Correntes Secretas - Cores
As vezes algo no nosso passado
floresce diante nossos olhos como uma orquídea, trazendo novas pétalas a cada
morte trágica, e a minha vida não é diferente de tal comparação. Nascido no
estado da Florida, morei com os meus pais até os meus dezesseis anos, após isso
sofri de um mal chamado luto, e foi uma das maiores dores da minha vida.
Lembro dos meus pais estarem
apressados arrumando as malas para uma viagem que nem havia sido avisada com
antecedência, minha mãe recolheu algumas das nossas fotografias de uma das
estantes da sala de jantar, meu pai, foi direto aos seus livros, era como se
realmente não fossemos voltar.
Fui instruído a pegar meus documentos
e roupas leves, em uma hora saímos do apartamento com vista para o mar e meu
pai acelerou seu Utilitário preto sem anunciar nosso destino, dez minutos na
rodovia e eu senti meu coração acelerar como jamais havia sentido, medo e
tormento, angustia, meu mundo virou tantas vezes dentro do carro que o impacto
com um outro utilitário pareceu pouco para os meus ferimentos na cabeça.
E aí aconteceu a primeira morte da
minha orquídea.
Tive pesadelos com aquele dia, mas
com a morte dos meus pais fui obrigado a deixar Florida e seguir meu destino
rumo a Nova Iorque, para morar com uma tia da parte de meu falecido pai.
Fui recebido pela tia Ingrid de
braços abertos, ela com toda a sua devoção católica me acolheu com amor e carinho,
como uma super protetora fez o possível para que eu concluísse meus estudos em
casa.
Lembro da primeira vez que caminhei
pelo jardim da mansão, era colorido e arejado. O caminho até a quadra de
basquete era feito por pequenos arbustos de roseiras, o chão de pedra chumbada
e a grama ao redor verde, de um lado a piscina externa e do outro a quadra de
basquete, era divertida a disposição de cada item no jardim, assim como as
peças iluminadas que simbolizavam a paixão da Tia Ingrid o jogo de xadrez.
Um Peão e o Cavalo se erguiam como se
estivessem guardando o balanço azul e a noite eles eram o maior destaque do
jardim. Dentro da mansão predominava as cores azuis e dourado, a maior parte
das paredes eram de vidro assim como toda a área da piscina interna que se
estendia para o segundo piso e seu teto de vidro proporcionava a visão do céu
durante um banho noturno.
Os três anos que se passaram eu me
diverti e pude ser eu mesmo, um jovem garoto com paixões, angustia e o título –
segundo a mídia – de o mais jovem empreendedor de Nova York.
Meu conteúdo escolar estava
adiantado, foram mais de vinte e cinco professores particulares que entraram e
saíram pela porta principal. E com todos foi possível aprender mais do que o
necessário para me formar.
A insistente e viajante Tia Ingrid
insistiu e eu cedi abrindo as portar para mais um professor, a matéria Amor,
pois foi por ele que me apaixonei.
Jean Carlos tinha os olhos verdes e o
rosto maciço como se tivesse sido esculpido em mármore branco, seus lábios
rosados mexiam suavemente enquanto ele me ensinava um pouco de financias,
apontando do o dedo indicador alguns números no livro.
Era essencial que eu aprendesse a
matéria já que em poucos dias completaria a idade estipulada por minha tia para
começar a ser o diretor das empresas Laguna.
Era primordial que eu entendesse
sobre as contas da empresa, mas com toda aquela distração era difícil manter o
meu foco nos livros. Me perdi nas palavras de Jean ressoava com a sua voz doce
e calma e meus olhos já não prestava mais atenção nele. Estava olhando pela
janela observando sentado na poltrona vermelha que ficava em um canto reservado
da sala, no vidro vi meu reflexo, meu cabelo estava bem penteado, meu rosto um
pouco corado e em meus olhos um brilho de paz interior.
– Fábio? – Jean chamou a minha
atenção quando percebeu que eu não estava mais presente, eu o encarei com um sorriso
bobo no rosto – já faz uma hora que estamos estudando, você deve estar cansado
de ouvir a minha voz.
