Em Minha Mente - Declínio

Declínio 4
Meu maior declínio, nunca me imaginei em um lugar como aquele, cercado de pessoas que realmente precisavam de ajuda, pessoas que provavelmente até matou outras pessoas. Não fui capaz de sair do quarto naquela manhã, mas até mesmo os olhos curiosos que passaram espreitando na minha janela estavam me irritando.
Aqueles rostos curiosos ficavam me observando enquanto eu arrumava minhas roupas dentro do guarda-roupas, até que me irritei e fechei a cortina branco com um puxão que acabou assustando uma garota loira que acabara de se aproximar para espionar.
É como um presidio, mas os prisioneiros querem colocar medo em você, só que os pacientes fazem isso sem querer.
Medo, gosto desta palavra, dente sentimento. O que define o medo? O meu medo neste momento está sendo sobre sair do lado de fora e encarar todas aquelas pessoas. É estranho se sentir assim?
Sentei na cama olhando no fundo da mala que trouxe, havia um caderno de brochura azul e duas canetas azuis. Peguei uma delas junto com o caderno, fechei os olhos quando o abri, as últimas páginas que escrevi haviam sido arrancadas e as rebarbas ainda estavam ali, se aquelas páginas foram arrancadas, possivelmente minha mãe a leu.
Um arrepio correu pela minha espinha e meus lábios tremeram, talvez esse foi o motivo dela ter me colocado naquele lugar, todas aquelas palavras, minhas duras escritas palavras. Todos os meus sentimentos estavam escritos naquelas páginas.
Todo o ódio e raiva. Meu tempo de ruina, meu pior momento. Eu nem sei como descrever todos aqueles sentimentos sem deixar as lagrimas escorrerem pelo meu rosto avermelhado.
Fechei o caderno deixando meus pensamentos me punirem por ter pensando em escrever um pouco. Não devia ter pensado naquilo.
Três batidas na porta e isso me tirou de meus pensamentos fazendo-me lançar um olhar assustado em direção a Sra. Thomaz que estava parada me fitando usando aquele terno feminino.
Dei um salto da cama deixando o caderno e a caneta sob a cama.
– Por favor, pode se sentar – como um robô me sentei na cama depois de receber aquilo como uma ordem – posso entrar – assenti concordando com a cabeça e ela entrou fechando a porta atrás de si. A Diretora da Clínica se aproximou com seus passos pesados até a cama e se sentou pegando o caderno e a caneta e colocando em seu colo – Você ainda não saiu lá fora, fique à vontade para andar pelo jardim.
– Acho que todos estão esperando que eu saia daqui – dei um breve sorriso envergonhado depois de fazer a piada.
A Sra. Thomaz encarou o caderno com o mesmo olhar que eu há um minuto atrás, foi só neste momento que eu me dei conta de que ela sabia. Ela estava com as páginas faltantes.
– Você sabe por que está aqui? – Ela perguntou sem tirar os olhos do caderno.
– Me joguei na frente de um ônibus na frente da escola toda – disse rápido com um tom de voz que parecia ter graça no que estava falando, até tentei inibir o riso, mas imaginar a cara de todos encarando aquele momento realmente parecia muito engraçado.
– Sou formada em psicologia e não vejo em você traços de um suicida, mas tive de colocar isso na sua ficha, é por isso que você está aqui, Enzo – ela me encarou com seus olhos penetrantes – desculpe-me pelas palavras, mas acho que você está preparando para ouvi-las, sua mãe me pediu para ler algumas coisas que você andou escrevendo pouco antes do acontecido – abaixei a cabeça no momento em que a vergonha me levou para seu pior nível – você precisa de ajuda, Enzo?
Escutei sua pergunta e me fiz a mesma em meus pensamentos, eu precisava de ajuda? Eu preciso de ajuda? Eu preciso de ajuda? Eu preciso de ajuda? Eu preciso de ajuda.
– Sim – disse em voz baixa.
– Você pode repetir, por favor?
Admitir, era tudo o que eu precisava, tinha de admitir precisar de ajuda para conseguir ser ajudado.
– Eu preciso de ajuda – disse um pouco mais alto e claro.
Eu a encarei com os olhos prestes a se derreterem em lagrimas, era impossível conte-las e eu nem tentava me esforçar para isso. Não estava no meu melhor momento, era o meu declínio. Sabe aquele frio na barriga que dá quando estamos sonhando que estamos caindo isso pode definir o meu declínio, estou caindo cada vez mais.
