Em Minha Mente - Complicado
Complicado13
Ele com certeza me viu, tentou disfarçar da
forma que pode seguindo seu caminho pelo corredor largo usando a camisola do
hospital, um tecido com leve tom azulado.
Minha mãe se levantou me deixando de seus
braços e sorriu me encarando, voltei a olhar para ela tendendo esquecer a
miragem que ainda se repetia na minha cabeça. Ela sorriu, não me lembrava da
última vez que a vi sorri.
– Vou falar com algum medico que possa me
dizer quando você poderá voltar para casa.
– Tudo bem – respondi com a voz baixa e
abafada.
Estava tentando me controlar, meu corpo lutava
para não se levantar da cama e correr atrás de Leandro, meu corpo lutava com a
minha mente para que ela pudesse tomar alguma atitude, mas tudo o que eu me
ordenei a fazer foi ficar deitado olhando para o teto branco enquanto minha mãe
se afastava do quarto.
De certa forma, estava com medo, talvez medo
do que fosse falar para ele, inseguro com a sua reação, não queria lhe causar
mais nenhum dano em vista do que aconteceu nas ultimas vezes em que nos vimos.
Certo, que tudo isso tinha um culpado
declarado. E isso me fez perceber que o culpado ainda não havia sido mencionado
pela minha mãe.
Olhei para a porta ansioso pela volta dela e
então ele surgiu emergindo do corredor iluminado como se todo o esplendor de
luz fosse de sua responsabilidade.
Com uma das mãos Leandro se apoiava no
ladrilho da porta e a outra mão estava para trás como se ele escondesse algo.
Ele me olhava com aqueles olhos vibrantes, seu rosto estava pálido como se eu
fosse uma assombração que lhe tivesse feito uma aparição repentina.
– Oi –
disse ele finalmente quebrando o vidro do silencio. Continuei calado olhando
para ele, suas pernas estavam de fora e ele calçava uma sapatilha branca como
se fossem duas tocas para os pés, ele engoliu algo e se aproximou
desencostando-se do ladrilho da porta -
o que aconteceu para você estar aqui? – Ele estava a dois metros de
distância da minha cama, mas ainda assim eu sentia o seu cheiro e calor, era
estranho a minha pele arrepiar daquela forma, mas mesmo assim eu não consegui
falar nada – Eu sei que eu te assustei – ele continuou – e sinto muito por isso
e por todas aquelas coisas horríveis que eu disse.
– Oi – disse minha mãe entrando no quarto –
posso te ajudar?
– Eu só errei o meu quarto, sinto muito –
disse Leandro virando-se para sair.
– Eu também sinto – eu disse e ele parou,
olhou para trás e buscou pelos meus olhos encontrando-os com os seus – eu sinto
muito por tudo ter sido minha culpa, desde o seu ataque até o que te trouxe
aqui.
– Não – ele se aproximou o mais rápido que
pode, passando pela minha mãe que apenas observava atentamente – você não é
culpado de nada, eu sou, eu menti, eu te usei como uma saída da minha vida,
imaginei coisas horríveis e me arrependo disso, mas sabe de uma coisa? – Ele
olhou para a minha mãe e voltou a me encarar – Você com toda certeza foi a
melhor pessoa que eu conheci em toda a minha vida e quero que continue sendo
essa pessoa maravilhosa que você é – ele segurou a minha mão fria com a sua mão
quente – quero que você lute contra todos esses pensamentos ruins que você tem,
quero que você acorde algum dia e se lembre de tudo isso que você passou, quero
que reflita que tudo isso não foi um castigo ou algo assim, foi um ensinamento.
Um ensinamento que a vida lhe deu, você é um jovem muito forte, e tem que
acreditar nisso, tem que acreditar que tudo acontece por alguma razão e que se
você está passando por tudo isso agora, é para que num futuro próximo você
possa ajudar alguém como você.
– Obrigado – disse com os olhos cheios de
lagrimas, minha mãe já estava limpando o rosto.
– Te vejo por aí – disse Leandro – assim que
eu terminar o meu tratamento vou querer saber como você está, então melhore
logo – ele caminhou até a saída – foi um prazer conhece-la Sra. Walker.
– Mãe, não era para você ter ouvido isso – eu
sorri.
– Ele parece ser uma ótima pessoa.
– Sim, ele é.
Respirei fundo e olhei ao meu redor, tudo o
que Leandro disse era verdade e somente naquele momento tinha percebido aquilo.
– Tenho uma ótima notícia – disse minha mãe
animada – você receberá alta antes do seu aniversário, então até sexta-feira já
estará em casa.
