Aquele que partiu - Sua garota
Sua garota
Ele estava atrás do meu reflexo,
me encarando nos olhos com um sorriso bobo no rosto, tínhamos feito e eu nem
estava acreditando.
“Isso é insignificante, Tate”, disso entrando no pequeno apartamento
alugado, estava furiosa então joguei a pequena bolsa preta que carreguei
durante a noite toda em cima da cama, “você tem umas atitudes idiotas e quer eu
as aceite de boca fechada”.
“Ele estava dando em cima de você, Violet”. Ele bateu a porta de
madeira escura com força e eu fechei os olhos apertando-os. “Me perdoe”.
Ele disse me surpreendendo. Era uma discussão boba, de certa forma era
para mim.
Tate ficou chateado por que um homem me enviou uma bebida no bar do
cassino aonde estávamos e eu aceitei, fiz errado deveria ter negado o presente
pois estava acompanhada, mas na hora não pensei. Na verdade, pensei: oba, bebida grátis.
“Eu te amo”, disse para ele entender que já estava perdoado.
“Não devia ter socado o rosto dele”. Ele reconheceu o erro
massageando a mão dolorida e ferida.
“Não mesmo, não vamos poder voltar naquele cassino”.
Sorri, encarando o reflexo no espelho embaçado, em partes era
uma boa recordação. Ele protegeu a minha honra, eu acho. Tate e seu jeito
estranho de demonstrar amor. Isso era coisa dele.
“Querida, vamos nos atrasar”, disse Diogo colocando a cabeça
para dentro do banheiro.
Havia passado alguns dias desde o meu aniversário e ainda
estava devendo uma visita para a minha nora, não tinha hora melhor para
visita-la a não ser naquele dia, ela tinha acabado de trazer ao mundo meu mais
novo netinho, Miguel Marselhês, nascido no dia 23 de novembro com três quilos e
quatrocentas gramas. Meu marido estava tão animado quanto eu, era seu primeiro
neto homem e ele não via a hora de parabenizar nosso filho pelo feito.
Ele nunca acelerou tanto o carro quanto naquele dia, ele
estava tão ansioso que tive de pedir para ele se acalmar. Diogo não era mais
aquele jovem ativo que fora.
Quando eu peguei o pequeno Miguel nos braços me senti como
uma mãe completamente realizada, foi a mesma sensação que tive no nascimento de
Clara e Tate. O meu coração batia mais rápido e eu estava com um sorriso bobo estranho
no rosto.
Foi uma tarde para se comemorar. Comemorar. Comemorar...
Entramos em seu Mustang preto, ele adorava aquele carro, cada
centavo que guardou durante sua vida ele investiu naquele carro. Era legal ver
Tate dirigir, ele estava sempre com um sorriso no rosto atento a estrada
cercada pela seca e montanhas.
“Tem certeza que quer fazer isso?”. Ele perguntou pela
trigésima terceira vez e eu assenti com a cabeça dizendo um sim entusiasmado.
Não queria dar o braço a torcer, este era um dos motivos para
aquela loucura, mas o maior motivo era que eu o amava e nada poderia mudar
isto, foi sorte conseguir aquela data, foi desesperador guardar segredo daquilo
de tantas pessoas que eu amava. Mas nada superaria o meu amor por Tate.
Ele estacionou o Mustang na frente da pequena igreja e desceu
dando a volta para me ajudar a sair com o meu vestido cor de pêssego.
Estava calor, mas ainda era confortável. Meu cabelo estava
quase se desmanchando, o coque estava quase a se soltar e derrubar a grinalda e
o véu da mesma cor do vestido.
“Sei que você preferiu não convidar ninguém da sua família,
mas eu não aguentei deixar de fora uma pessoa tão especial”, ele disse
segurando as minhas mãos. Naquele momento eu pensei que iria conhecer os pais
de Tate, mas me lembrei rapidamente da morte deles anos atrás.
E foi neste mesmo segundo que um garoto de uns quinze anos se
aproximou usando um terno idêntico ao de Tate. Ele tinha os olhos azuis como o
de Tate, o nariz parecia ter sido clonado, o cabelo dele era castanho um pouco
claro, as sobrancelhas grossas e os lábios finos.
