Em Minha Mente - Dor
“A
mente indica tudo o que se deve fazer em seus momentos de loucuras, seja pintar
ou raspar o cabelo, são aqueles cinco minutos que tenho que me faz perceber o
que realmente sou. Minha mente me leva ao destino que quero com um suposto
sonho, me coloca ao lado da pessoa que desejo estar, minha mente monta imagens
perfeitas, minha mente é meu livro oculto”.
Iury Sotos
21 de outubro de 2013
Dor 1
Por
que sentimos tantas coisas ao mesmo tempo, seria mais fácil se pudéssemos
separar as coisas. O medo da felicidade.
Às
vezes não consigo fazer isso. Estou com medo e ao mesmo tempo feliz por poder
sentir isso, e se chorar significa derrota quero ser um derrotado.
Não
sei exatamente quando essas coisas começaram a borbulhar na minha cabeça, mas
uma parte de mim acredita que essas palavras sempre estiveram aqui, mas com
sussurros mais baixos como os de agora.
Aconteceu
há um tempo, mas foi o suficiente para me transformar de um garoto de 17 anos
feliz e sorridente em um garoto de olhar triste e pensamentos sombrios. Meus
olhos ficavam sempre derretendo em lagrimas como e não houvesse mais nada a ser
feito o que de fato é verdade.
Foi
tudo tão rápido que meus olhos não conseguiram capturar a cena toda, o enredo
se perdeu como se você estivesse assistindo um filme e acabasse cochilando no
meio dele, quando você acorda não sabe o que levou o personagem a morrer no
fim.
Lembro
de ouvir a voz dele dizendo que me amava, era nítido isso já que ele era o meu
pai. Um barulho me fez acordar no meio daquela noite fria e chuvosa. Pensei ter
escutado um trovão, mas logo em seguida ouvi vidro quebrando no andar debaixo.
Abri os olhos olhando ao meu redor no meu quarto. Era estranho, morávamos ali
desde que eu me entendia por gente e nunca acontecerá algo tão sóbrio na minha
vida quanto naquela noite.
Uma
onda de assassinatos estava deixando Benicia delirante, já escutei meus pais
discutindo sobre mudar de cidade, mas minha mãe era medica geral no hospital da
cidade então isso dificultava um pouco as coisas.
Assim
como o nosso relacionamento. Ela esperou sete meses depois do meu nascimento
para voltar a trabalhar. Isso fez com que meu pai cuidasse de uma criança
pequenina pela vida toda. Acho que ela nunca se importou comigo. Eu não sei.
Levantei
da cama em completo silencio, dei passos leves até a porta e a abri rápido para
não fazer ela ranger como de costume. Escutei um grito alto, era o meu pai na
cozinha, o grito vinha de lá. Minha mãe abriu a porto de seu quarto e me olhou
no fundo dos olhos, era nítido o seu medo. A porta da sala bateu e ela correu
em direção a sala, eu a segui mesmo que minhas pernas tremessem. Caminhei
lentamente até a cozinha e fui o primeiro a vê-lo.
Meu
pai estava sangrando no piso, uma faca da cozinha estava em seu peito, havia
copos quebrados no chão, ele me olhou virando o rosto para me encarar. De seus
olhos estavam saindo lagrimas, cai de joelhos da forma mais dramática que você
conseguir imaginar, segurei na mão dele e o vi fechar os olhos rápido.
Minha
mãe estava esse tempo todo atrás de mim. Mas ele não fez nada, ficou olhando
ele morrer, sangrar até a morte.
Eu
deveria ter feito algo?
Dois
meses passaram e o arrependimento de não ter ido no funeral do meu pai estava
apertando o meu coração. Não consegui fazer, tentei, eu me vesti para ir, usei
uma gravata dele, mas quando chegou a hora tive uma crise de pânico e acabei
ficando sozinho em casa.
É
por isso que me sinto assim, vazio.
Como
se fosse uma bexiga, ela parece cheia, mas a única coisa que tem dentro dela é
o ar. Já na minha cabeça, tinha lembranças felizes e pensamentos sobre a morte.
Voltei
a ir para a escola depois de um mês do acontecido e me senti ainda mais pesado,
todos me olhavam com aqueles olhos julgadores e comentavam sobre aquilo que eu
não queria me lembrar. Mas eles estavam certos.
Parei
de falar com os meus amigos, ou eles pararam de falar comigo, eu não sei bem.
Mas me tornei algo que nunca fui. Um jovem estudante do último ano com uma vida
depressiva.
Não
vou mentir, minha mãe tentou tanto quanto eu melhorar as coisas, não que tenha
dado certo. Mas ela diminuiu seus horários de trabalho e passou a me acompanhar
um pouco mais em casa.
Mas
as coisas pioraram, não sei o que aconteceu comigo, mas toda vez que comia meu
corpo se negava a digerir, estava emagrecendo, já era um garoto magro, mas
naqueles dias era possível ver os ossos da minha coluna.
Então
começaram os pensamentos suicidas, comecei a imaginar coisas, a ver coisas, a
fazer pesquisas de como ter uma morte rápida e dolorosa. Até decidir que minha
morte tinha de ser daquela forma.
–
Como está se sentindo, Lorenzo? – Perguntou Valerie McCall sentada do outro
lado da mesa de carvalho escuro me encarando com seus olhos verdes.
Valerie
era uma psicóloga que tinha de ver duas vezes por semana, foi ela quem receitou
vitaminas por causa do meu emagrecimento precoce, Valerie era descendente de
japonês, por isso, seus olhos eram pequenos e puxados, ela tinha o rosto
arredondado e sua voz era calma como o vento do lado de fora.
