Em Minha Mente - Incapaz
Incapaz
10
Lembro
de estar cansado na manhã seguinte, lembro de não ter pregado os olhos, mas
ainda os sentia arderem devido os litros de lagrimas que chorei. Quando me levantei
naquela manhã olhei para o lado, exatamente na cadeira de madeira aonde Felipe
estava quando acordava e ele não estava lá.
Com
a luz do sol que iluminava o quarto passando discretamente pelos fios da
cortina fina na janela eu via as pequenas partículas de poeira, mas ele não
estava lá.
É
estranho se acostumar com algo e de repente perde-lo sem nenhuma explicação?
Pois eu tinha uma resposta, eu tinha uma explicação pelo desaparecimento dele.
Felipe tentou me beijar na noite anterior e meus lábios não foram receptivos
como ele pensou que seria.
E
somente naquele momento, sentado na cama olhando para a cadeira vazia, eu
acabei percebendo que era somente por causa das suas intenções que ele agia
daquela forma comigo.
E
mais uma vez eu comecei a me afundar em pensamentos hediondos.
Deitei
na cama novamente me cobrindo com o cobertor e voltei a chorar enquanto minha
mente me assombrava repetindo coisas horríveis em sussurros nítidos.
Lembro
do segundo dia no quarto, trancado como se eu mesmo tivesse jogado a chave da
porta fora em um lago qualquer. Lembro de a Sra. Thomaz entrar no meu quarto e
me dizer que estava resignando um substituto. Pois Felipe havia adoecido e
estava indisposto.
Concordei
com qualquer coisa que ele disse a seguir, ele não era tão corajoso quanto
pareceu há duas noites atrás.
Nos
próximos dois dias, meu enfermeiro responsável lutou contra a minha falta de
vontade de comer, meu desanimo e todas as vezes que eu o ignorei.
Talvez
se eu tivesse ignorado todos os meus pensamentos eu não teria chegado aonde
estava. Talvez eu não teria aprendido nada. Mas seria melhor do que a carca
emocional que estava pesando nas minhas costas.
Me
sentia incapaz e ao mesmo tempo que dava ouvidos aos pensamentos ruins que me
sondavam me sentia cada vez mais fraco.
Sentei
na cama olhando a bandeja em cima do criado mudo, nela havia uma maça vermelha
cintilante e um copo de suco de laranja.
Quanto
mais olhava para ela meu estomago embrulhava. É estranho ser eu.
Estranho, idiota...
–
Obrigada – reconheci a voz assim que ela ecoou pelos meus ouvidos fazendo com
que eu levantasse a cabeça. Valerie encontrou os meus olhos assim que varreu o
quarto com toda a sua atenção.
Eu
a encarei com medo, fazia um tempo desde que a vi pela última vez e menti sobre
a minha vida estar perfeita e cheia de amigos, nem me lembro da última vez que
me senti acolhido. De verdade.
Ela
se aproximou segurando um cardigã e uma bolsa em uma das mãos, Valerie estava
com o cabelo um pouco maior o que me fez se perguntar há quanto tempo estava
ali. Ela usava uma camiseta lisa branca e uma saia preta, seus pés estavam
calçados com um escarpam preto e com eles seus passos pareciam mais leves.
Ela
parou bem na minha frente e com um movimento delicado se ajoelhou ficando da
minha altura.
–
Oi – eu disse com a voz rouca e sonolenta.
–
Fiquei preocupada, você não estava aparecendo nas sessões há um tempo. Entrei
em contato com a sua mãe e ela me contou aonde você estava.
–
Ela me prendeu aqui – disse frigido.
–
Acredito que foi para o seu bem, Enzo – ela começou e arranhou a garganta – por
que não me contou o que estava acontecendo aqui – ela tocou a ponta do dedo
indicador na minha testa – e aqui – e depois no meu peito – eu precisava saber
o que estava acontecendo com você.
–
Estava cansado de falar sobre os meus problemas, Valerie – eu sorri
envergonhado por ser desmascarado – me tira daqui.
–
Eu não posso, ainda mais agora que conversei com a Sra. Thomaz e ela me contou
que você regrediu no seu tratamento, não está comendo, não está saindo para
fora. Você voltou a ter pensamentos ruins?
–
Eles estão sempre aqui. Na minha cabeça.
–
Eu te disse uma vez que você tem o poder de bani-los, não escute eles, Enzo,
apenas ignore-os.
Abaixei
a cabeça desviando de seus olhos, Valerie se levantou e sentou-se na cama ao
meu lado. Ela ficou em silencio e aquilo fez com que a minha mente dissesse: você é uma decepção, você precisa morrer.
–
Eu não consigo – comecei e as lagrimas não se conterão e começaram a
transbordar pelos meus olhos – essa voz... essa voz aqui dentro me atormenta,
Valerie.
Com
a ponta dos dedos, Valerie ergueu a minha cabeça e eu fechei os olhos.