“Oi”, ele disse como se estivesse envergonhado.
“Foi assim que eu te ensinei”, Tate deu um tapa no ombro dele
e o garoto me surpreendeu disparando em minha direção com os braços abertos.
Ele me abraçou e aquele foi a melhor forma que poderia
acontecer para eu conhece-lo.
“Meu irmão falou tanto sobre você”, ele disse me soltando, e
disparou, “Não sei se ele falou coisas boas, mas é um prazer poder de conhecer
em um dia tão especial”.
“Eu não acredito”, disse surpresa demais para acreditar,
então acolhi o garoto novamente em meus braços.
“Este é o famoso Joshua”.
Joshua pegou o pequeno
Miguel nos braços e seus olhos encheram-se de lagrimas. Fiquei impressionada
pela reação dele, era estranho ele ter aquela reação já que tinha os seus três
filhos.
“Oh, Joshua, assim eu vou chorar também”. Disse meu filho
Tate. Os dois se tornaram grandes amigos com o passar do tempo. “Ele é seu
também”.
Joshua olhou para Tate e minha nora, ele assentiu
colocando-se a chorar novamente.
“Nós decidimos que você será o padrinho do pequeno Miguel”,
disse minha nora levando a mão até as mãos de Joshua para um carinho amistoso.
Tete entrelaçou seu braço no meu e ficamos na fila junto aos
outros casais.
Éramos entorno de oito casais que estariam realizando seus
sonhos de uma forma coletiva. A entrada foi feita um por sua vez e quando
chegou a nossa vez senti como se tivesse borboletas em meu estomago.
Minhas mãos suavam e tremiam como as minhas pernas ao entrar
na igreja de teto alto. Algumas velas estavam acesas em candelabros e eu as
percebi enquanto procurava Joshua em meio aos outros convidados. O caminho até
o Padre era feito por um tapete vermelho com pétalas de flores coloridas, fitas
de seda faziam um contorno nos bancos e vasos de rosas brancas estavam no final
do tapete.
Havia tantas pessoas e todas desconhecidas, eu decidi que
seria melhor guardar segredo daquilo e foi o que fiz, não enviei convite
nenhum, meus pais provavelmente saberiam uns três ou quatro anos depois. Mas o
importante era que eu e Tate finalmente estávamos casando.
Paramos diante do Padre e Tate segurou as minhas mãos olhando
em meus olhos.
“Vocês não são apenas mais um casal, vocês são especiais por
estarem fazendo isso, firmando laços e formalizando está união com amor e a
graça de Deus, nosso pai”, começou o Padre, “Vocês escreveram seus votos?”.
Assentimos simultaneamente.
“Diga o seu primeiro Tate Faust”.
Tate segurou firme em minha mão, ele tentava conter as
lagrimas em seus olhos, eu não sei por que ele ainda tentava não chorar na
minha frente, era sempre inútil suas tentativas.
“Nos conhecemos no verão passado, e desde então você se
tornou a minha garota e eu o seu, prometo te amar para sempre e nunca esquecer
de fazer isso, prometo que nada poderá nos separar, prometo não tirar você da
minha cabeça, prometo nunca te fazer chorar pois você a mulher da minha vida, e
não apenas uma paixão de verão”. Tate pegou no bolço de seu terno preto uma
aliança dourada e a colocou no meu anelar direito.
“Violet Quispe”.
“Lembro daquele verão, lembro do nosso primeiro beijo no seu
Mustang, e como diz a nossa música, nosso amor durará sempre e para sempre, eu
quero ser a sua garota e quero falar sobre o futuro com você, vamos manter
todas as nossas promessas sabendo que será nós contra o mundo e nunca um sem o
outro. Eu te amo Tate”.
Peguei a outra aliança que estava na palma da mãe de Tate e a
coloquei em seu dedo anelar da mão direita.
Ele não conseguiu se segurar e me beijou antes do Padre dar a
ordem.
“Bom, eu os declaro Marido e Mulher, Senhor e Senhora Faust”.
“Você gostou do nome?”. Perguntou meu filho tirando-me do meu
transe. Eu concordei sem saber com o que estava concordando. “É uma homenagem
ao seu pai, meu avô”.