E não é uma queda dessa de circo, quando você sabe que terá uma rede para te proteger da queda, estou saltando de um avião sem paraquedas...
– Você terá a ajuda de que precisa, vamos tratar de você como um paciente recuperando-se de uma depressão, você sabe o que é isso? – Assenti concordando – você terá um enfermeiro durante vinte e quatro horas por dia, ele irá te ajudar com as atividades que terão de ser feitas regularmente, não quero saber de você ficar trancado dentro deste quarto, mesmo sendo um dos meus favoritos.
– Vou tentar.
– E vai conseguir – disse ela entusiasmada – quero que consiga, todos nós, inclusive a sua mãe, nós queremos a sua melhora, então aproveita essa chance e dê o seu verdadeiro melhor de si - A Sra. Thomaz se levantou com um sorriso no rosto e me entregou o caderno azul e a caneta – vamos fazer um combinado – ela sorriu – só escreva coisas boas neste caderno, nada que não for para o seu crescimento deve ser escrito neste caderno.
Concordei com a cabeça e vi ela sair do quarto, a Sra. Thomaz era o tipo de pessoa inspiradora, ela sabe exatamente como deixar uma pessoa feliz e bem consigo mesma.
E depois desta conversa decidi que já estava na hora de dar o que todos do lado de fora queriam. Levantei da cama e abri a cortina fazendo todos do lado de fora desviarem os olhos para outra direção sem ser a minha. Caminhei com passos lentos até porta, era uma coisa que precisaria fazer em algum momento e este era o meu melhor.
Altos e baixos.
Este era o meu... assim que toquei na maçaneta da porta uma memória veio à tona, minha visão escureceu por alguns segundos as imagens se formaram diante de meus olhos, a porta estava se abrindo com um movimento lento, era o corredor dos quartos, estava na minha casa, reconheceria aquela parede branca com algumas imagens enquadradas na parede, como se fosse um grande álbum de alguma família feliz, mas não era a minha. Então eu comecei a andar pelo corredor, de cabeça baixa, passei pela porta branca do quarto dos meus pais que estava entreaberta, não parei, deveria ter parado, e lá estava eu no alto da escada, encarando os degraus abaixo com um total silencio.
– Oi.
Senti meu corpo estremecer, abri os olhos assustado olhando para os lados e só então percebi que estava no meio do jardim, próximo ao canteiro de rosas brancas.
Uma garota estava parada na minha frente com um sorriso um tanto estranho me encarando com seus olhos verdes, ou talvez azuis, ela estava tão próxima que fui obrigado a dar um passo para trás ou dois.
Fiquei em silencio encarando-a, a garota tinha o cabelo na altura dos ombros, sua bora era pequena na cor de um morango doce, seu rosto era fino e o queixo era levemente pontiagudo, a garota tinha a minha altura e por isso era possível olhar tão fixamente em seus olhos, ela começou a sorrir um pouco mais, deixando de ter um rosto adorável para algo assustador.
– Oi – ela repetiu fazendo meu assustar.
– Olá – disse com um breve sorriso aparecendo em meu rosto.
– Oi – ela repetiu me deixando cada vez mais desconfortável – meu nome é Carolina Adams, mas pode me chamar de Carol, vamos ser amigos – com um sorriso no rosto e um movimento rápido ela segurou em meu braço e me puxou fazendo-me começar a andar pela grama verde do jardim.
– Meu nome é Enzo – disse educadamente tentando não me atrapalhar com meus próprios pés enquanto dava passos apressados até um banco.
– Tenho 20 anos, e você? – Tentei responder, mas – Sabe aqui é bem legal, você vai gostar, tem a academia, tem a sala de vídeo também, hoje irão passar um filme legal, não lembro o nome, mas é bem legal. Você não me disse sua idade.
Como havia dito, eu tentei.
– Tenho 17 anos.
Disse apenas isso e sentamos no banco de concreto olhando para os outros chalés de telhados quase horizontais que tocavam no chão. Eram todos iguais e davam um aspecto bonito para o espaço.
– Minha mãe me obrigou a vir para este lugar – disse Carol – vou sair logo, meu namorado está me esperando – ela ficou triste e em silencio – eu sei que ele está – e voltou a ser elétrica – quando sair daqui vou querer ir para Hollywood, meu pai é um empresário lá, ele disse que ficaria comigo se eu melhorasse...
