Em Minha Mente - Destrutível
Destrutível12
Em
minha mente, desta vez, apenas desta vez eu tinha certeza de que tudo aquilo já
havia passado de ser delírios contundentes, era tudo a minha realidade. Tudo o
que a minha cabeça projetava era tão nítido e eu via tudo de forma mais clara
possível. O Enfermeiro substituto pediu que eu me acalmasse e eu não sei por
que fiz isso, mas apenas sentei na cama olhando diretamente para o guarda-roupa
de madeira escura e fiquei ali parado por horas. Apenas juntando os pontos
juntando pelo menos aquilo o que fazia pare de meu entendimento.
É
claro que eu não estava ficando louco, realmente era Felipe nas minhas
memorias, ele que estava parado na minha frente usando aquelas botas pretas, o
casaco escuro, talvez a pancada na minha cabeça tenha feito eu me esquecer de
alguns fragmentos daquela noite, porém, tudo veio para clarear a minha mente.
O
despertador tocou em cima do criado mudo ao lado da minha cama, eu me levantei
como todos os dias, passos lentos e calmos, apertei o botão que sessou o
barulho estridente e me dirigi até o banheiro. De forma rápida me despi
deixando as roupas em cima do cesto de roupas sujas, puxei a cortina de
plástico que tocava o chão e abri a ducha que logo começou a jorrar água quente
no lugar da fria. Entrei debaixo da ducha e deixei que a fervura fizesse com
que meu corpo se arrepiasse com o toque da água quente, foi bom e revigorante,
deliguei a ducha e me estiquei para alcançar a toalha que estava no suporte
preso a parede, me sequei e a enrolei na cintura. Com os pés descalços caminhei
até a porta e a abri, meu corpo congelou quando vi Felipe sentado aos pés da
cama.
Eu
não consegui me mexer, meus olhos estavam fixos aos dele que sorria como se
estivesse sendo fotografado para uma capa de revista.
Era
estranho vê-lo depois de ter recordado da noite que acabou mudando a minha
vida. Respirei fundo puxando máximo de ar para dentro dos meus pulmões e
caminhei ignorando ele no quarto.
Abri
a porta do guarda roupa e deixei que a toalha caísse no chão, procurei pelo meu
último conjunto moletom azul em meio ao amontoado de roupas bagunçadas
ignorando completamente o fato dele estar me observando nu.
Vesti
uma cueca, e logo a calça moletom azul claro, uma camiseta branca e por cima um
casaco azul no mesmo tom da calça.
Olhei
para os pés da cama avistando as pantufas, caminhei até elas e as calcei.
Felipe ficou calado e apenas me acompanhou quando sai do quarto caminhando em
direção a casa grande. Eu não olhei para trás, eu não queria ver o canteiro de
rosas novamente, nem o jardim, não queria ver a grama verde, nem mesma a que eu
pisava a caminho do que estava a acontecer.
Quando
entrei pela porta lateral na casa, ignorei a todos pelos cumprimentos educados
e segui reto no corredor, passei pela sala aonde havia o piano que ninguém
tocava, passei pelas portas dos banheiros – aquele banheiro – passei então pelo
refeitório e foi quando escutei a voz do Felipe pela primeira vez naquela manhã.
–
Aonde você vai? – Ele perguntou, mas eu continuei ignorando-o seguindo reto com
passos confiantes.
Eu
o escutei me seguindo, então virei no corredor entrando na sala da Diretora sem
anúncios, ele parou na porta e eu o encarei. A Sra. Thomaz me encarou assustada
pela minha presença, eu assenti para Felipe que revirou os olhos como se
protestasse por algo e fechei a porta.
Fiquei
em silencio encarando a Sra. Thomaz, eu não sabia exatamente por onde começar,
não sabia exatamente como contar para ela que o assassino do meu pai estava
responsável por mim.
As
palavras simplesmente figuram da minha cabeça e eu estava a mercê da falha.
Pois
foi por apenas um deslize que tudo acabou mau.
Querido
diário, quero dizer que a partir daqui você provavelmente vai ficar
decepcionado comigo, mas espero que entenda, pois não teve como lutar contra o
que estava dentro de mim. Meu pensamento.
–
Walker, posso te ajudar em alguma coisa? – Perguntou a Sra. Thomaz e foi como
um gatilho emocional.