Essa era provavelmente a melhor notícia que
havia recebido, naquela semana, meu aniversário seria no próximo sábado e tudo
o que eu queria era voltar para a minha casa e esquecer todos os meus problemas
antes disso tudo.
É claro, vou levar muita coisa comigo, pois é
uma carga emocional pesada demais para se jogar pela janela, mas estava
entusiasmado em levar apenas as coisas boas.
Os dias seguintes no hospital foram seguidos
de longas caminhadas pelos corredores extensos e brancos, conhecendo novas
pessoas e me apaixonando por suas histórias. Longas horas de fisioterapia e
muita conversa sobre os meus sentimentos com Valeria McCall, ela sempre muito
paciente com os meus devaneios e sorridente com as minhas vitorias.
– Estou muito feliz pela sua melhora, Enzo –
Ela disse sentada na cadeira de tecido de veludo no canto do quarto, Valerie
segurava seu bloco de notas em uma das mãos enquanto brincava com a caneta na
ponta dos dedos esguios.
– Quero muito ir para casa e voltar com a
minha vida, Valerie, voltar a estudar e ter amigos novamente.
– É tudo o que te desejo, mas no começo você
vai sentir todos olhando para você, não quero que se aflita por isso, essa é a
reação que esperamos deles, mas não quer dizer que você não possa voltar a
escola.
Valerie se levantou e pegou sua bolsa amarela
de cima da mesa de apoio, ela guardou a caneta e o bloco de notas e se
aproximou.
– Eu quero que tudo dê certo a partir de
agora, vou controlar meus pensamentos e evitar que eles me controlem.
– É uma longa luta, isso posso te dizer, mas
tenho certeza de que você está pronto para vence-la – Ela passou a bolsa no
braço e se curvou dando-me um beijo na testa – Eu preciso ir, mas prometo fazer
uma próxima visita, lembre-se se as coisas ficarem complicas coloque uma música
e dance, não vai dar certo sempre, mas já é meio caminho andado para uma
melhora.
– Obrigada, Valerie – Agradeci pelo concelho,
Valerie saiu do quarto no mesmo momento em que minha mãe entrou com um sorriso
no rosto empurrando uma cadeira de rodas.
– Eu sei que você não precisa disso, mas é
procedimento do Hospital para quem está indo embora.
Então estava na hora de eu começar uma nova
vida, estava na hora de eu ver como tudo podia melhorar.
Talvez algum dia, em alguns anos eu perceba
que tudo o que me aconteceu naquele fim de semana foi para o meu crescimento.
Minha mãe me contou um pouco da nova casa,
ficava em um bairro vizinho ao que morávamos, e logo de cara adorei ela, a
frente tinha um jardim esplendido e colorido, com orquídeas e petúnias, a grama
era tão verde que refletia nas ripas de madeira que revestia a fachada da casa,
os ladrilhos das portas e janelas eram branco marfim, era possível ver as
cortinas do lado de fora, ela estacionou na frente da garagem e eu desci do
carro caminhando pelo caminho de concreto cinzento até a porta principal, a
sala era bem decorada em tons de palha, o assoalho de carvalho vermelho, a
lareira era de tijolos vermelhos e alguns detalhes em mármore preto, a sala de
jantar ficava logo atrás abrindo espaço para uma mesa longa de oito lugares até
a cozinha que seguia a mesma paleta de cores da sala, na parede lateral uma
saída para os quartos.
Logo senti a emoção de um novo lar, nos
últimos dias me sentia vivo e com um pouco mais de esperança no meu futuro, faz
tempo que eu não escuto aquela voz sombria na minha cabeça, falando coisas
ruins e fazendo eu me sentir péssimo
Meus próprios julgamento.
Meu primeiro dia na casa foi tranquilo e eu
adorei. Minha mãe manteve a mobília do meu antigo quarto, a não ser pela nova
cortina pesada que impedia a claridade de passar pela janela durante a noite.
No jantar ela fez o meu prato favorito, lasanha à bolonhesa com muito molho.
E quando eu estava prestes a levantar para
limpar o prato minha mãe anunciou:
– Teremos um convidado no jantar de amanhã –
ela disse em bom som, então eu a encarei como se estivesse perguntando
mentalmente ‘quem poderia ser’, mas antes de eu abrir a boca ela continuou – é
aquele seu enfermeiro, Felipe, ele insistiu...
Parei de escuta-la, um zumbido ecoou nos meus
ouvidos e minha visão escureceu por alguns longos segundo, minha respiração foi
interrompida, mas eu me mantive em pé, lutando contra a minha própria queda,
lutando para que minha mãe não percebesse que tudo o que eu fiz foi fingir que
estava tudo.
– Enzo? – Ela perguntou levantando-se
rapidamente pronta para qualquer que fosse sua forma de me ajudar.
