Em Minha Mente - Rosa
Rosa
6
Estava
envolto de meu devaneio, pesadelo ou qualquer outra coisa que você quiser
chamar, mas precisamos criar um padrão aqui então chamarei de devaneio. Estava
no topo da escada, encarando os degraus como se eles estivessem dançando como a
onda do mar, era como se eu mesmo estivesse alcoolizado e decidisse descer a
escada da vida, mas não de forma tão literal. Meus pés estavam me levando para
baixo, degrau por degrau, passos lentos, parecia que eu estava flutuando, meus
pés tocaram o piso da sala e eu encarei a janela aberta que fazia com que a
cortina branca que normalmente tocava o chão chicoteasse o ar com o vendo do
lado de fora. Trovejou, e relampeou me assustando fazendo com que eu tropeçasse
em meus próprios pés caindo no início dos degraus da escada. De forma rápida e inesperada eu vi um homem
parado na janela, seu rosto estava coberto pela escuridão, apenas seus olhos
estavam brilhando enquanto ele me encarava do lado de fora da casa, na chuva e
no frio.
–
Você está bem? – A voz era de Felipe que umedecia meu rosto com um lenço
molhado, minha visão ainda estava embaçada e eu já esperava por isso depois de
ficar preso a algo vária e várias vezes.
–
Deixe-me vê-lo – a Sra. Thomaz se aproximou me examinando com seus olhos atentos
– querido, como está se sentindo.
Péssimo,
respondi para eu mesmo. Tentei me levantar, mas uma pontada apertou meu braço
fazendo-me encara-lo. Havia uma agulha enfiada nele, e uma fina mangueira que
seguia até uma bolsa de liquido transparente.
–
Você estava desidratado, por isso o soro – explicou Felipe tomando a frente da
Sra. Thomaz assim que viu minha cara de quem não estava entendendo nada – você
está no seu chalé, na clínica, meu nome é Felipe.
–
Caralho – disse com a raiva querendo se esvaíra do meu corpo em forma de
palavras – eu sei quem você é.
–
Tudo bem – ele se recolheu e ficou me encarando.
Olhei
para a janela ao lado da cama e Leandro estava lá com seus olhos saltando de
seu rosto.
–
Alguém fala para ele sair daqui – estava me sentindo exausto e de mau humor –
mas que merda aconteceu.
A
vontade de chorar era eminente. Sentia tanta raiva por aquilo estar acontecendo
que só desejava que a terra me engolisse.
A
Sra. Thomaz fechou a porta voltando para o quarto e só assim percebi que
Leandro não estava mais do lado de fora e sim do lado de dentro.
–
Ele insistiu em vê-lo.
Estava
tão cansado quanto irritado, ainda confuso e desconfortável naquela cama. Agora
Leandro era o único que parecia realmente preocupado comigo e eu tão irritado
para perceber respirei fundo e fechei os olhos.
–
Oi – disse abrindo os olhos para encara-lo – eu estou bem, obrigado por me
ajudar.
–
Você não parece bem – ele disse dando um passo à frente, Felipe parecia
preparado para qualquer que fosse o próximo passo dele – está pálido.
–
Faz um tempo que ele não se alimenta, é apenas isso – disse a Sra. Thomaz
tomando minha atenção para si – vamos deixa-lo descansar – ela disse colocando
a mão no ombro de Leandro – quando Enzo estiver melhor você pode vir vê-lo
novamente.
–
Tudo bem para você – ele perguntou dando mais um passo à frente, fazendo com
que Felipe se levantasse como precaução.
Assenti
concordando em silencio. Ele sorriu e a Sra. Thomaz o acompanhou para fora do
quarto. Felipe se aproximou e se abaixou ficando mais próximo de meu rosto.
–
Vou buscar algo para você comer, tudo bem?
–
Preciso te contar uma coisa – eu disse baixo e com dificuldade, ele ficou me
encarando atento esperando que o que eu tinha para falar – eu não consigo
comer, eu não sei o que acontece, eu só não consigo engolir a comida.
–
Vou ir lá buscar e vou te ajudar com isso.
–
Eu não vou comer – disse alto e em bom tom – você não entendeu?
Felipe
assentiu. De certa forma ele havia entendido e pareceu compreender o meu estado
emocional, era o meu primeiro dia, ainda, na clínica e muitas coisas estavam
acontecendo de forma tão rápida.