–
Há alguns dias o enfermeiro Felipe me levou para o apartamento dele...
–
O que? – Ela perguntou espantada, me interrompendo.
–
Isso mesmo – continuei – fomos escondidos no carro dele, e lá aconteceu uma
coisa que eu não estou confortável em dizer.
–
Sente-se, Enzo, por favor.
Eu
o fiz, puxando uma cadeira, ela se sentou na minha frente do outro lado da mesa
de vidro. Era possível ver suas pernas balançando descontroladamente com um
momento ansioso.
–
Agora me conte detalhadamente como foi que você saiu das nossas instalações –
ela pediu falando cada palavra pausadamente.
–
Durante o dia, Felipe anunciou uma surpresa, imaginei qualquer coisa, mas no
meio da noite ele pediu silencio e me fez segui-lo para fora do prédio,
entramos no carro dele que estava no estacionamento e ele me levou para o
apartamento dele, que fica depois do centro da cidade – tudo o que eu pensava
era na raiva que estava sentindo dele, tudo foi culpa dele, os meus delírios,
ele era o motivo de eu estar ali – era um lugar divertido, Sra. Thomaz. Mas
então ele começou a falar umas coisas estranhas, e me beijou.
Pensei
que ela fosse cair da cadeira de encosto alto como o de um trono, pois, ela
saltou da cadeira de forma que me assustou fazendo-me levantar junto a ela.
–
Só um minuto – ela pegou o celular e discou um número, ela falou baixo do canto
da sala e em menos de um minuto eu escutei duas batidas na porta – entre.
Felipe
abriu a porta me encarando com seus olhos castanhos, seus lábios eram uma linha
reta em seu rosto, a expressão de quem estava com medo, suas sobrancelhas
estavam alinhadas para cima e sua testa enrugada, seus ombros tensos como a sua
postura.
–
Sim, Sra. Thomaz – disse ele desviando o olhar para encara-la.
–
Enzo veio até a minha sala para me contar uma história interessante, sobre um
passei que vocês deram, um dia desses. O que tem para me dizer sobre isso?
–
Passeio? – Ele fingiu não saber.
–
O beijo – eu disse fazendo ele me encarar novamente.
–
Beijo? Eu nunca te beijaria – ele olhou para a Sra. Thomaz – ele está mentindo
e isso é claro, tão claro como hoje pela manhã que ele acidentalmente deixou a
toalha cair enquanto se vestia. Ele vem tentando fazer ou me atrair de alguma
forma todos os dias.
–
Isso é mentira – eu gritei em bom tom.
–
Por favor, acalme-se, Senhor Walker – pediu a Diretora.
–
Eu não acredito que você está mentindo sobre o beijo, sobre as inúmeras vezes
que tentou me tocar, ou o fato de ter me conhecido bem antes daqui...
Minha
boca secou, meu coração martelava rápido demais no meu peito e minha respiração
estava tão ofegante que quase me faltava ar.
–
Como? – Perguntou a Sra. Thomaz.
–
Como pode ver ele está fora de si, a mãe dele avisou sobre esses ataques que
ele sobre, essas coisas que ele pensa ver.
–
Eu sei que foi você, eu lembro de te ver, Felipe. Eu nunca me esqueceria do seu
olhar na meia luz da lua. Nunca.
–
É bom deixa-lo separado dos outros, não sabemos exatamente o que mais ele é
capaz de fazer com suas loucuras.
Sabe
o sentimento de confiança que sentia enquanto caminhava em direção a aquela
sala, não existia mais. Ele estava conseguindo se livrar, dava para ver no
olhar da Sra. Thomaz que me fitava com desaprovação, da mesma forma que meu pai
me olhava.
Ela
não estava acreditando em mim.
–
Você disse que me amava, que sempre me amou – eu gritei dando passos furiosos
em sua direção – você é um assassino, é você quem tem que ficar longe das
pessoas.
Felipe
grudou nos meus braços com suas mãos firmes e me chacoalhou gritando:
–
Cala-a-Boca.
–
Hey – Isso fez com que ele me soltasse e olhasse para a Sra. Thomaz que naquele
momento estava parada ao meu lado – Lorenzo, quero que vá para o seu quarto.
