Now Or Never - Caro Amigo
Concordei
com a cabeça, Theo era uma boa pessoa, foi ele quem me ajudou quando fomos
atacados na primeira vez. De qualquer forma era um trauma, experimente ver uma
pessoa levar um tiro na cabeça enquanto você fala com ela normalmente.
Experimente ficar em estado de choque quando o sangue respinga em seu rosto e
essa pessoa cai no chão morto.
Não
o conhecia, mas tinha certeza de que aquele homem, aquele soldado a serviço de
seus ideais tinha uma família em algum lugar neste novo mundo. Uma família como
a minha.
Sai
do quarto de paredes brancas e desci a escada até a sala de estar. Encarei tudo
a minha volta, buscando cada detalhe que podia refletir aquele lugar como um
lar belo e seguro. Apenas minha casa, minha antiga casa era tão bela e segura.
Morei
em dos detritos mais nobre no Norte, minha casa era grande o suficiente para
abrigar uma família de vinte pessoas. O jardim tinha o mesmo tamanho da casa e
era cheio de cineraria azuis que cobriam metade do gramado.
Um
lago deixava tudo mais perfeito. Eu mesmo cavei aquele lago com meu pai quando
era pequeno, acho que tinha uns sete anos quando começamos a fazer ele, queria
que meus filhos crescessem naquela casa. Queria que meus filhos fizessem uma
casa na arvore em uma das várias arvores que havia no jardim dos fundos. Era
tudo o que eu queria.
Até
ver a casa bombardeada pela televisão.
Sentei
no sofá encarando a janela com cortinas em um tom claro de verde musgo. Selena
sabia como decorar uma casa, ela tinha um bom gosto. Mas não foi por isso que
me apaixonei por ela.
Me
apaixonei por Selena porque era ela a garota que estava sempre certa quando se
tratava das pessoas, ela não julgava, não falava de ninguém, ela era apenas ela
mesma.
Selena
era engraçada e persuasiva. Se fosse treinada para comandar um exército com
certeza seria o melhor de todos. Ela tinha a voz de uma líder e sabia muito bem
como usa-la.
Vi
Theo parado próximo a escada, ele estava com a toalha azul clara enrolada na
cintura. Ele me encarou e sorriu ao ver que eu o fitava com a sobrancelha
arqueada.
“Não
tenho roupas”.
“Por
favor, use alguma coisa minha até providenciar algo para você vestir”, disse
levantando rápido. Passei por ele e comecei a subir a escada.
“Posso
ajuda-los em alguma coisa?”. Perguntou Selena do topo da escada.
“Meu
amor, você pode pegar duas trocas de roupa para meu amigo vestir, ele não tem
nada”.
“Claro”.
“Obrigado,
Selena, não tenho nada a não ser os meus uniformes”.
Theo
subiu a escada seguindo Selena até o meu quarto. Fiquei parado na porta
enquanto ela entregava duas trocas de roupa para ele. Theo agradeceu e foi para
o seu quarto se trocar. Selena segurou firme a minha mão e me deu um beijo doce
e delicado.
“Peça
para ele não ficar desfilando de toalha pela casa, ficarei agradecida”.
Ela
mudou drasticamente seu tom de voz suave e solene para um grosseiro e ríspido.
Eu
a encarei quanto ela saia do quarto como se não tivesse falado nada. Já ouviu
falar que a guerra muda os soldados? De certa forma eu estava mudado, mas minha
esposa não era a mesma e percebi apenas pela forma como ela havia falado.
Nunca
ouvi Selena dizer algo naquele tom.
As
duas batidas na porta me vez acordar de meu delírio passageiro. Theo sorriu
vestindo uma calça moletom cinza e uma camiseta preta. Ele estava calçando
chinelos e meia branca.
“Selena
é uma mulher muito linda e simpática”, ele disse estando errado.