–
Estou bem – respondi quase me atropelando em duas palavras – só peço para que
não me chame de Lorenzo, é a terceira vez hoje – eu a repreendi.
Precisava
me livrar daquele nome, já o ouvia bastante em meus pensamentos quando me
lembrava dos paramédicos tentando ressuscitar meu pai, Lorenzo.
Não
é que eu odeie este nome, eu só não queria ouvi-lo com tanta frequência.
–
Desculpe-me, não era a minha intenção, Enzo – ela se corrigiu e sorriu – o que
fez nestes últimos dias?
–
Estou tentando voltar para a minha rotina, fui a biblioteca ontem, não tinha
ido lá desde aquele dia, encontrei alguns amigos na cafeteria e nós conversamos
– eu menti e tentei acreditar nas minhas palavras.
–
Que legal, que amigos você encontrou? – Ela perguntou se apoiando nos cotovelos
em cima da mesa.
Estava
descrito em seus olhos que ela não havia acreditado na minha mentira, mas eu
não podia desistir antes de tentar convence-la.
–
Isaac, Melinda e o Sam – inventei os nomes – ficamos conversando um pouco lá na
cafeteria, eu tentei comer, mas quando vi que ia passar mal desisti.
Contei
sobre como estava me sentindo, menti dizendo que estava bem, e que me sentia
diferente naquela semana, ela começou a dar alguns risos entre nossa conversa e
ia trocando de assunto. Eu queria ter aquela vida que narrava, queria não ter
planejado nada.
–
Contei que voltei a escrever? – Disse animado e aquela foi a única verdade que
contei em uma hora – fazia tempo que eu não escrevia.
–
Espero que seja uma história feliz – ela disse anotando algo em uma folha
dentro da minha pasta – vou querer ler, me envia por e-mail.
Ela
estava tão animada quanto eu, mas aquela história que estava escrevendo não era
como ela estava pensando, como eu depois de viver e ver tudo o que vi e vivi
poderia contar uma história cheia de risos e alegrias? Isso era impossível
tenho de afirmar.
–
Vou enviar – olhei para o relógio no alto da porta e sorri – tenho de ir, já
acabou minha hora e tenho certeza de que tem outras pessoas com quem precisa
conversar.
Valerie
se levantou junto comigo e caminhou até a porta branca abrindo-a.
–
Fico muito feliz por você ter vindo, Enzo – ela sorriu e eu sai da sala
passando pela recepção.
Por
obrigação, eu pensei quando sai do prédio de quatorze andares. Minha mãe estava
me esperando dentro do carro e acenou quando me viu passar pela porta. Entrei e
sentei no banco do carona e ela arrancou com o Argo em direção a nossa casa.
Passamos
pela Southampton e fiquei olhando para o shopping antes de entrar na W. 7th,
dobramos a esquina na Dr. Cheryl e mais uma vez na rua da minha casa a famosa
Drolette Way que era cheia de casas de telhados escuros e paredes brancas. Uma
rua tão segura que os vizinhos não se importavam em cercar seus terrenos. A
frente da minha casa era de tijolos vermelhos bem ordenados, o portão da
garagem, a porta e os ladrilhos das janelas eram brancos destacando-se no
vermelho barro dos tijolos. Por algum motivo estranho minha mãe nunca guardava
o carro dentro da garagem, ela só estacionava na frente do portão e enquanto
ela pegava suas coisas eu já descia e abria a porta. O lado de dentro era
tomado por tons de cinza. O sofá era de um tecido cinza claro, o tapete que
começava debaixo da poltrona azul claro– a única cor diferente na sala – era
cinza um pouco mais escuro que o sofá e se estendia até o começo do hall. A
parede a esquerda porta estava cheia de quadros da família. Ou pelo menos
parecia uma família. Minha mãe passou do meu lado ás apressas e correu para a
cozinha começando a bater as portas do armário que eram brancas como o mármore
da pia que tinha a visão da janela que dava vista para o campo de futebol
americano do colégio de ensino fundamental. Eu gostava de estudar ali, mas
depois começaram as ofensas e tudo mudou. Morar naquela casa ainda me lembrava
o meu pai. Mesmo depois daqueles dois meses. Me sentia estranho em chegar e não
o ver sentado na mesa da sala de jantar digitando em seu notebook com os dedos
ligeiros. Além de um bom jornalista, meu pai era um escritor de livros
infanto-juvenil. Adorava ler as coisas que ele escrevia. Acho que eu deveria
ter voltado a escrever naquele dia, pelo menos assim não me sentiria tão
sozinho.
No
dia seguinte volto a minha rotina, quando acordo minha mãe não está em casa,
ela está fazendo sua caminhada matinal. Então eu mesmo faço meu café da manhã,
o meu preferido, panquecas com mel e leite branco. Fico pronto antes dela
chegar e ligar o carro sem entrar dentro de casa. Corro até o Algo prata e ela
acelera em um caminho para ir à escola. Não trocamos nenhuma palavra, nenhum
carinho e nem um adeus quando saio do carro e entro na escola passando pelo
portão. Ela volta para casa e segue a própria rotina enquanto eu fico rodeado
de pessoas arrogantes, falsas e mentirosas. Caminho pelo corredor de cabeça
baixa como todos os dias, não tenho amigos, os que tinha acabei perdendo junto
ao meu pai, a diferença era que eles não estavam mortos, só não queriam falar
comigo. Quando chego no meu armario pego o livro da primeira aula e meu
caderno. L. Smith vem na minha direção e me empurra contra o armario. Eu o
odeio por fazer isso e me odeio por não fazer nada.
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