–
Ele pediu para a Carol atacar o Leandro no jardim, eu ouvi ele conversando com
ela no quarto. Ele estava agradecendo a ela – disse sem tirar os olhos dos
dele.
–
Lorenzo vá para o seu quarto agora.
Dei
um passo para o lado e a encarei, eu estava no meu limite, e queria sair dali a
qualquer preço.
–
Leandro é outro ninfomaníaco doente.
Minhas
mãos nunca foram mais rápidas do que naquele momento, com força eu mirei nele e
acabei acertando o rosto da Sra. Thomaz que cambaleou para trás escorando-se na
mesa de vidro que se partiu ao meio, dei dois passos para trás enquanto Felipe
a ajudava a se recompor.
Preocupado
com ela eu também tentei ajuda-la.
Então
me curvei para isso...
–
Não toca em mim – ela gritou no mesmo momento em que a porta de madeira escura
se abriu novamente e outro enfermeiro entrou na sala.
Eu
caí no chão e segurei firme um pedaço do vidro na palma da mão.
Eu
sentia ele cortando a minha pele e sentia o liquido quente escorrer entre os
meus dedos.
Tudo
aconteceu em alguns segundos. Primeiro lembro de ter levantado sendo seguido
pelo olhar atento do outro enfermeiro moreno parado a porta. Lembro de Felipe
levantar a Diretora e de no segundo seguinte estar todos me olhando com os
olhos apavorados.
Minhas
mãos tremiam e meus lábios também.
– Enzo, me dê isso – pediu a Sra. Thomaz com a
mão estendida para que eu entregasse o que já havia feito uma possa de sangue
no assoalho de madeira.
–
Você não precisa fazer isso.
–
Nós podemos conversar com mais calma – Disse Felipe.
–
Só precisa me entregar isso.
Eu
não me arrependo, porém me envergonho, segurei o pedaço de vidro na frente do
pulso e isso fez com que todos ficassem quietos.
–
Eu sei que eu não sou louco...
–
É claro que não, eu acredito em você – disse a Sra. Thomaz se colocando na
frente Felipe com um passo à frente.
–
Eu sei que o Felipe matou o meu pai, eu sei que ele só estava aqui o tempo todo
para ver se eu lembrava de algo e agora que eu sei de tudo ele quer me taxar de
louco, mas eu não sou louco – O vidro já penetrava o meu pulso, abrindo uma
ferida maior do que a que estava minha mão, eu conseguia ouvir a minha
respiração e as gotas caindo no assoalho – ele me beijou, ele machucou o
Leandro, ele é o culpado dessa merda toda na minha vida. É tudo culpa dele.
Isso é culpa dele.
Olhei
para o meu pulso e foi o segundo exato para sentir a mão pesada de Felipe
empurrar a minha cabeça na estante de livros e eu desmaiar em cima da possa de
sangue.
Querido diário, hoje acordei com
vontade de morrer.
Eu vi a minha vida passar em questão
de segundo, dizem que isso não acontece quando você está prestes a morrer, mas
eu vi a minha vida, e ela é miserável, é cheia de apelidos e risos dos outros,
é marcada por pensamentos ruins, solidão e essa imensa vontade de desaparecer
do mundo, essa imensa vontade de deitar no fundo de um rio e deixar a água
inundar os meus pulmões. Dói tanto, a solidão machuca. Dói não ter tido ninguém
até aqui para compartilhar a minha dor, dói ter pensado tantas vezes em formas
diferentes de acabar com a minha vida.
Dói quando escuto todos os meus
pensamentos dizendo que eu um fracassado, que eu vou ficar sozinho, que ninguém
me ama. Eu não quero ouvir isso no som da minha própria voz, eu não posso mais
ouvir isso. Estou tão cansado.
Estou cansado de caminhar pelos corredores
da escola e meus livros serem jogados no chão, estou cansado de ser empurrado,
estou cansado da minha mãe não falar comigo, estou cansado de ter que lutar com
a culpa de ter sido abandonado. Pareço ser filho da tristeza, tudo parece não
ter saída e quando penso que tudo vai acabar eu simplesmente acordo de mais um
ataque conturbado.