– Não estou – disse encarando seus
olhos verdes –, mas estou cansado de falar sobre números e essa chatice de
estatísticas – dei uma breve risada e continuei – por que não vamos lá fora,
sentamos e comemos algo, vou pedir para o Jeferson trazer.
– Não o incomode – ele fechou o livro
e se aproximou sentando-se um pouco mais para frente na poltrona de frente
comigo – se eu te beijar agora, a sua tia vai surgir na escada?
Eu sorri envergonhado lembrando-me da
noite anterior quando aconteceu exatamente desta forma, me aproximei e o beijei
de forma rápida.
– Tia Ingrid viajou hoje pela manhã
para a Austrália, disse que voltaria na próxima semana, antes do meu
aniversário – eu o beijei novamente e me levantei, ele olhou para cima como se
me chamasse com seus olhos de esmeraldas, sentei em seu colo beijando-o.
– Você sabe que não podemos fazer
isso, não aqui na sala – ele sussurrou no meu ouvido.
Jean fez um movimento rápido
levantando-me e junto ele se levantou. Ele era alto, uns dez centímetros a mais
que eu, seus ombros eram largos e seus braços com músculos definidos. Ele me
abraçou prendendo-me todo junto ao seu corpo.
– Senhor – disse Jeferson entrando na
sala pela passagem da sala de jantar, Jean me soltou como se estivesse
envergonhado.
E talvez ele estivesse, já que se
virou de costas olhando para a vista do lado de fora, mas não era segredo para
ninguém o que nós dois fazíamos, Tia Ingrid foi a primeira a ficar sabendo já
que lhe perguntei antes sobre as consequências de estar me apaixonando pelo meu
professor, e ela com todo o seu amor me explicou que não há consequências
quando se tem amor.
– Sim, Jeferson – disse com um
sorriso no rosto.
– Começaremos a servir o lanche no
jardim, quando o Senhor quiser.
– Já estamos indo – disse assentindo
com a cabeça e Jeferson saiu em direção a sala de jantar.
Virei-me para Jean que estava corado
eu o abracei e ele se enrijeceu.
– Quando não é sua Tia é o seu mordomo,
qualquer dia eu morro de vergonha – ele sorriu.
Segurei sua mão e o puxei para dentro
da área da piscina interna, passamos por ela e seguimos saindo para o jardim. O
piso de madeira de lei era um tom mais claro do lado de dentro, seguimos de
mãos dadas, Jeferson saiu pela porta de acesso com as mãos para trás, Jean
tomou a frente descendo os dois degraus até a mesa de azul, sentamos na cadeira
de acentos floridos, Sheila saiu pela porta de acesso com a bandeja de lanches
em uma das mãos, ela colocou sobre a mesa e Marta, a outra empregada se
aproximou com outras opções de lanches.
Jeferson serviu o suco de laranja em
duas taças de cristal e assentiu retirando-se junto as outras empregadas.
– Ele é peculiar – comentou Jean
levando o suco a boca.
– Ele não conversa muito, mas está
sempre de prontidão, acho tão estranho não saber nada sobre a vida dele e ele
saber tanto sobre a minha.
Jean pegou a fatia de pão sírio e
passou um pouco de patê com a espátula servindo-se.
Jeferson retornou pela porta de
acesso e caminhou na minha direção.
– Senhor Laguna, o Senhor tem uma
visita à sua espera na sala principal.
Olhei para Jean que encarava Jeferson
ao mesmo tempo que olhava nos meus olhos verdes líneos.
– E quem é? – Disse me levantando
deixando o lenço que estava em meu colo sobre a mesa.
– Lúcio – Jeferson fez uma pausa e
continuou após perceber o meu silencio – o Senhor não o conhece? Posso pedir
para que ele volte uma outra hora?
Jean se levantou e colocou sua mão
sobre a minha.
– Se não o conhece, não precisa
atende-lo – ele disse segurando a minha mão com seus dedos finos.
Passei por Jeferson, depois entrei na
sala de jantar passando pela mesa longa de vinte lugares até chegar na sala
principal, o rapaz estava de costas, a cabeça penca para o lado como se estivesse
analisando o quadro de uma mulher em preto e branco preso a parede, ele usava
um terno pequeno demais para seu corpo, de corte grotesco, era possível ver que
já havia sido remendado em uma boa luz. Os sapatos estavam gastos ao ponto de
não serem salvos nem por um engraxate no centro da cidade, o cabelo do rapaz
era na altura do pescoço, em um tom castanho escuro, e então eu o reconheci,
minha memória conseguiu encontrar um rosto para o nome.