– Eu estou bem – respondi mentindo – faz tempo
que eu não como comida de verdade, acho que foi isso.
Ela sorriu e se levantou.
– Você é um menino forte, estou orgulhosa de
você – ela disse e caminhou em direção a cozinha. Aquela era a única coisa que
ela podia ter dito para me fazer forte, e acreditar nas suas palavras me fez
forte.
Segurando o mal-estar que percorria o meu
corpo caminhei em sua direção e coloquei o meu prato na pia.
– Se quiser ir descansar, eu organizo a louça.
– Obrigado mãe.
Caminhei em direção ao meu quarto, e fechei a
porta assim que entrei, com as mãos nos joelhos senti bater a ânsia de vomito
na bile da garganta, era isso que todos aqueles sentimentos embrulhados fazia
comigo. Sentei na cama puxando a respiração forte como se o meu próprio pulmão
quisesse impedir a entrada de ar. E então a imagem do rosto de Felipe me veio a
cabeça.
E as conexões fizeram sentido, o fato dele
estar dentro da minha antiga casa, estar perto o suficiente para ter
assassinado o meu pai, e perto o suficiente para se encarregar da única pessoa
que o viu fugir pela janela quebrada.
E foi nessa linha de pensamento que passei a
noite, tentando imaginar como, de que forma poderia me livrar daquele jantar e
sua companhia.
Passei a noite em claro e quando o dia
amanheceu não estava cansado e sim apavorado com a ideia de colocar tudo em
risco com as minhas deduções.
Levantei da cama e caminhei até o banheiro ao
lado do meu quarto no corredor extenso. Fechei a porta atrás de mim.
Encarei o meu reflexo perplexo no espelho,
tinha certeza de que eu podia ser melhor do que aquilo, tinha certeza de que eu
podia passar por esse jantar que seria completamente estranho sentando-se ao
lado de quem me machucou tão profundamente quanto eu mesmo fiz.
O dia passou da forma mais lenta que seria
possível, e antes das seis horas, recebi uma visita.
– Ele está na cozinha – ouvi minha mãe dizer
depois de abrir a porta.
Sentado na banqueta da ilha da cozinha olhei
em direção a porta e vi Miguel parado me encarando. Foi uma súbita sensação de
felicidade. Tentei controlar todos aqueles sentimentos bons que percorriam as
minhas veias, mas quando me vi estava em seus braços.
Ele me abraçou forte como um anjo protetor,
dentro de seu abraço pude ver minha mãe sorrindo ao nos ver.
Miguel me soltou de seus braços e segurou o
meu rosto me dando um breve beijo nos lábios, acho que nem ele percebeu o que
havia feito até a minha mãe coçar alto a garganta atrás dele.
– Estou tão fez em vê-lo, quando Lili me
contou que você havia sido liberado, não pude fazer outra coisa a não ser vir
te ver – ele disse atropelando uma palavra em cima da outra.
– Ela provavelmente sabe por que alguém contou
para a mãe dela – olhei para minha mãe que acabara de se sentar no sofá – e
você? Me conte como está? – Perguntei sorrindo olhando em seus olhos.
– Feliz, ótimo e melhor agora – ele fez uma
pausa – E você, como se sente aqui fora?
– Vamos conversar lá no meu quarto – eu o
puxei pela mão caminhando pelo corredor até entrar no meu quarto.
Entrei e abri as cortinas, fechei a porta e o
encarei.
– Sua mãe...
– Ela meio que já sabe – fiz uma pausa – eu
acho, bom, estou bem.
Miguel se aproximou e tocou o meu rosto.
– Senti tanto a sua falta, eu nem sei porque
nos afastamos este ano.
– Eu nos afastei – seu toque me arrepiou.
Ele desceu sua mão até as minhas costas e me
puxou para perto de si colando o meu corpo ao seu e então senti seus lábios nos
meus.
O beijo doce e suave, o toque de seu corpo no
meu.
Me desembaracei dele e olhei em seus olhos.
– Eu preciso que me faça um favor – disse
fazendo ele prestar atenção no que estava a falar – preciso que venha na minha
casa hoje, lá pelas seis horas, mas você não pode entrar, mas fique pronto para
qualquer coisa que precisar fazer.
– Como assim? – Ele perguntou confuso com o
pedido.
– Qualquer coisa preciso que ligue para a
polícia, eu não confio em quem virá para o jantar de hoje.
Miguel ficou me encarando preocupado, ele não
entendeu muito bem meu pedido, não é todos os dias que se pede para um amigo
ficar à espreita para chamar a polícia, então fui obrigado a contar tudo, desde
o começo, todas as formas que me senti manipulado por ele, formas que agora eu
sei que fui.