–
Vou informar isso para a Sra. Thomaz – disse ele caminhando até a porta.
–
Não precisa voltar – disse interrompendo os seus passos fazendo-o voltar a me
encarar com aquele olhar de cão abandonado – vou descansar, volte amanhã.
Ele
assentiu novamente e saiu do quarto apagando a luz antes de fechar a porta.
Tentei
dormir, tentei encontrar a melhor forma de dormir, a posição certa não era
dobrar o travesseiro ao meio para ele ficar mais alto, não era colocar o braço
esquerdo debaixo do travesseiro e fazer um quatro com as pernas, não era de
bruços, peito para cima e dedos entrelaçados, mãos embaixo da cabeça, de lado
com as pernas juntos e com certeza ficar em pé em frente ao espelho do banheiro
a melhor forma de dormir.
Estava
exausto e faminto.
Meus
olhos estavam lacrimejados e inchados, minhas mãos tremiam no mesmo movimento
que meus lábios, fiquei ali a noite toda encarando o meu reflexo pálido como um
fantasma nesses filmes de terror.
Só
que eu estava parecendo um fantasma. Precisava vencer o meu segundo dia naquele
lugar sem enlouquecer. Era quinta feira e o sol já havia nascido.
Eu
conseguia ouvir alguns burburinhos do lado de fora do quarto, mas só me dei
conta de que estava no mundo dos vivos quando Felipe bateu três vezes na porta
do banheiro.
Meus
olhos saltaram e meu corpo se comprimiu com o susto. A porta se abriu e ele se
revelou usando o seu uniforme impecavelmente branco.
–
Está tudo bem? – Ele perguntou colocando-se para dentro do banheiro no mesmo
segundo que eu me inclinei para molhar o rosto com a agua fria da torneira.
Levantei
a cabeça com o rosto úmido e sorri.
–
Estou bem – peguei a pequena toalha branca do suporte e enxuguei o rosto
rapidamente – obrigado por se importar.
–
Sempre me importarei – ele se colocou ao meu lado e me encarou no espelho, ele
parecia examinar o meu reflexo da mesma forma que fiquei fazendo durante a
noite toda – como dormiu?
–
Deitado – respondi com um tom de voz irônico, mas logo dei o braço a torcer e
soltei uma risadinha boba – dormi bem, como um anjo.
Ele
sorriu ainda encarando o meu reflexo.
–
Tomei a liberdade de trazer o seu café da manhã aqui no quarto – ele disse
satisfeito com o feito.
Desviei-me
de seus olhos e sai do banheiro, ele me seguiu e me puxou pelo braço fazendo-me
olhar para ele novamente.
–
Você não precisa comer.
Puxei
meu braço com força fazendo-o me soltar.
–
Ainda bem que você sabe. Não estou com fome – eu menti sentindo meu estomago
embrulhar com o cheiro do suco de laranja que estava servido em um copo em cima
de uma bandeja acompanhado com torradas e dois pedaços de bolo de massa branca.
Duas
batidas na porta e eu me virei olhando para Leandro que estava parado ainda
segurando a maçaneta com um sorriso infantil no rosto.
–
Bom dia – ele disse com seu tom de voz lento e ao mesmo tempo sedutor – como
está se sentindo?
Ele
entrou no quarto fechando a porta atrás de si.
–
Você não pode...
–
Estou ótimo, Leandro – disse interrompendo Felipe que deu um passo à frente
como se quisesse fazer com que Leandro saísse dali.
–
Estava muito ansioso para vê-lo – Leandro não se acolher diante ao olhar de
Felipe que ainda o fitava furioso – você não sabe o quão preocupado fiquei
ontem depois do acontecido.
–
Eu lhe devo desculpas – disse me aproximando um pouco mais de Leandro – fui
rude na sua presença, você só estava preocupado e eu cansado o suficiente para
não perceber isto.
Felipe
arranhou a garganta fazendo com que Leandro o filmasse rapidamente com seus
olhos castanhos.
–
Talvez você pode me compensar – Leandro deu um passo à frente e estendeu a mão
– venha dar uma volta comigo pelo jardim.
Felipe
bufou, ele não estava gostando, muito diferente de mim.