“Estou
faminto, nem me lembro qual foi a última vez que comi algo”. Passei por Theo e
o chamei para que ele me seguisse até o andar de baixo. “Selena serviu alguma
coisa para esperarmos até o jantar”.
Desci
a escada e caminhei até a sala de jantar. A mesa de madeira larga de oito
lugares estava no centro tomando um grande espaço do cômodo, a mesa estava bem
servida com bolo de laranja, sugo, água, pães caseiros e chá.
Sentei
na cadeira da ponta e Theo sentou-se ao meu lado. Ele estava com fome e logo
atacou o pão caseiro que reconheci pelo cheiro. Era a receita da mãe de Selena.
“Marcus
agradeceu por me acolher, falei com ele antes do banho. Disse a ele que podia
confiar em você e ele concordou”. Começou Theo enquanto comia o pão e tomava um
pouco do suco de morango, “Queria ir para a casa dele, ficar lá com ele, mas
nosso segredo seria descoberto”.
“Fico
feliz que tenha ligado, receberia você aqui em qualquer que fosse a
circunstância”, Selena se aproximou vindo da sala e sentou-se do meu outro
lado, “Ele dormiu?”.
“Agora”,
Selena se serviu do bolo de laranja em um prato de porcelana, “Sr. Braska,
espero que tenha gostado do quarto”.
“Estava
falando agora para seu marido que fiquei muito feliz por vocês me receberem,
nem podia imaginar a quem mais imaginar pedir ajuda”.
“Em
uma hora como estas é sempre bom ter um amigo”, Selena disse sem tirar o
sorriso de seu rosto angelical, “A central disse que estava preparando
dormitórios para os soldados recém chegados a Fortaleza”, ela continuou
sorrindo.
“Sim,
o meu comandante disse que o primeiro lote de dormitórios ficaria prontos em
três dias”.
“Mas
fique sabendo que você pode ficar o tempo que precisar”, peguei na mão de Theo
e a balancei sob a mesa.
Selena
seguiu meu movimento com o olhar disfarçadamente.
Estava
satisfeito depois de comer uns três pedaços de bolo de laranja. Theo foi o
primeiro a deixar a mesa e ir para seu quarto. Selena foi logo organizando o
jantar.
Tirei
a mesa do café da tarde e sai para fora. Estava precisando pensar. Esvaziar
minha cabeça antes de partir para a próxima parada.
Agora
que estava em casa só queria viver em um sossego absoluto enquanto curtia meu
filho.
Fiquei
parado no jardim por alguns segundos até me ver caminhando pela rua. A
Fortaleza era maior do que imaginava. Pelo menos naquele lado as casas não eram
uma em cima das outras. As ruas eram limpas e espaçosas.
Senti
falta dos cachorros que perambulavam pelas ruas no meu antigo bairro.
Antes
de perceber já havia dado a volta na quadra de casas simetricamente iguais. O
céu estava escuro e estrelado.
A
lua brilhava em sua forma mais cheia quando entrei para dentro. Fui até a sala
de jantar e a mesa estava novamente servida com uma ave assada no centro da
mesa e quatro pratos colocados de forma organizada.
Selena
saiu da cozinha e colocou quatro copos sob os guardanapos azuis ao lado dos
pratos e talheres.
“Quatro
lugares?”. Perguntei sorrindo para ela enquanto tentava esquecer da forma como
ela falou no quarto.
“Aonde
você estava? Procurei por você na casa toda”.
“Só...”.
“Que seja, um amigo seu apareceu, disse que se
chamava Marcus Mazart e que era o seu comandante”.
“Sim,
ele é mais conhecido como Fuzileiro no campo”.
“Ele
é um Mazart, é uma das famílias fundadoras da Fortaleza, meu amor”.
“O
que ele disse, deixou algum recado?”. Perguntei encarando ela.