Era o último dia do mês de julho, fizemos as pazes depois da
pequena discussão por causa de Diogo que nunca mais apareceu. Tate estava me
desenhando com a ponta de seus dedos e carvão em uma folha grande. Eu estava
encostada na cabeceira da cama usando uma camiseta dele e calcinha.
“Pronto”, ele virou a folha para eu ver e logo saltei para
seus braços beijando-o, “Você gostou?”.
Ele havia desenhado o meu rosto, ficou trabalhando naquilo
durante uns quarenta minutos, ele fez com que parte do meu cabelo de pontas
repicadas ficassem gradualmente sob o meu rosto, ele destacou os meus olhos e
meus lábios. A pintura era inteiramente feita de carvão, um pouco esfumaçada
com riscos precisos feitos pela ponta de seus dedos.
“Eu amei, ficou lindo”.
Ele se levantou da cama tirando a jaqueta de couro preta e pegou
um pedaço de fita adesiva de cima da penteadeira, ele pegou a folha com o meu
rosto desenhado e caminhou até a parede de frente para a cama, ele segurou o
papel com uma mão e com a outra colou-o na parede com a fita adesiva.
“Vou comprar um quadro para ele”, disse eu ajoelhando-me na
cama, ele me segurou na cintura e me beijou deitando-me de volta.
“Se você colocar todos os meus desenhos em molduras não
teremos lugar nesta casa”.
Ele tirou a camisa regata, eu abri o zíper de sua calça jeans
e ele a puxou tirando-a. Tínhamos o arder de jovens na cama. Mas fomos
interrompidos quando escutamos três batidas na porta.
Enfurecido Tate vestiu a calça jeans escura e caminhou até a
porta enquanto eu me cobria com o lençol encardido da cama, ele abriu a porta e
eu foi metralhada pelo olhar fuzilante de meus pais.
O Senhor e a Senhora Quispe esperou que eu me vestisse no
banheiro, tive de deixar Tate sozinho com ele sabendo do risco que ele corria
ao encarar meu pai.
Abri a porta e envergonhada cumprimentei eles de longe. Vi
que Tete vestiu sua camiseta regata e estava um pouco recluso no canto do que
era para ser a cozinha.
“Vocês querem algo para beber?”. Ofereceu Tate querendo ser
simpático com o silencio que massacrava o ambiente.
“Duvido você ter um uísque, então não”. Respondeu meu pai com
seu humor catastrófico, ele me lançou seu olhar desaprovador, “Quando pretendia
nos contar que estava vivendo em uma espelunca como está e que tinha abrigado
um sem teto para viver com você?”.
“Olha o Senhor, eu não...”.
“Calado”, ele interrompeu Tate que deu um passo para trás e
eu sabia exatamente o que isso significava, ele fez isso quando quase espancou
o homem no bar algumas noites atrás. “Demos educação a esta garota”, ele disse
olhando para a minha mãe, “Eu não sei aonde erramos com ela, mas tenho certeza
de que é tudo culpa sua”.
“Não a culpe, papai”, eu o adverti dando um passo à frente,
“Pedi para ela guardar este segredo pois sabia que seria essa a sua reação”, olhei
para Tate que parecia um pouco mais calmo, “Tate não é um sem teto, eu o amo e
quero que respeite isso. Você não pode simplesmente entrar aqui e querer ditar
suas regras”.
“E quando iria nos contar sobre o seu noivo?”. Ele cuspiu as
palavras, “Tive de ouvir daquele seu amigo afeminado que você estava prestes a
se casar. Como ousaria fazer isso, olhe para ele, não tem o mesmo nível que
você, Violet”.
“Quero que vá embora”. Disse Tate autoritário, ele encarava
os olhos do meu pai como se estivesse lhe lançando chamas. “Deve ter entrado
merda em seus ouvidos, eu disse: quero que vá embora”.
Meu pai o encarou por alguns segundos e voltou a me fitar.
“É com isto que vai se casar? Um homem que desrespeita seu
próprio pai, um homem sujo não é digno de ter a minha filha”.
“Querido, não foi para isto que eu o trouxe”, foi a primeira
vez que escutei a voz de minha mãe em anos.
“Pegue suas coisas, Violet Quispe, vou te levar de volta, não
vai jogar o resto de sua dignidade casando-se com este aí”.