–
Vamos – disse passando na frente de Leandro ignorando seu toque. Abri a porta e
sai do quarto sem olhar para trás, ouvi Leandro fechar a porta e se aproximar
acompanhando os meus passos.
–
Você acorda cedo sempre? – Ele perguntou com um tom de curiosidade em suas
palavras.
–
Sim – respondi de forma rápida.
–
Você não dormiu nada nesta noite – ele observou – fiquei curioso então tomei a
liberdade de verificar como você estava indo durante a noite.
–
Você me espionou?
–
Tem uma coisa que eu faço quando não consigo dormir – ele se desviou da
pergunta – tenho dois travesseiros, um apoio a cabeça e o outro eu abraço,
assim eu não me sinto sozinho e durmo em uma posição mais confortável.
–
Obrigado pela dica.
Estávamos
próximos a muro e ao banco, o primeiro banco que sentei, ao lado havia um
canteiro de rosas vermelhas e brancas.
–
Você gosta de flores?
–
As rosas são as minhas favoritas – disse olhando para as rosas vermelhas.
–
Seus olhos brilham quando você as olha – ele se afastou caminhando em direção
as rosas e entrou no meio dos canteiro.
–
Leandro – disse chamando sua atenção.
Ele
se abaixou entre os arbustos da roseira e se ergueu segurando uma rosa em uma
das mãos, ele pulou a roseira como um canguru e se aproximou estendendo a mão
com a rosa para me entrega-la.
Eu
a peguei levando-a diretamente ao meu nariz sentindo o cheiro fresco dela.
–
Obrigado – agradeci.
Ele
levou as mais para as costas e voltou a caminhar ao meu lado.
–
Você tem quantos anos? – Ele perguntou novamente com seu tom curioso.
–
Quase dezoito e você?
–
Tenho vinte e sete – ele fez uma pausa e parou bem na minha frente – você me
acha muito velho?
Sorri
desconfortável com a pergunta. Não era nada demais, mas eu não sabia exatamente
aonde ele queria chegar com aquele assunto.
–
Não, você jovem, deve ter muitas garotas lá fora que cairiam aos pés – disse desviando
dele e voltando a caminhar pelo jardim segurando a minha rosa vermelha.
Aos
poucos os outros pacientes iam saindo do prédio principal e dos chalés e logo
começaram a tomar conta do espaço verde, olhei para trás e vi Felipe caminhado
com passos lentos não muito longe de onde estávamos, eu o ignorei quando ele
assentiu.
–
Na verdade, não tem – disse Leandro parecendo querer continuar com a conversa que
eu já havia deixado para trás – estou pensando em apenas uma pessoa agora.
Parei
subitamente e o encarei em seus olhos castanhos, ele mordeu o lábio inferior e
serrou os olhos como se estivesse forçando as vistas para me enxergar.
–
Que bem para você, espero que tenha sorte – disse fugindo novamente de um assunto
que me faltava interesse, depois de uma longa pausa de silencio eu continuei –
estou cansado, voltarei para o meu quarto.
–
Eu te acompanho – ele se ofereceu.
–
Quero fazer isso sozinho – falei em bom tom para que ele entendesse. Leandro
assentiu ficando para trás enquanto eu com passos lentos caminhava em direção a
Felipe que havia ficada três arvores de distância.
–
Oi – disse uma garota me surpreendendo ao sair de trás de uma das arvores,
olhei para Felipe esperando que ele ativasse seu senso protetor, mas ele nem se
moveu – meu nome é Melinda.
–
Oi, Melinda, bom dia. Me chama Enzo.
Eu
conseguia ser educado e carismático quando queria.
–
Eu sei seu nome bobinho, todos aqui sabem – ela ficou em silencio me encarando
nos olhos e depois continuou – eu sou a mais normalzinha aqui, garoto. Tem pessoas
piores que eu.
–
Ah, eu acredito em você, pelo menos ainda não me atacou – disse ironicamente já
que ele me assustou, fazendo isso, eu considerei como um ataque leve.
–
James está muito chateado pelo o que aconteceu ontem no refeitório. Ele implorou
para que eu viesse aqui me desculpar por ele.
Bom,
isso realmente me causou surpresa e um baque de realidade.