“Ele
disse que voltaria mais tarde, então o convidei para o jantar”, Selena ficou em
silencio me encarando enquanto pensava em como contar isso ao Theo, “Está tudo
bem?”.
“Sim,
claro que está, ele é um amigo e será um prazer recebe-lo”. Disse saindo
desvairadamente de meu devaneio.
Voltei
para trás e subi a escada com pressa. Bati duas vezes de leve na porta do
quarto de hospedes e Theo abriu a porta. Ele estava sem camisa e com o rosto
marcado pelo travesseiro.
“Estão
atacando?”. Ele perguntou quando entrei no quarto rápido e fechei a porta atrás
de mim.
“Pior,
Selena convidou Marcus para um jantar”. Disse sem conseguir respirar.
Não
era uma boa ideia ter os dois juntos na mesma casa, mesmo que fosse na minha.
Era uma tática um tanto arriscada, Theo deveria se controlar como se estivesse
mesmo no campo de batalha, não poderia de forma algum ter troca de olhares e
deveria falar com total formalidade como se não existisse nada entre ele e
Marcus a não ser a plena amizade que conseguiram durante o curto tempo juntos.
Lhe
contei como aconteceu e ele ficou se perguntando porque Marcus correria o risco
de procura-lo sabendo dos perigos.
Ouvi
o soar da campainha e o encarei sentindo um frio incontrolável na espinha. Ele
assentiu garantindo que estava tudo bem, mesmo que eu não acreditasse.
Respirei
fundo e abri a porta saindo do quarto. Desci a escada e vi que Selena já estava
recebendo Marcus na sala.
“Querido,
nosso convidado chegou”. Disse ela com total simpatia.
“Olá
Mazart”, disse me aproximando e cumprimentando-o com um aperto de mão.
O
Fuzileiro estava usando um terno de corte fino e elegante.
“Desculpe-me
pelo traje, fique à vontade”, me virei para Selena que ainda estava com um
sorriso no rosto sem tirar os olhos de Marcus, “Querida, vou trocar de roupa,
sirva algo para a ela, volto em alguns minutos”.
Subi
a escada novamente e entrei no quarto. Selena se aproximou um pouco mais do
Fuzileiro e assentiu.
“Por
favor, sente-se, o Senhor aceita algo para beber?”.
“Obrigado”.
Respondeu ele sentando no sofá com um pouco de desconforto.
“O
Senhor...”.
“Por
favor, me chame apenas de Marcus”.
“Claro”,
ela concordou, “Marcus, você era o comandante do meu marido, estou certa?”. Ele
concordou com a cabeça, “Estou recebendo um amigo dele também, um homem cuja a
família já não está entre nós”.
“Agradeço
por essa gentileza”.
“O
Sr. Braska é um bom homem, é o que quero acreditar”. O Fuzileiro se endireitou
no sofá sem tirar os olhos de Selena, “Preciso perguntar uma coisa”, ela
continuou e Marcus assentiu para ela continuasse, “Eles tiveram algum
envolvimento...”.
“Senhora...”.
Ele a interrompeu.
“Deixe-me
explicar, peguei o Sr. Braska apenas de toalha conversando com o meu marido, e
agora a pouco eles estavam sussurrando no quarto”. Ela fez silencio e continuou,
“Preciso saber qual é a índole desde homem que perambula pela minha casa”.
Marcus
congelou no sofá, ele tinha de respondeu algo, ele tinha de fazer isso com
eficácia e responsabilidade. E o mais rápido possível pois as paranoias
cresciam cada vez mais na cabeça de Selena e certamente já começará a imaginar
o que estávamos fazendo no quarto.
“Essa
é uma acusação muito grave, Senhora, isso coloca em risco até mesmo a vida de
seu marido”, disse Marcus levantando-se e encarando Selena de cima, “Você sabe
o que acontece com os homossexuais nesta civilização, por acaso gostaria de ver
seu marido ser enforcado?”.