Com um puxão estupido Carol foi arrancada de meu braço por uma mulher alta de cabelo escuro que me lançou um olhar reprovador.
– Eu disse para você ficar dentro do quarto, Caroline – disse a mulher segurando a garota no braço, Carol logo perdeu o sorriso e abaixou a cabeça parecendo estar chateada – Você é novo aqui, garoto?
– Enzo – eu encarei a mulher dos pés à cabeça, ela era uma enfermeira, estava vestida de branco, tinha um apito sonoro pendurado em seu pescoço por uma fina cordinha.
Me encolhi no banco.
– Fique longe dessa garota – a enfermeira se abaixou em minha direção e sussurrou - ela matou o namorado dela – voltando a encarar Carol que ainda tinha esperança de que seu namorado a esperava a enfermeira cerrou os dentes parecendo estar furiosa – Você deveria ter ficado dentro do quarto, Caroline.
– Não gosto que me chame assim – Carol a repreendeu puxando seu corpo para o lado tentando escapar das mãos pesadas da enfermeira.
– Vou leva-la para o quarto, caso precise de alguma coisa, querido, é só me chamar, sou a Polly.
A enfermeira Polly puxou Carol pelo jardim e entrou dentro do prédio de tijolos vermelhos.
Gostaria de saber o porquê que Carol estava ali, ela matou o namorado dela e aquilo era sua prisão? Olhei em minha volta reparando em todos os outros pacientes, eram muitos, mas bem na minha frente, do outro lado do jardim havia um garoto.
Ele era magro e pequenino, era como se estivesse olhando no espelho. Ele balançava a perna freneticamente, ele estava nervoso. Mas o que mais me chamou a atenção foi seu rosto que estava todo enfaixado deixando a mostra apenas seus olhos e seus lábios grossos.
– Olá – olhei para a minha direita encarando o rapaz alto e loiro que me encarava de cima – meu nome é Felipe – cerrei os olhos, ele era apenas mais um louco para entrar no meu álbum de formatura do hospício – sou seu enfermeiro, posso me sentar?
– Sim, claro que pode – disse lembrando-me de não julgar um livro pela capa.
– Lorenzo, estou certo?
– Somente Enzo, por favor, você tem que idade?
– 26.
Felipe era um rapaz bonito, ele tinha os olhos azuis oceânicos, olhos grandes e brilhantes, seu cabelo era loiro escuro e estava penteado em um topete baixo. Ele usava a roupa clássica, calça branca, um pouco justa, camiseta branca e por cima um jaleco com seu nome bordado do lado esquerdo.
– Te achei um pouco...
– Bonito demais para ser enfermeiro – ele sorriu – as pessoas vivem dizendo isso – ele riu – mas você também é bem jovem para estar aqui. Não estou julgando.
– Já tive dias melhores – sorri tentando não encarar seus olhos.
– Estes podem ser seus dias melhores – ele disse entusiasmado, com certeza deve ter tido aquela conversa com a Sra. Thomaz – estou aqui para te ajudar, você não é o meu primeiro paciente, fique tranquilo, estou acostumado com certos ritmos e faremos tudo ao seu tempo.
– Então poderemos sair daqui quando? – Disse sorrindo.
– Nem tudo está no seu tempo – ele se levantou e estendeu a mão – vamos, você terá sua primeira reunião em grupo de quarta-feira.
Segurei sua mão, ela era quente e macia como se estivesse tocando o meu travesseiro.
– Quantas reuniões como está terei de participar?
Perguntei curioso, nunca gostei de falar em público, não conversava nem com a minha mãe, imagina dividir meus sentimentos em um bando de gente que eu não conhecia, um bando de loucos.
– Por enquanto vai precisar participar das três semanais, verei seu desempenho e participação, o primeiro estágio da cura, segundo a Sra. Thomaz é saber que você precisa de ajuda e aceita-la.
Então este era o meu primeiro estágio, soltei a mão de Felipe desviando-me de seu olhar astuto, tinha de passas por todos os estágios se quisesse sair daquele lugar. Se tivesse que falar sobre meus problemas mentais para um bando de desconhecidos faria isso.

Ainda mais se estivesse acompanhado por Felipe e seu sorriso encantador que ele dava enquanto caminhávamos em direção ao prédio de tijolos vermelhos. 

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