–
Diga a ele que não precisa se preocupar com isto, foi culpa minha, ele tinha
acabado de falar que não gosta de ser tocado e eu acabei fazendo isto.
–
Ainda assim ele sente muito.
–
Eu quem devo me desculpar pelo desconforto, mas agradeço por ele.
–
Eu gostei de você, Enzo – Melinda sorriu e se aproximou um pouco mais, ele
tocou o meu rosto acariciando-me.
–
É proibido troca de caricias, Melinda – Disse Felipe surgindo do nada, Melinda
recolheu sua mão com o rosto corado.
Ela
abaixou a cabeça e ficou encarando as sapatinhas pretas.
Ela
usava apenas preto, diferente dos outros pacientes que optavam por roupas
claras e felizes. Ela usava um jeans escuro rasgado nos joelhos e uma camiseta
grande preta de alguma banda de rock.
–
Desculpe-me por isso – ela disse ainda de cabeça baixa e envergonhada.
–
Tudo bem, eu também gostei de você e do seu amigo, James. Diga a ele que ele
pode vir me visitar quando quiser, será um prazer recebe-lo.
Melinda
se afastou sem levantar a cabeça e entrou na casa do outro lado do jardim.
–
Existe mesmo esta regra? – Perguntei tentando acompanhar os passos apressados
de Felipe.
–
Agora você quer falar comigo – ele retrucou parando e me encarando fazendo com
que eu interrompesse meus passos – você acha que eu sou seu cachorrinho? –
Fiquei em silencio – Não sou, Lorenzo, sim falei seu nome para mostrar que não
gostei das suas últimas atitudes, você está aqui por que precisa de ajuda – ele
disse baixo para que somente eu o ouvisse – e não o contrário, agora se você quiser
ficar agindo como uma criança mimada, eu sinto muito, não vou poder de ajudar
com isso.
Felipe
saiu andando com passos ainda mais rápidos, eu pensei em segui-lo, mas não era
uma boa escolha enfrenta-lo e eu com certeza faria isso.
–
Segundo dia, novato – disse Polly a enfermeira de Caroline.
–
Oi – Disse Caroline contendo-se ao lado de sua enfermeira que logo lhe lançou
um olhar punidor por ela ter falado.
–
Oi, Carol, olá Polly.
–
Bom dia, querido – Polly se aproximou de meu ouvido e sussurrou – eu vi que você
estava caminhando ao lado daquele rapaz estranho.
–
O Leandro?
Carol
assentou como se a pergunta tivesse sido feita a ela.
–
Sim, garoto, ele até de deu está rosa, isso é muito romântico, até mesmo para
ele – ela continuou sussurrando –, mas tome muito cuidado com seus galanteios.
–
Ele não está com... galanteios – disse sorrindo e achando graça do que ela
falará.
–
Ele é um ninfomaníaco garoto, ele só quer foder com você em um lugar escuro, não
seja idiota. Se afaste dele, antes que seja tarde demais.
Polly
se afastou com Carol seguindo-a, ela não disse mais nada.
Apenas
saiu depois de plantar mil e um pensamentos na minha cabeça. Seria verdade? Leandro realmente estava com
segunda intenções comigo, se bem que nossa última conversa tinha sido bem estranha,
ele com todo aquele seu jeito sedutor. A forma como ele mexia os lábios para
falar e a seus movimentos rápidos e astutos.
Sim
eu devia me afastar dele, ele estava querendo algo que eu não poderia lhe dar,
mesmo que em certo ponto eu senti um calor e uma atração por ele.
Mas
este não é o meu foco, o que eu realmente quero é sair daqui, sair deste lugar
antes que eu fique como a Melinda, Carol e a louca bipolar da Polly.
Eu não sei como você consegue com todas essas palavras, com todos esses sentimentos me dizer que eu posso conseguir superar os meus medos, me identifico muito com cada parte deste livro, e é como se de alguma forma você contasse a minha vida e eu a visse, me perguntando como pude ter sido tola em achar que estava sozinha.
ResponderExcluirÉ linda a forma como você escreve e descreve os seus próprios sentimentos, é incrível como tudo parece ser tão real e sombrio. Estou amando ler este livro e espero você consiga realizar os seus sonhos e poder alcançar o máximo de pessoas possível com a sua escrita.
Boa sorte. Bjs.