Tate saltou com a mão em punho e socou o rosto de meu pai que
caiu para trás apoiando-se com as mãos no chão. Tate mordeu o lábio inferior
controlando-se da raiva que já havia tomado conta de seu consciente. Eu não
consegui me mexer, meu pai mereceu aquilo, estava sempre mandando e jogando as
coisas na minha casa. Lembro do dia que ele me esbofeteou quando eu oprimi um
de seus amigos que me agarrou durante uma festa. Ele sempre achou que eu seria
a sua garotinha, mas as coisas mudaram e só ele não havia percebido isso.
Minha mãe o ajudou a se levantar puxando-o pelos braços.
“Selvagem”. Ele gritou fuzilando Tate que deu um passo para
frente pronto para enfrenta-lo novamente, mas eu o segurei no braço
impedindo-o.
“Acho que o dinheiro entupiu seus ouvidos, espero que consiga
ajuda para isso”, disse tomando a frente de Tate, minha mãe arregalou os olhos,
com certeza ela não esperava aquilo vindo de mim. “Quero que vá embora e não
volte nunca mais”. Olhei para a minha mãe, “Você será sempre bem-vinda, sem
ele”.
Caminhei até a porta e a abri, meu pai abaixou a cabeça e
saiu, minha mãe segurou o meu rosto e me deu um beijo na testa.
“Felicidades, querida”. Ela sussurrou em meu ouvido e saiu
fechando a porta atrás de si.
Meu coração doeu, nunca havia feito isso, nunca havia
enfrentado meu pai como naquele dia, Tate me abraçou forte e me confortou
naquela tarde ensolarada.
Depois que nos beijamos olhamos para a multidão que estava
dentro da igreja. Tate me encarou e sorriu, corremos para fora da igreja, o sol
tocou a minha pele e eu me arrepiei. Tate abriu a porta de seu Mustang para que
eu entrasse, ele correu para o outro lado do carro e entrou acelerando. Joshua
saiu de dentro do prédio da Igreja sem entender nada, Tete buzinou e fez o
retorno, ele acelerou o carro entrando na rodovia, três curvas rápidas e ele
estacionou o carro na frente de um prédio azul com faixas brancas. Abri a porta
do carro ante que ele o fizesse.
Tate segurou a minha mão e me puxou para dentro do prédio,
estava tocando musica dentro do salão e idosos dançavam a melodia lenta
contando os passos, dois para lá, dois para cá, dois para lá, dois para cá.
Tate se aproximou do homem que estava ao lado da caixa de som
e sua mesa simples de som, Tate cochichou algo em seu ouvido e voltou quando a
música mudou de lenta para alegre e dançante. Os velhinhos pararam e olharam
para nós, Tate segurou na minha mão puxando-me para o meio deles e começou a
dançar à musica contagiante, tentei acompanhar seus passos extrovertidos e
agíeis. Um Senhor me chamou para dançar e eu aceitei, quando percebi estava
todos saltando e rodopiando de um lado para o outro dentro do salão.
“Quer passar no supermercado?” Perguntou meu marido dirigindo
seu Porsche preto de volta para casa.
“Não, pedi a Mércia para fazer isso”, fiquei em silencio por
alguns segundos, estava pensando se era mesmo o que eu queria fazer, e era. “Vamos
ao cemitério”.
Disse voltando a sentir aquela dor novamente, há dias estava
me preparando para tomar está decisão, há dias que Diogo sugeriu uma despedida
e eu aceitei, ele disse que aconteceria no meu tempo e eu estava sentindo que
aquele era o momento certo.
Ele virou na Avenida El Dourado a caminho do Cemiterio Alemán
de Bogotá.
Ele estacionou o carro no estacionamento e descemos
caminhando em direção a recepção, assinamos o livro de visitas e pedimos
informações ao zelador. Com o endereço anotado em um pedaço de papel, Diogo
segurou na minha mão e caminhamos pelo caminho de orquídeas brancas de pontas
rochas, a lapide que estávamos a procura não estava longe.
“Você tem certeza?”. Perguntou Diogo parando de caminhar ao
perceber que já estávamos perto do destino.
Eu assenti concordando em silencio.
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