sentiam prazer no que estavam fazendo. Alguns deles.
O
Fuzileiro parou e me encarou, era somente nos dois lá dentro. Ele estendeu a
mão me puxando, nunca imaginei que ele faria isso, mas ele me abraçou tão forte
que parecia que a qualquer momento quebraria em seus braços.
Ele
me soltou e me encarou.
“Obrigado,
Soldado Daniel”, ele ficou em silencio e caminhou até a saída.
Tentei
entender aquilo tudo, não sei pelo o que ele estava agradecendo, qualquer um
faria o que eu fiz, eu acho, não fui criado para desistir das coisas, isso é o
certo. Meus pais me ensinaram a ajudar as pessoas e levaria isso junto comigo e
ensinaria para o meu filho como um legado.
Sai
do avião e todos me encararam. Meu braço estava sangrando desde que entrei no
avião, não sentia dor alguma, mas estava sangrando muito e já devia ter parado.
Uma
enfermeira correu em minha direção e me guiou até um ambulatório que ficava a
alguns metros da pista de pouso. Ela enfaixou a ferida com suas mãos enrugadas
e sofridas. Ela era uma senhora de uns sessenta anos, dizia ser formada em
medicina e que atualmente trabalhava como enfermeira responsável naquele
ambulatório.
Seu
nome era Alba Ramirez, vinha de Chicago que após sua destruição se transformou
em ruina por cima de ruina. Ela disse que o tiro que levei foi apenas de raspão
e que tinha demorado para estancar a ferida, por isso o sangramento.
Alba
era conversadora e sorridente, contando sobre os outros soldados que já havia
voltado para casa, dizia estar ansiosa para a época festiva dentro da
fortaleza.
Estávamos
prestes a chegada do Natal, os líderes mundiais tentaram tirar isso de nós, mas
entraram em um acordo depois da vasta destruição entre as nações.
Alba
sentou-se ao meu lado segurando minhas mãos frias, ela me encarou nos olhos e
disse que tinha sorte, sorte de ter retornado para casa, mesmo que aquela não
fosse a minha verdadeira casa.
“Como
estão as coisas por aqui Dona Alba?”. Perguntei com um sorriso depois de lhe
agradecer pelo curativo feito com total eficácia.
“Tristes”,
ela respondeu com sua simplicidade, “A comida é escassa para a população, a
Nova Ordem reduziu os mantimentos para algumas famílias”, minha expressão mudou
drasticamente quando meus pensamentos me levaram a Selena e ao meu filho,
“fique tranquilo, eles reduziram para agradar as famílias dos soldados”.
Ainda
assim minha expressão era a mesma. Não gostava de saber que para a minha
família conseguir comer outras teriam de passar fome.
“Eles
continuam com a visão de que os afortunados têm de ser preferenciais nos
atendimentos médicos”, ela fez uma pausa e abaixou a cabeça deixando meus olhos
encarar sua cabeça branca, “tenho sorte de estar deste lado, eu sei, jovem, mas
preferia ter morrido como a maioria no atentado a minha cidade”.
“Não
diga isso, por favor, não deseje a morte, Dona Alba é horrível ver a morte de
perto e eu a vi”.
“Acredito
que meus filhos a viu de tão perto que não pude me despedir deles”.
“A
Senhora tem filhos na guerra?”.
Ela
levantou a cabeça voltando a encarar meus olhos. Seu rosto pôs-se a ficar
molhado de lagrimas, eu a abracei imediatamente, ela estava precisando daquilo,
precisando de alguém que a segurasse em um momento de luto.
Eu
mesmo precisaria de alguém para me segurar em meu momento de luto, na verdade,
Selena esteve do meu lado em meu momento de luto.
No
primeiro mês da guerra, meus pais estavam no México, o pais foi feito de refém,
não soube o que fazer, eles ainda mantinham contado comigo por chamadas de
vídeo, mas na nossa última chamada de vídeo eles sofreram um ataque aéreo e por
mais que gritasse segurando o telefone celular com toda força em minhas mãos,
eles não podiam ouvir meu choro. Selena me abraçou tão forte, ficou do meu lado
durante todo o meu luto segurando a minha mão e foi neste mesmo mês lamentoso
que descobrimos sua gravidez.
“Eles
embarcaram um uma missão para o Chile, ou o que sobrou dele”.
“Eles
estavam no modo Salvador?”. Ela assentiu concordado com a cabeça.
Era
o mesmo modo que o meu, seus filhos eram responsáveis para trazer os
sobreviventes a Fortaleza.
“O
avião deles não retornou no prazo, faz duas semanas que eles se foram, orei em
um esconderijo para que Deus poupasse a alma dos meus garotos”.
“Tenho
certeza de que Ele a ouviu”.
“Não
é fácil ter uma crença meu jovem, aqui o estado predominante está matando todos
os que não seguem suas miseras leis”.
Lembrei
do meu amigo Maalas sendo condenado a fogueira depois de ser descoberto como
pastor logo quando completamos um ano de guerra.
“Por
favor, fique em segurança, escolha muito bem os momentos certos para suas
orações não serem interrompidas”, disse alertando-a.
“Eles
destruíram tudo lá fora e não vou parar até destruir tudo aqui dentro”.
Concordei
com a cabeça.
“Dona
Alba, lhe desejo sorte”, levantei batendo com as mãos no uniforme sujo,
“preciso encontrar minha família, minha esposa e meu filho estão à minha
espera”.
Ela
se levantou e me abraçou novamente.
“Boa
sorte na sua guerra”.
Ela
sorriu e eu me afastei caminhando em direção ao portão alto de ferro maciço
depois da pista de pouso.
Assenti
com a cabeça para os quatro guardas de plantão e eles abriram os portões para
que eu passasse.
Selena
estava do outro lado, ela correu em minha direção assim que me viu. Ela segurou
firme nosso filho em um dos braços e com o outro me envolveu com o calor do seu
corpo.
Estava
com saudades de sentir seu cheiro, ela cheirava a uma suave lavanda, seu cabelo
macio cheirava a bolo de laranja que acabara de sair do forno.
Me
desembaracei de seus braços e puxei meu filho pegando-o e beijando-o. Era
revigorante abraça-lo, não passei muito tempo longe deles, não como outros
soldados que ficam fora de casa por meses ou nunca voltam.
Mas
tive a oportunidade de voltar e agarraria ela com as duas mãos e com força
total.
Selena
beijou meu rosto e enxugou minhas lagrimas, estava chorando sem perceber. Era a
mais pura felicidade de estar em seus braços.
De estar
com a minha família.
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