Ele se virou me encarando nos olhos e
eu tive o vislumbre de uma memória não muito tardia.
Faltava
apenas três dias para o meu aniversário de quinze anos, os detalhes da minha
festa já estavam totalmente decididos. Meus pais haviam viajado de última hora e
eu preferi ficar, então acabei dormindo no apartamento vizinho onde o meu
melhor amigo, Eduardo e sua família moravam.
Eduardo
era o único garoto do condomínio que eu sentia ser meu verdadeiro amigo, é
claro que eu conversava com todos os outros, eu brincava com eles antes de
ganhar meu primeiro vídeo game, até começar a chamar Eduardo para jogar comigo,
a mãe dele era amiga da minha e isso ajudou muito quando pedi para ficar, assim
poderia ficar na casa deles sem que meus pais se preocupassem.
No
jantar, Stela, mãe de Eduardo preparou massa italiana com um molho de páprica,
era estranhamente gostoso, Stela parecia preocupada, ela era mãe solteira de
dois rapazes, Eduardo e o outro que eu quase não via no prédio, mas as vezes
que o via ele me seguia com um olhar estranho. E naquela noite aconteceu o
mesmo, Lúcio entrou passando por nós sem se preocupar em ser educado, voltou do
quarto e anunciou que estava indo para uma festa. Stela apenas sorriu tentando
ser alguém que de fato ela lutava para manter, apenas aparecia.
Mais
tarde naquela noite, me deitei depois de passar horas jogando com Eduardo,
mesmo sem sono, ainda trocando mensagens de texto pelo celular com meu amigo,
olhei a hora e já estava tarde, era mais de duas horas da manhã e eu sabia que
no outro dia me sentia exausto.
Levantei
arranhando a garganta seca, caminhei em meia luz até a cozinha e vi uma
silhueta sentada no balcão de mármore escuro. Apalpei a parede procurando pelo
interruptor, mas a voz me alertou
“Não
acenda a luz”, era Lúcio ali, cheirando a bebida alcoólica, a luz que entrava
pela pequena janela em cima da pia iluminava o suficiente para que eu visse
parte de seu rosto. Me aproximei da geladeira e peguei a jarra de água, eu a
mantive aberta enquanto a sua luz interna iluminava o copo onde servi água,
fechei a porta depois de guardar a jarra e levei o copo até a boca bebendo a
água fria. Encostei no balcão ficando em silencio em meia luz.
“O
que faz acordado a essa hora, garoto?”. Lúcio perguntou tomando o copo da minha
mão, ele bebeu todo o restante da água e colocou o copo entre nós em cima do
balcão.
“Estou
sem sono”, responde com a minha voz quase que em um sussurro, “E você?”.
Perguntei curioso.
Lúcio
levantou-se tocando seus pés no chão, ele parou na minha frente e segurou a
minha cintura levantando-me e me colocando em cima do balcão.
Meu
corpo enrijeceu com o seu toque e a minha pele se arrepiou causando-me um
calafrio que percorreu toda a minha espinha.
Ele
ficou parado, a luz iluminava seus olhos que brilhavam me observando, ele
colocou suas mãos em minhas pernas me acariciando levemente.
Eu
não disse nada, embora aquilo me assustasse, mas eu não disse nada por que
estava gostando do seu toque e eu queria aquilo.
Era
a primeira vez que alguém me tocava daquela forma, a ponta de seus dedos finos
e esguios param simultaneamente, ele aproximou seus lábios lentamente dos meus,
seu hálito cheirava a cereja, embora o odor de seu corpo era de bebida
alcoólica, ele se aproximou um pouco mais e me beijou.
O
um som alto de vidro se quebrando ecoou por toda a cozinha e eu me inclinei
para frente olhando para o copo quebrado, olhei a minha volta e ele não estava
mais ali.
Levantei
e a luz se acendeu, Stela me olhava com desaprovação, afinal eu havia quebrado
um de seus copos, não esperava menos do que isso.
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