–
Não, quero que você abra os olhos, Enzo.
Quando
abri os olhos eu vi o meu reflexo em um espelho pequeno que ela segurava com a
outra mão.
–
O que você? – Ela perguntou olhando nos meus olhos por cima do espelho
emoldurado.
–
Eu não sei, o que devo ver?
Tudo
o que enxergava era um garoto de rosto pálido com os ossos da bochecha saltando
do rosto, os olhos fundos e os lábios quase roxos. Tudo o que via era um garoto
fraco.
–
Quando acordo pela manhã eu me olho neste mesmo espelho, eu dou o meu melhor
sorriso e digo para eu mesma que vou conseguir – ela fez uma pausa e virou o
espelho para ela mesma – Eu vou conseguir – ela voltou o espelho para mim – o
que você vê agora?
–
Um garoto que a mãe não tem tempo para ouvi-lo. Eu não consigo ver o meu
melhor, eu não consigo me ver daqui cinco anos. Eu não sei se consigo.
–
Eu acredito em você – ela disse recolhendo o espelho deixando o espaço entre
nós livre -, mas não adianta eu acreditar e você não.
–
Eu consigo.
–
Não quero que diga da boca para fora – ela sorriu – quero que você realmente
acredite que vai conseguir, não precisa ser agora, mas você precisa acreditar
que é um guerreiro e um guerreiro de verdade não desiste de suas batalhas.
Sorri,
era tudo o que eu estava precisando. Valerie era a pessoa que eu precisava
ouvir naquele dia. Eu assenti concordando.
–
Eu vou tentar daqui para a frente.
–
Espero que sim, Enzo, pedi para a Sra. Thomaz liberar você para me ligar quando
estiver precisando conversar e espero que me ligue. Valerie se levantou e pegou
seu cardigã e bolsa e sorriu caminhando até a porta – tenho que ir, mas vou te
deixar um desafio: quero que você tente comer algo hoje durante o jantar, mas
para isso você terá de se juntar aos outros.
Sorri
e foi o tempo suficiente para ela abrir a porta e dar espaço para Felipe entrar
com o seu novo corte de cabelo e o seu jaleco incrivelmente branco.
–
Como está se sentindo? - Ele perguntou entrando como se nada tivesse
acontecido.
–
Me sinto ótimo – respondi levantando-me da cama, três batidas na porta e
Leandro entrou colocando primeiro sua cabeça para dentro e depois o corpo.
–
Oi – ele disse – eu precisava te ver.
–
Quatro dias – eu disse referindo-me ao tempo que ficamos afastados.
Felipe
olhou para ele encarando-o dos pés à cabeça.
–
Quero que saia do quarto, não está na hora de sair dos alojamentos ainda –
indagou Felipe colocando-se de frente a Leandro que deu um passo à frente como
se fosse enfrenta-lo – Eu não tenho medo de você.
–
Pois deveria ter – Disse Leandro dando a volta em Felipe para se aproximar de
mim – tome uma ducha e fique pronto, você perdeu alguns dias e precisamos
conversar sobre o banheiro.
Leandro
passou por Felipe sem nota-lo e fechou a porta ao sair do quarto. Felipe me
encarou dos pés à cabeça como se estivesse se perguntando o que o banheiro
seria.
–
Quero que saia do quarto, quando sair do banho e estiver pronto eu saio –
ordenei e ele engoliu seco uma resposta que talvez não estava pronto para dar.
–
Devo dizer que o que houve naquela noite deve ficar apenas entre nós – disse
Felipe caminhando em direção a porta.
–
Pensei que nada tivesse acontecido – me virei para segui-lo com os olhos – por
que sumiu por dias? Vergonha – não deixei que ele respondesse – saia.
Ele
saiu e fechou a porta. Fechei os olhos prometendo a eu mesmo que não choraria
naquele dia.
Tomei
uma ducha fria tentando acalmar meus pensamentos sombrios, mas eles eram fortes
e repediam continuamente e eu era doente.
Fechei
a ducha e passei a mão no rosto, respirei fundo e sai de dentro do banheiro.
Leandro estava sentado de costas, olhando para a janela, rapidamente me enrolei
na toalha e arranhei a garganta.
–
Oi – disse e ele se virou me encarando nos olhos – pensei que fosse esperar lá
fora.
–
Precisava falar com você, eu me segurei em pensamentos para não entrar lá
enquanto você se banhava.
–
Ainda bem que não o fez – disse com um sorriso no rosto me aproximando com
pequenos passos.
Leandro
se endireitou na cama sem tirar seus olhos dos meus, seu rosto estava corado e
seus olhos brilhavam, a luz que passava pela janela de dava um resplendor
deixando-o ainda mais magico e belo.
– O que quer falar? – Perguntei quando o silencio
tomou conta do quarto.
Ele
me olhou por mais alguns segundos.