Abri
meus olhos, o teto era branco e uma leve brisa refrescava o quarto. E eu não
reconhecia aquele lugar, não era a clínica e nem o meu quarto. Era estranho e
tinha um cheiro diferente, um cheiro metálico. Fechei os olhos novamente, mas
desta vez não perdi a consciência, só precisava de um tempo para recobrar a
minha mente, e ela estava tão em paz. Sem vozes, sem conflitos era apenas um
lugar branco de paz.
Eu abri os olhos novamente e virei a cabeça
levemente para a esquerda, minha mãe estava cochilando na cadeira, em seu colo
uma manta azul clara e em duas mãos adormecidas um livro aberto, ela
provavelmente pegou no sono enquanto lia.
Não foi a minha intensão, mas meus olhos
começaram a lacrimejar e logo eu já estava chorando em silencio olhando para
ela, era estranho vê-la depois de tanto tempo e para falar a verdade eu nem me
dei conta do tempo.
– Mãe – disse limpando o rosto com um pouco de
dificuldade, havia tubos e fios presos ao meu corpo, ela abriu os olhos e sorri
levemente se endireitando na cadeira – eu estou bem – disse antes dela
perguntar.
– Fico feliz que esteja, Lorenzo – ela se
inclinou para frente e me deu um beijo na testa – estou muito feliz que tenha
acordado.
– Faz quanto tempo que...
– Alguns dias – ela disse atropelando minha
pergunta – vou chamar um médico para te examinar.
Eu assenti com dor e senti todos os meus
músculos se comprimirem, foi estranho pois naquele momento tudo começou a
perder o controle, não sentia mais o meu corpo e nem conseguia ouvir nada, o
frio corria pela a minha espinha e minha baca salivava como uma torneira jorra
água. Meus olhos se reviraram e estavam doloridos, era como se eu estivesse
apanhando de mil homens fortes de uma só vez.
– Mãe – eu disse com a voz baixa e fraca.
– Por favor, não diga não – ela ordenou
colocando seu rosto sobre o meu tampando a luz dos meus olhos – você teve uma
convulsão, estão fazendo alguns exames, mas eu preciso que você fique quieto e
calmo neste momento.
Eu o fiz, fiquei quieto durante uma hora, com
os olhos fechados acabei pegando no sono, quando acordei estava no quarto, minha
mãe estava digitando algo no notebook sentada ao lado da minha cama. Ela me
olhou e fechou a tela do computador.
– Como se sente?
– Dolorido.
– Escala de 0 a 10?
– 7.
– Isso é bom, logo essa dor vai passar e você
se sentirá melhor.
– O que eles falaram para você?
Perguntei e ela se endireitou na cadeira para
me olhar melhor.
– Foi um trauma, você acordou sozinho depois
de uma grande perda de sangue...
– A Clínica, o que a Diretora Thomaz falou?
Minha mãe arranhou a garganta e se inclinou
para frente fitando-me atentamente.
– Você não vai precisar mais se preocupar com
aquele lugar.
– Mas...
– Você não vai mais voltar para lá, vou cuidar
de você, era o que eu deveria ter feito desde o início, mas eu estava com tanto
medo que acabei seguindo um concelho idiota, vou me afastar do trabalho por
enquanto para te dar toda a atenção necessária, vou cuidar de você, Lorenzo.
– Obrigado, mas não precisa fazer isso, acho
que vou conseguir desta vez.
– E eu acredito em você, mas eu não sei se vou
conseguir, se qualquer coisa acontecesse com você, eu provavelmente não
conseguiria aguentar. Não mais uma perda – ela ficou em silencio por alguns
segundos e continuou – eu sei, fui dura quanto a morte do seu pai, mas não
tinha nada a ver com você, era mais sobre nós, nosso casamento estava abalado,
descobri que ele estava me traindo e então tudo aquilo aconteceu, eu estava me
culpando, só não queria admitir isso.
– Eu entendo...
– Agora eu só tenho você e você só tem eu,
então vamos ser uma família, mãe e filho.
Ela se levantou e deitou seu corpo sobre o meu
me abraçando forte de forma confortável.
E foi bom, foi excelente ouvir aquilo dela, porque
era daquela forma que eu estava me sentindo também, mas naquele momento,
naquele abraço todos os meus sentimentos ruins foram de certa forma embora e
tudo ao meu redor não importava mais.
Até.
Até eu ver o Leandro passando pela porta em
uma caminhada lenta e observadora pelo corredor do hospital.
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