Contei de como o conheci, de como ele parecia
querer me proteger, mas que na verdade só estava se protegendo, tudo o que
Felipe queria na verdade era ter certeza de que seu segredo estava a salvo. Mas
agora, não mais, então de todas as maneiras eu só precisava tê-lo em casa, e
sabia muito bem que as coisas não terminariam bem.
Não era bem assim que esperava ser o primeiro
encontro entre eu e Miguel após a minha saída da clínica, mas não tinha outra
pessoa com que pudesse contar.
Do meu quarto escutei a campainha tocar,
encarei Miguel que parecia congelado, aquele era o momento, não tinha como
correr.
Talvez seja esse o destino, pensei, era a hora
de enfrentar os meus medos.
Respirei fundo e caminhei junto a Miguel até a
sala, aonde encontramos minha mãe abrindo a porta recepcionando Felipe que
segurava um casaco vermelho em uma das mãos.
Ele sorriu quando nos viu, mas Miguel não o
cumprimentou, apenas seguiu o seu caminho para a saída, vi os dois se
encararem, Felipe querendo intimida-lo e ele como se não estivesse sentindo
medo algum.
– Pensei que o Miguel ficaria para o jantar –
disse minha toda sorridente.
– Ele estava com pressa – disse ainda
encarando Felipe.
Minha mãe sorriu, e olhou para Felipe que
assentiu como se quisesse dizer algo que lhe estava engasgando.
Eu o encarei, não sabia o dizer ou de qual
forma deveria agir. Talvez se o surpreendesse com alguma pergunta peculiar ele
reagiria da forma que eu queria.
Talvez se o atacasse ele retaliaria, ele tinha
que fazer algo, ele deveria ter algo na manga, não poderia ser apenas um jantar
comum, afinal, nem mesmo eu tinha coragem de encurrala-lo.
Foi difícil quando minha mãe pediu para
esperarmos quinze minutos na sala, enquanto finalizava o jantar.
Ele sentou-se do meu lado, como se realmente
quisesse algo de mim.
– Sinto muito pelos acontecimentos – ele arranhou
a garganta – pelos últimos acontecimentos, quero dizer. A Diretora me afastou
das minhas atividades, ela disse que precisava de um descanso.
Era tarde para desistir, sempre foi tarde para
desistir, embora na minha cabeça passasse um filme sobre a minha longa estadia
na clínica, todos os rostos que eu vi, histórias diferentes, as diversas vezes
que me senti sozinho.
– Talvez seja melhor mesmo.
– Como se sente? – Ele perguntou e se
endireitou para olhar nos meus olhos que fugiram de seu encontro rapidamente.
– Bem – respondi rápido – é melhor aqui fora.
– Também acho – ele sorriu e foi como um imã
que puxou meu olhar para o seu sorriso, um impulso natural que ocorria – a vida
acontece do lado de fora das nossas pequenas e complicadas caixas.
Fiquei em silencio e rapidamente voltei a
encarar o nada, na minha cabeça ainda continuava passando imagens da clínica,
este momento estava caminhando entre a trilha no canteiro de rosas vermelhas,
ao meu lado está Leandro.
– Sinto muito pelo mal-entendido – Felipe começou
com seu discurso – não queria parecer estar te influenciando de alguma forma,
sempre torci pela sua melhora e saída, não faz bem para ninguém ficar presa com
seus próprios pensamentos – ele colocou a ponta de seus dedos gelados na minha
perna, estava usando uma bermuda de moletom e ele tocou a minha pele, no meu
joelho e foi como um choque - as vezes
nem eu mesmo me entendo, é normal esses sentimentos conflitantes.
Levantei rápido e o encarei nos olhos
novamente, acho que ele também havia planejado algo para a noite, estava agindo
com calma e cautela em todas as suas palavras.
Aquele era o meu conflito. E eu só tinha que
acabar com ele.
– O jantar está na mesa – disse minha mãe
surgindo de trás da parede.
Ela era muito ingênua para eu poder desconfiar
que ela estava escutando na nossa conversa, ou ela apenas se fazia.
Posso acreditar que tive uma certa culpa em
alguns fatos que ocorreram depois de sentarmos na mesa, a mancha de sangue no
tapete da sala, a cristaleira quebrada no chão da sala de jantar.
Sou culpado pelo fato de mais tarde sentar
para contar tudo, desde de o começo para um detetive, culpado de conhecer
alguém próximo de Felipe para saber a verdade sobre ele.
Não tenho palavras para descrever o quanto
doeu e o quanto senti quando vi minha mãe caída no chão. Mas devo dizer o quão
satisfatório será quando der um fim aos meus sentimentos mais sombrios.
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