Selena
respirou fundo e fechou os olhos, ela podia vislumbrar em sua mente a cena do
meu corpo suspenso pelo pescoço por uma corda. Ela podia ver meu corpo quase
morto ter espasmos de uma violenta dor na morte.
“Não,
me perdoe pela inconveniência”, ela disse envergonhada, “peço que esqueça meus
delírios, Sr. Mazart”.
“Vou
fingir que não tivemos está conversa”.
Vi
Selena assentir em silencio do alto da escada, desci até a sala usando um terno
preto de modelo italiano, minha gravata era azul escura como o céu pouco antes
da escuridão absoluta.
“Desculpe-me
pela demora, tive de arrumar um terno que servisse no Sr. Braska”. Disse
arrumando a abotoadeira dourada na manga do terno.
“Está
recebendo o Soldado Theodor Braska em sua residência?”. Perguntou Marcus
fingindo não saber de nada. Assenti concordando para participar daquela
mentira, “Fico feliz de tê-lo aqui, nossos dormitórios não estão prontos, acredito
que antes de partimos após o Natal Theodor poderá ir para um deles”.
“Ele
será sempre bem-vindo a minha residência”, sorri educadamente, “Querida, o
jantar já está servido?”.
Perguntei
a Selena que estava branca como papel.
“Sim,
vamos a mesa, esperamos pelo Sr. Braska lá mesmo”.
O
jantar aconteceu como o esperando, Theo conseguiu evitar olhar nos olhos do
Fuzileiro e eu tentei conter o meu nervosismo naquela situação.
Selena
foi a que ficou mais calada, com a mente distraída como se estivesse em outro
lugar. Logo Theo começou a relembrar de sua vida e surgiu um assunto. Marcos, o
Fuzileiro evitou completamente dizer sobre si mesmo, até Selena se retirar da
mesa para ir ver o meu filho que chorava no andar de cima.
Marcos
esperou que o barulho na escada sumisse com o fechar da porta do quarto para se
inclinar para frente e sussurrar.
“Ela
sabe”.
Meu
coração disparou em um solavanco sufocante.
“Do
que você está falando?”. Perguntou Theo tentando dizer no mesmo tom de voz que
o Fuzileiro.
“Ela
está completamente desconfiada de que você está dando em cima do marido dela,
Theodor”, Marcus olhou em direção a sala esperando que Selena surgisse a
qualquer momento, “ela te denunciou para mim, está disposta até mesmo a
entregar o próprio marido”.
“Isso
não é possível”, disse com o estomago embrulhado quase jogando tudo o que havia
comido sob a mesa mesmo, “Não demos nenhum motivo para tal desconfiança”.
“Você
não, mas ele”, Marcos olhou para Theo serrando-o ao meio com os olhos, “Ela
disse que pegou os dois conversando no quarto, sussurrando para ser mais exato
e que Theodor estava quase despido na sua frente”.
“Querido...”.
“Cale-se”,
cuspiu Marcus furioso, “Preciso te lembrar aonde você está, Theodor?”. Theo
abaixou a cabeça, e o Fuzileiro continuou, “Foi-se a época quando nós podíamos
viver livres e sermos que quiséssemos. Acabou exatamente quando um fanático
religioso tomou o poder”, ele fechou os olhos como se estivesse se punindo por
suas palavras, “eu te amo, Theodor, mas não poderia salva-lo da forca”.
O
Fuzileiro se levantou e colocou o guardanapo sob a mesa, ele saiu e eu o ouvi
bater à porta da sala ao sair com os olhos prestes a desabar em lagrimas.
“Eu
vou falar com ela”, tentei.
“Não,
tenho certeza de Marcos contornou a situação, senão não teria dito tudo isso”,
ele fez uma pausa tomando o folego, “vamos fingir que não aconteceu nada, e
ficaremos afastados para que ela pare com essas paranoias”.
Theo
levantou-se e saiu indo para seu quarto.
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