–
Aquele dia, o dia do banheiro – ele abaixou a cabeça – eu enlouqueci, sinto
muito.
– A culpa foi minha – disse me aproximando um
pouco mais, ele se levantou eufórico e correu para o outro lado do quarto –
sinto muito ter apressado as coisas, não era a minha intenção.
–
Você sabe por que estou aqui? – Ele perguntou olhando para o chão como se
estivesse envergonhado.
–
Você nunca entrou em detalhes...
– Hum – ele sorriu brevemente – sabe como
funciona? – Ele fez silencio – é um impulso, qualquer coisa impulsiona, você
nem imagina o quanto tenho que me acorrentar ao chão para não beija-lo agora,
arrancar a toalha do seu corpo e foder com você - Dei um passo para trás – as
vezes eu não tenho controle sobre o meu corpo, Enzo. Minha cabeça fica
projetando a sua imagem de quatro e eu atrás de você, e daí para frente – ele
levantou a cabeça me olhando nos olhos – não quero que sinta medo, mas também
não quero que se entregue, eu não tenho controle.
–
Eu não tenho medo – dei um passo para frente e ele um para trás – eu sei que
sou mais novo, na verdade nunca fiz nada disso com ninguém, apenas você despertou
este desejo em mim – dei mais um passo e ele ficou parado – eu estou
completamente apaixonado por você.
–
Eu também, por isso fiquei longe durante alguns dias, quero poder resistir a
esses pensamentos insanos de te machucar com o meu pau – eu sorri e por um
momento ele também – você me deixa louco sabia.
–
É melhor não falar isso aqui – sorri – eu vou tomar mais cuidado.
–
Só até eu poder sair daqui, aí seremos apenas eu e você – ele caminhou até a
porta – vou deixa-lo se trocar, é melhor eu esperar do lado de fora.
Ele
saiu e eu me vesti rapidamente. Estava pronto para sair para fora e respirar ar
puro.
As
coisas que Leandro disse fez com que todos os meus pensamentos ruins fossem
embora, nada podia estragar a minha felicidade. Nada?
Abri
a porta e senti o cheiro da grama úmida do jardim, um vento gelado me chicoteou
e eu respirei fundo.
Vi
Felipe afastado do outro lado do jardim conversando com um outro enfermeiro,
Leandro estava ao meu lado quando dei um passo a frene começando a caminhar
lentamente pelo jardim.
–
Senti muito a sua falta – eu disse – fiquei com raiva, mas depois passou.
–
Senti muitas coisas nesses últimos dias e minutos – ele sorriu olhando para as
rosas brancas -, mas agora está tudo bem. Eu me sinto bem perto de você.
Caminhamos
em silencio, observei Carol caminhando e tentando fugir da sua enfermeira,
Leandro fez um comentário maldoso sobre ela usar coleira, e eu não consegui
evitar o riso. Sentamos em um banco próximo ao muro de tijolos vermelhos,
tínhamos a visão de todo o jardim e eu observava todo mundo.
–
Você fala com ele? – Disse Leandro, referindo-se a James que nos observava do
outro lado do jardim.
–
Apenas uma vez – respondi – ele não é muito de conversar como você.
–
Eu basicamente me atirei em cima de você no primeiro momento que te vi – ele
deu uma breve risada e me encarou – se tivéssemos nos conhecidos do lado de
fora.
–
Bem antes da loucura na minha vida começar – respirei fundo – tudo teria sido
melhor.
–
Talvez sim – ele sorriu sem tirar seus olhos dos meus, com a ponta de seus
dedos finos ele acariciou o meu braço levemente, estava usando um moletom de
manga longa azul claro então mal pude sentir seu toque, mas foi o suficiente –
talvez tudo isso já tinha sido planejado, acredito que todas as coisas
acontecem por um motivo.
–
Você é religioso, Leandro?
Ele
sorriu voltando a encarar o verde vivido da grama.
–
Não, mas não precisa ser religioso para acreditar no destino. Se você está aqui
hoje é por que de uma forma ou de outra estaria aqui um dia. Veja eu, é a
terceira vez que me interno neste lugar, e não é pela comida que é boa.
Ele
levantou sua mão e a levou até o meu rosto acariciando-o.
Seu
toque fazia com que a minha pele formigasse com cócegas deliciosas. Seu toque
fazia com o meu estomago se enchesse de pequenas borboletas.
–
Eu juro, nunca te machucar, Enzo – ele disse e eu fechei os olhos envergonhado e
continuou – por que eu te...
A
mão dele arranhou o meu rosto e eu abri os olhos encarando-o caído no chão.
Levantei a cabeça e vi Carol com um tijolo de barro vermelho nas mãos, ela
estava com um sorriso sinistro no rosto.
–
Ele nunca mais vai te machucar, amigo – ela disse antes de eu cair ajoelhado na
grama tentando fazer com que Leandro acordasse me sentindo incapaz do feito.
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